O Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados), uma das associações investigadas pela PF (Polícia Federal) por suspeita de fraude no INSS, teve um aumento expressivo nos valores dos descontos em folha de seus associados e um crescimento súbito em sua receita nos últimos anos. A entidade tem José Ferreira da Silva, o Frei Chico, um dos irmãos do presidente Lula (PT), como diretor vice-presidente.
O que aconteceu
O sindicato teve um aumento de 78% nos valores de descontos em folha de 2020 para 2021. A arrecadação também subiu: foi de R$ 17,8 milhões, em 2016, para R$ 90,5 milhões, em 2023.
A PF vê o número de pedidos de exclusão como um indício de que os aposentados estavam sendo associados sem consentimento. A PF não cita o irmão de Lula na representação, mas menciona o presidente do sindicato, Milton Baptista de Souza Filho. O sindicato não foi alvo de buscas na operação da PF de ontem.
Em nota, sindicato disse que irmão de Lula foi eleito para o posto e ocupa a diretoria da entidade desde 2008. Segundo o sindicato, apenas pessoas com mais de 25 anos de atuação no movimento sindical podem fazer parte da diretoria. Frei Chico ocupa desde o ano passado o posto de vice-presidente. "Frei Chico não ocupa essa posição por laços familiares, mas por mérito próprio e por sua trajetória reconhecida por todo o movimento sindical brasileiro", diz a nota.
A PF pediu o cancelamento da parceria da entidade com o INSS. A Justiça Federal atendeu a solicitação e determinou o fim do acordo de cooperação.
A CGU apontou falta de aprovação dos descontos. Em auditoria da CGU (Controladoria-Geral da União) em que foram entrevistados 1.300 beneficiários do INSS, 20 das 26 pessoas (76,9%) que pagavam contribuições à Sindnapi disseram não terem autorizado os descontos.
Sindnapi nega irregularidades e diz defender aposentados. Ontem, o sindicato falou em "compromisso com a legalidade, a ética e a proteção dos direitos dos aposentados". Disse ainda que apoia a investigação das denúncias. "Faz parte do nosso DNA defender os beneficiários do INSS e combater qualquer tipo de golpe que afete os ganhos dessa população."
“Comparando-se o período de 2020 para 2021, quando ainda sob os impactos da pandemia de covid-19 e a redução do volume de contribuições recebidas por grande parte das entidades, verifica-se que a arrecadação do Sindnapi passou de R$ 22.243.230,03 para R$ 39.646.238,05, representando um crescimento de 78%”.
Trecho de relatório da PF sobre investigação de fraudes no INSS
'Desbloqueio excepcional', disse INSS
Segundo o relatório da PF, o Sindnapi estava entre as associações para as quais a direção do INSS agiu para buscar manter os descontos em folha. A medida foi tomada depois que o próprio INSS havia baixado regras mais rigorosas, que exigiam até uma tecnologia de identificação de biometria facial, e determinado o bloqueio de descontos de entidades que não respeitassem as novas normas.
INSS tentou criar uma exceção para o sindicato. Em paralelo às regras mais rigorosas, criadas em março do ano passado, a direção do INSS solicitou ao Dataprev que fosse avaliada uma solução "transitória" para checar a biometria de beneficiários de algumas entidades, entre elas o Sindnapi. O Dataprev apontou que tecnologia transitória sugerida pela entidade não atendia aos critérios exigidos e que estava desenvolvendo uma tecnologia que poderia ser implementada a partir de setembro do ano passado.
Ainda assim, o INSS insistiu no desbloqueio, segundo a PF. A investigação cita que o então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, afastado após a operação de ontem, autorizou as medidas excepcionais para algumas entidades receberem recursos já em junho de 2024, sem esperar o prazo dado pelo Dataprev para a tecnologia de checagem dos beneficiários estar ativa.
A investigação afirma que não havia previsão para este desbloqueio. A PF e a CGU apontam que o INSS assumiu riscos sem checar se a medida atenderia, de fato, os interesses dos beneficiários e que não havia nenhuma regra que autorizasse o desbloqueio. O relatório da PF ressalta a orientação que foi dada internamente no INSS:.
“No ato do desbloqueio excepcional e específico, incluir uma informação no sistema único de benefícios informando que o desbloqueio ocorreu em função de 'Entidade Adesão Biometria Transitória'. O procedimento deve ser aplicado apenas às inclusões, via arquivo de remessa das entidades SINDINAPI/FS, AMAR BR e MASTERPREV, da competência junho/2024”.
Trecho do relatório da PF que menciona a orientação dada pelo INSS.
PF suspeita de 'conflito de interesse'.
O presidente do sindicato, Milton Baptista de Souza Filho, é citado nas investigações. A PF aponta um potencial conflito de interesses entre suas atividades econômicas e o papel de uma associação de aposentados. Ele, porém, não foi alvo das buscas.
Baptista atua em diversas funções no sindicato. Ele "é representante, presidente, sócio, responsável e sócio-administrador de empresas corretora de seguro, de plano de previdência complementar e de saúde, cooperativa de crédito, comércio de material de construção", entre outros. A assessoria do sindicato disse que isso está relacionado "às exigências do cargo". "Ele como diretor-presidente cede seu CPF para o sindicato ter a cooperativa, por exemplo."
Frei Chico disse ontem ao Estadão que quer a investigação de "toda a sacanagem" no INSS. "O nosso sindicato, eu tenho certeza de que nós não temos nada, não devemos m* nenhuma. Eu espero que ela investigue de fato, porque tem muitas entidades por aí picaretas", afirmou ao jornal. Procurado pelo UOL hoje, ele não quis se manifestar.