Em entrevista ao Portal Metrópoles, a delegada Fernanda Oliveira disse que esse será o norte dos trabalhos a partir de agora
O indiciamento de mais de duas dezenas de pessoas no âmbito da Operação Panatenaico não é o fim dos trabalhos para a Polícia Federal na investigação que apura irregularidades relacionadas ao Estádio Nacional Mané Garrincha. Após a entrega do relatório final à Justiça do Distrito Federal, na última sexta-feira (18/8), a corporação já tem um novo alvo: o “segundo escalão” da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap) e da Agência de Desenvolvimento do DF (Terracap).
Na lista da Panatenaico já foram implicados Nilson Martorelli, ex-presidente da Novacap, e Maruska Lima de Souza Holanda, ex-diretora de edificações da Novacap e ex-presidente da Terracap. Agora, a PF irá analisar quem são os outros agentes destas empresas públicas que teriam envolvimento nas tratativas da obra que lesou em cifras milionárias os cofres da capital.
Responsável por conduzir a operação, a delegada Fernanda Costa de Oliveira recebeu o Metrópoles nesta segunda-feira (21/8) e, em entrevista exclusiva, afirmou que em breve deve analisar laudos produzidos pelo Instituto Nacional de Criminalística que apontam quem seriam os demais envolvidos no esquema. “Vamos focar no segundo escalão, porque o primeiro escalão nós pegamos”, avaliou.
Os novos inquéritos têm relação com os personagens. Essa investigação pegou o topo da pirâmide. Pegou os presidentes das entidades, os ex-governadores e os operadores que estavam ligados a eles. Só que uma fraude dessa envolve uma gama gigantesca de pessoas, que assinam vários documentos até formalizar uma licitação ou uma contratação"
Delegada Fernanda Costa de Oliveira
“Provas robustas”
Foram três meses de dedicação integral à Pantenaico – meta estabelecida pela própria delegada – até a conclusão do relatório final, com 335 páginas. “Investigação boa é investigação rápida”, disse. Na conversa desta segunda, ela se mostrou satisfeita com o material entregue à 10ª Vara da Justiça Federal do DF e tranquila a respeito dos próximos passos envolvendo o caso.
“Relatório mais esmiuçado que aquele, não tem. Acho que a denúncia deve sair nos próximos dias e estou muito tranquila em relação a isso. Agora é com o Judiciário. Tenho outras operações para fazer”, afirmou Fernanda Costa de Oliveira.
A Operação Panatenaico foi deflagrada em maio com base nas delações premiadas de executivos da Andrade Gutierrez, construtora responsável, junto com a brasiliense Via Engenharia, pelas obras do Mané.
Segundo a delegada, a maioria das informações fornecidas pelos lenientes e colaboradores foi corroborada pela PF por meio de provas materiais. E elas, conforme declarou, “são robustas”. “As delações e leniência serviram de norte, mas elas nunca foram a ‘mãe das provas’ do nosso inquérito.”
O documento apresentado pela PF aponta que as irregularidades foram praticadas desde a formulação do edital de licitação e teriam envolvido o pagamento de propina aos ex-governadores do DF José Roberto Arruda (PR) e Agnelo Queiroz (PT), além do ex-vice-governador Tadeu Filippelli.
O grupo indiciado seria responsável pelo superfaturamento de R$ 559 milhões no âmbito do estádio. Orçadas em cerca de R$ 600 milhões em 2010, as obras na arena acabaram custando R$ 1,575 bilhão em 2014.
“Reconstruir o passado é muito difícil. Ainda mais quando se trata de uma situação que remonta a 2008. É um exercício, uma metodologia muito difícil de ser aplicada, mas que a Polícia Federal sabe fazer”, asseverou a delegada Fernanda.
Superfaturamento
As confissões feitas pelos delatores da Andrade Gutierrez aos procuradores do Ministério Público Federal (MPF) abordaram um cenário “sistêmico”, nas palavras da PF, de corrupção envolvendo agentes públicos e empresas privadas. A omissão de uma questão, no entanto, motivou a delegada a pedir a revisão dos benefícios concedidos aos colaboradores: o superfaturamento.
“O superfaturamento verificado foi além dos pagamentos de propinas, englobando o lucro do Consórcio Brasília 2014, pois não se supõe a transferência de mais de R$ 500 milhões de vantagens indevidas”, consignou Fernanda no relatório final.
Na entrevista desta segunda-feira (21), a questão foi destacada pela delegada. Segundo Fernanda, essa é uma “linha” das construtoras que estão sendo objeto de investigação. No caso, executivos alegam que o eventual pagamento a mais teria sido exclusivamente direcionado para propina. Laudos produzidos na Panatenaico, no entanto, teriam comprovado que houve superfaturamento.
Em nenhum momento os lenientes e os colaboradores confessaram o superfaturamento. Se eles tivessem confessado, teriam sido obrigados a restituir o que pagaram a mais. Isso não aconteceu. O relatório final comprova que houve superfaturamento, e, por isso, pedi a revisão pelo menos nesse campo, porque, salvo melhor juízo, acredito que é um benefício que eles não merecem. Está ficando barato para essas empresas, está valendo a pena"
Fernanda Costa de Oliveira, delegada da PF responsável pelo inquérito da Panatenaico
“Descaso com dinheiro público”
Na conta do Mané Garrincha, cimento, cabos e mão de obra foram substituídos por buffets, bebidas e ingressos. A sistemática de contrapartida entre agentes políticos e a Andrade Gutierrez causou perplexidade na delegada. “E olha que o que a gente acha é sempre muito menor do que tem”, ressaltou.
Ela explicou que, à medida que o projeto foi sendo executado, as contratadas apresentaram as notas dos serviços prestados. “Como é um serviço de engenharia, o natural seria apresentar notas de cabos, cimento, pedreiros. E o que concluem as medições do Estádio Mané Garrincha? Buffet, ingressos, bebidas, logística para limpeza do show da Beyoncé, show do Aerosmith. São situações que mostram o completo descaso, desrespeito, com o dinheiro público”, criticou Fernanda.
Com a entrega do relatório final da operação referente ao Mané Garrincha, ela irá se debruçar sobre outros fatos, relativos ao DF, delatados por ex-integrantes da cúpula de empresas como a Odebrecht e a Andrade Gutierrez. Deve conduzir os casos com a mesma obstinação da Panatenaico. “Brasília precisa fechar essa situação do estádio logo. Muito tempo já se passou. É hora de iniciar a ação penal”, assegurou.