A flecha que Rodrigo Janot planejava lançar contra o presidente Michel Temer (PMDB) se tornou um bumerangue. Enquanto o mundo político esperava que o procurador-geral apresentasse uma segunda denúncia criminal contra o presidente a poucos dias de deixar a chefia do Ministério Público Federal, Janot surpreendeu e acabou abrindo uma investigação que pode anular o mais importante e polêmico ato de seu mandato: o acordo de colaboração premiada de Joesley Batista e de outros dois executivos da empresa JBS pelo qual eles receberam perdão judicial. O procurador-geral diz que houve omissão de fatos "gravíssimos" na delação, revelados em novos áudios em poder do Ministério Público, afirma que os benefícios legais podem ser revistos, mas frisou que todas as provas produzidas no acordo seguem válidas.
Mesmo se as provas, incluindo a gravação de Joesley Batista com Temer, não forem anuladas, aliados do Planalto analisam que o peso político de uma eventual segunda denúncia criminal contra o presidente será reduzido – isso se ela ainda acontecer até o fim da próxima semana, quando termina o mandato de Janot. O principal argumento é que os primeiros julgadores de Temer não serão técnicos, mas parlamentares. São os mesmos deputados federais que já engavetaram a primeira acusação de corrupção passiva contra o presidente, no início de agosto.
Com as novas revelações, ganha força o discurso que o peemedebista fez contra a credibilidade de Joesley e do ex-procurador e hoje advogado Marcelo Miller, a quem Temer tentou colar a ideia de que seria um infiltrado da JBS dentro da cúpula da Operação Lava Jato. Uma gravação de quatro horas encontrada nos arquivos dos delatores, ainda que não se conheça o conteúdo dos áudios mencionados por Janot, sugere que Miller, um ministro do Supremo Tribunal Federal e um congressista (que não tiveram os nomes revelados) estariam auxiliando a JBS. Na ocasião, Miller atuava como um dos principais assessores de Janot na PGR.
No Palácio do Planalto, o clima nesta segunda-feira era de um certo alívio. Assessores próximos do presidente que ficaram no Brasil enquanto ele participa do encontro dos BRICS, na China, disseram estar surpresos com a transparência de Janot e não esperavam que ele próprio pudesse colocar em xeque a delação dos executivos da gigante do ramo de alimentos JBS. O defensor do presidente, Antonio Claudio Mariz de Oliveira, já pensa em pedir a anulação de todos os fatos trazidos pela empresa.
No Congresso, há quem pregue as investigações contra Temer têm de ser mais aprofundadas. Um deles é o líder do DEM na Câmara dos Deputados, Efraim Filho. Ele descarta, no entanto, que todas as provas trazidas no processo sejam anuladas. “A tarefa de passar o Brasil a limpo é irreversível. A Lava Jato é patrimônio do Brasil. O que puder ser aproveitado será, dentro dos limites da legalidade”, ponderou o parlamentar da base aliada do Governo.
Fora da seara política, o sinal é de cautela, contudo. O juiz aposentado Wálter Maieróvitch diz que no caso da legislação brasileira o tempo pesa contra os investigadores. “Na Itália, uma delação é apurada em três, quatro anos. Aqui, é tudo para ontem. Por isso, estamos sujeitos a nos depararmos com mentiras e omissões que só vão ser checadas no decorrer do processo”.
Estudioso de organizações criminosas, Maieróvitch reforça a tese de Janot, que, apesar da aparente tentativa dos delatores de ludibriarem o Ministério Público e o Judiciário, as provas deverão ser validadas. “O ‘contrato’ de colaboração é rescindido. Mas as provas resultadas dele são mantidas”, ponderou o especialista. Com o desenrolar dos fatos em Brasília, a preocupação desse ex-juiz é a de que a Operação Lava Jato no Brasil tenha o mesmo fim da operação Mãos Limpas, desenvolvida na Itália e que serviu de inspiração para os investigadores brasileiros. “Lá, por conta das mudanças legislativas e com a volta do [Silvio] Berlusconi ao poder, as Mãos Limpas viraram Mãos Decepadas”, relembrou Maieróvitch.
O que acontece com os irmãos Batista
No ganha-perde da política e do Judiciário brasileiro, um fato é certo: quem já perdeu foram os executivos da JBS. O perdão judicial oferecido a eles, que os livrava de cinco investigações em andamento, deverá ser reduzido. Um dos que reclamavam desse extenso benefício era o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Claudio Lamachia. Nesta segunda-feira, após o pronunciamento de Janot, ele afirmou que as informações trazidas pelo procurador eram gravíssimas e que a sociedade estava indignada com as benesses dada aos membros da JBS. “A OAB espera que a lei possa valer igualmente para todos. Não existe processo válido sem que a lei seja respeitada”, afirmou Lamachia.
Agora cabe esperar duas próximas movimentações, a que virá da delação do doleiro Lúcio Funaro, apontado como o operador do PMDB e do ex-deputado Eduardo Cunha, no esquema criminoso e como a sucessora de Janot na PGR, Raquel Dodge, irá atuar. Antes de qualquer ato, ela terá de tirar de suas costas a suspeição por ter, assim como Joesley, se encontrado com Temer em uma agenda extraoficial durante a noite no Palácio do Jaburu.