01/12/2016 às 20h59min - Atualizada em 01/12/2016 às 20h59min

DEZ MEDIDAS DE COMBATE À CORRUPÇÃODois pesos, duas medidas: o que é verdade e o que é mentira sobre a responsabilização criminal de juízes, procuradores e promotores

Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira, Procuradora - Geral do Ministério Público de Contas do Distrito

Diante do clamor popular imediato, ontem, após a votação açodada, madrugada a dentro, pela Câmara dos Deputados, que desvirtuou totalmente o projeto das Dez Medidas de Combate à Corrupção, vários deputados apressaram-se para se justificar perante o eleitor. Eles tentam passar a ideia de que a responsabilidade criminal de juízes, procuradores e promotores é uma boa medida, pois somente atingirá aqueles que cometerem crimes e abusos, em idêntica situação de todos os demais agentes públicos e cidadãos, em geral, no país. Mas será isso mesmo verdade? A resposta é negativa.

 

A emenda por eles aprovada, de iniciativa do deputado Weverton Rocha (PDT/MA), criou dois dispositivos para dizer que magistrados e membros do Ministério Público cometerão crime quando forem patentemente desidiosos; procederem de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro do cargo e quando se expressarem sobre processo pendente de julgamento ou de atuação.

 

A subjetividade do texto é uma demonstração clara de que ele é aberto, de propósito, para tentar enquadrar a atitude do juiz ou do promotor ao gosto do freguês. O texto, sob encomenda, que não traz nenhum parâmetro objetivo de conduta, só vai servir para tentar intimidar juízes e promotores, que passarão a responder a inúmeras ações, toda a vez que desagradarem, principalmente, a algum poderoso corrupto, que, por lesar o dinheiro público, é rico e tem condições de pagar advogados que se prestem para essa função.

 

O projeto impede, ainda, que informações técnicas cheguem ao cidadão, calando juízes e promotores.

 

Sem meias palavras ou contorcionismos interpretativos, foi isso o que aprovaram esses deputados. Mas não para por aí. Vê-se que essas hipóteses, que os deputados querem que se constituam em crimes, não estão previstas para criminalizar a conduta de outros agentes públicos e nem a conduta deles mesmos. Dito por outro modo, não é verdade afirmar que o projeto iguala magistrados e membros do Ministério Público a todos os servidores, cidadãos e aos parlamentares do Congresso Nacional, para a aplicação da lei penal.

 

Prova disso é o fato de os deputados não haverem incluído no projeto um dispositivo semelhante, para considerar crime e abuso de autoridade, atos praticados por parlamentares, no exercício da atividade fim, como a aprovação de projetos de lei e de emendas, por exemplo, inconstitucionais, lesivos ao interesse público ou à moralidade, hipóteses que também poderiam ser enquadradas em conduta patentemente desidiosa, indigna e ofensiva ao decoro, à honra e à dignidade do cargo.

 

De outro lado, os deputados não aproveitaram para, na mesma norma, criar um órgão externo que os submeta à responsabilização, com a participação de outros integrantes, como representantes da sociedade, pois, atualmente, são eles mesmos que julgam a si próprios, por meio das conhecidas Comissões de Ética. Diversamente, juízes e promotores, além de estarem submetidos à legislação penal e de improbidade, estão vinculados aos Conselhos Nacional de Magistratura e do Ministério Público, órgãos criados justamente para punir maus agentes públicos dessa categoria, que atentarem contra as leis, e que se compõem de representantes de outras entidades. Em tese, isso garante a isenção das decisões adotadas.

 

Ainda, os mesmos deputados não foram ágeis para aprovar, no mesmo ato, qualquer iniciativa visando a alterar a Constituição Federal para acabar de vez com a imunidade que possuem por suas opiniões, palavras e votos – dispositivo que não encontra parâmetro em relação às demais categorias dos agentes públicos, em geral.

 

Por tudo isso, o que fez o projeto foi desigualar, no campo penal, juízes e membros do MP das demais categorias de agentes públicos e políticos, deixando, em contrapartida, a salvo dessas mesmas responsabilidades, os parlamentares do Congresso Nacional.

 

Parece óbvio, também, que, se aprovado o projeto, abre-se a possibilidade de, a qualquer tempo, semelhantes medidas serem objeto de novas leis, destinadas a todos os demais servidores e agentes públicos, em geral, como Delegados, Defensores, Advogados Públicos, etc.

 

A nação, agora, aguarda uma resposta do Senado Federal, que só pode ser uma de duas:

 

Se o projeto é justo, por que parlamentares não estão nele incluídos?

 

Se o projeto é injusto, podem deputados utilizar o cargo, para perseguir magistrados e membros do Ministério Público, tentando, ainda, salvar a própria pele, ao buscar incidir a lei a ser aprovada, imediatamente, nas Operações em curso?

 

Que essa resposta seja breve, sincera e respeitosa para com a dignidade e a inteligência do povo brasileiro.

 

*Procuradora-Geral do Ministério Público de Contas do Distrito Federal (MPC/DF)


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