26/12/2017 às 07h13min - Atualizada em 26/12/2017 às 07h13min

Morte de modelo reacende debate sobre drogas na passarela

No início deste mês, a jovem holandesa Ivana Smit, 18, que trabalhava como modelo, foi encontrada morta em um arranha-céu em Kuala Lumpur, na Malásia. As circunstâncias da morte continuam um mistério. É uma história de beleza e de morte, cheia de especulações em torno de sexo, drogas e álcool.

Ivana caiu nua de uma varanda do 20º andar, supostamente após ter saído de uma festa e ido para o apartamento de um casal. Os pais dela foram informados de que não há suspeita de crime, apesar das investigações continuarem. O Ministério das Relações Exteriores da Holanda afirmou à BBC que a Interpol foi contatada sobre o caso.

A família da modelo começou nesta semana a fazer uma vaquinha virtual para levantar dinheiro para uma investigação independente.
 

Na indústria da moda, a tragédia trouxe novamente à tona os problemas que rondam o trabalho de modelos na Malásia. “Essas coisas acontecem tantas vezes – parece que isso poderia ter acontecido com qualquer um de nós”, diz à BBC a modelo Emitsa Shz.

Ivana Smit passou a maior parte de sua vida na Malásia, tendo crescido com seus avós em Penang – no norte do país. Foi lá que ela começou a modelar, aos 13.

Após alguns anos com seus pais na Holanda, ela tinha acabado de voltar à Malásia e só no mês passado se mudou para a capital Kuala Lumpur. Lá ela trabalhava como freelancer, sem ter uma agência.

“Ela teve melhores opções estando de volta” diz à BBC Natalie Woodworth, uma amiga de infância de Ivana. “Continuo lembrando dela falando para mim: ‘Estou de volta onde eu deveria estar’. Ela estava extremamente feliz de retornar à Malásia.”

Ainda não estão claros os detalhes sobre sua morte. Após supostamente ter ido com um casal mais velho ao apartamento deles, Ivana teria caído do apartamento nas primeias horas da manhã.

Seu corpo foi descoberto durante a tarde na varanda de um apartamento do 6º andar, com álcool e drogas encontrados em seu sangue, segundo a mídia local.

Familiares da modelo que viajaram até a Malásia disseram à imprensa holandesa que Ivana tinha marcas no pescoço. O casal de estrangeiros que estava no apartamento foi acusado, separadamente, de posse de drogas – e ambos liberados após pagamento de fiança.

Eles disseram à polícia que estavam dormindo quando Ivana caiu. Depois, levaram o filho para a escola – ainda sem saber da morte dela.

A tragédia levou a muitos pedidos de mudança no mercado de modelos. E muitas pessoas postaram nas redes sociais a hashtag #truthforivana para chamar atenção para o caso.

Emitsa Shz, de 28, é uma veterana do mundo das modelos, tendo trabalhado por muitos anos em Kuala Lumpur.

Ela diz que não é o trabalho como modelo a preocupação, mas “os muitos outros que aparecem em volta das modelos”.

Não se sabe se esse foi o caso de Ivana, mas há uma grande oferta, por exemplo, para fazer presença em festas, podendo-se ganhar mais de R$ 4 mil por cinco horas.

Mas há um enorme problema nesses casos, diz o modelo Carl Graham: drogas e álcool.

“A maioria das modelos estão afastadas das famílias desde cedo, elas têm inseguranças e possíveis problemas. E elas estão se afogando em festas, álcool e drogas.”

As jovens nesse mercado, algumas no início da adolescência, em geral têm pouca experiência de vida. A pressão é imensa e elas têm que lutar para lidar com esse mundo de glamour no qual são jogadas.

“Elas precisam aprender que podem dizer não e que ser paga para ir a festas não é modelar, é uma versão de serviço de acompanhante”, diz Graham. “São os caras mais velhos com dinheiro os que normalmente fornecem álcool e na maioria das cirscunstâncias, drogas também”, afirma. “Em geral, as modelos não têm proteção adequada ou suporte das agências. Elas são jovens garotas de todos os lugares do mundo sendo levadas para bares e clubes.”

Além disso, segundo ele, o trabalho de modelo na Malásia é visto por muitas pessoas como algo negativo e estereotipado, sendo associado a um estilo de vida hedonista conectado a um mundo de semicelebridades de festas, álcool e bons momentos. “Essa imagem tem um efeito nas garotas – elas pensam que é o que precisam fazer”, diz Emitsa Shz. “Mas não é esse o caso. Você pode dizer não para as coisas e continuar a fazer seu trabalho.”

Agências de modelos em Kuala Lumpur disseram à BBC que cuidam bem das modelos que trabalham para elas. “Tem muito disso acontecendo. Álcool, festas e possivelmente também drogas”, diz Nicholas Chan, da agência ML Model. “Nós de agências alertamos as modelos para tomarem cuidado. Mas há limites do que uma agência pode fazer.”

Chan é também membro do comitê da Associação de Modelos e de Agências de Modelos da Malásia. O grupo tenta estabelecer padrões no país – o que, segundo ele, melhoraria as condições de trabalho e a estabilidade para as modelos.

“Claro que nem todas as agências são ruins”, diz a modelo Emitsa. “Mas algumas estão atrás apenas do lucro e se esforçam pouco em proteger as garotas de possíveis perigos.”

Mortes como a de Ivana, ela diz, acontem com frequência. “Mas só os casos mais dramáticos são escolhidos pela mídia – e mesmo assim eles são rapidamente esquecidos.”

Entre esses casos está o da morte de uma adolescente russa de 14 anos na China.

Vlada Dzyuba ficou doente após participar da Xangai Fashion Week e morreu de falência múltipla dos órgãos. A imprensa russa afirmou que sua morte teria sido causada por uma meningite agravada pelo excesso de trabalho, o que foi negado pela agência chinesa que a contratou.

Emitsa acredita que casos como este e o de Ivana têm pouco efeito para as mudanças.

As agências normalmente não são responsabilizadas. “As histórias que ouço sobre trabalhar na China são horríveis. Se você engorda meio-quilo, eles falam que você está gorda e ameaçam te mandar para casa.”

Mas as garotas normalmente vêm de famílias pobres e suas casas depedem do dinheiro que elas mandam.

O modelo Graham usou o Facebook para protestar após a morte de Ivana, dizendo que o assunto não era apenas sobre essa tragédia. “Isso é sobre a gente se posicionar e compreender os riscos que atingem a nossa sociedade e a indústria de modelos para ser exato.”

Ele diz ter certeza de que há um pouco mais que as agências poderiam fazer, sugerindo que elas deveriam ser responsáveis por menores de 18 anos, providenciando também acompanhantes para aqueles que são mais velhos.

Muitos dos que protestam pela morte de Ivana esperam que essa tragédia tenha um impacto efetivo e leve a uma mudança. Graham não é tão otimista: “Estrelas maiores morreram da mesma maneira e nada mudou.”


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