28/04/2018 às 07h29min - Atualizada em 28/04/2018 às 07h29min

Contaminação: água podre abastece população do Paranoá Parque

O líquido tem saído amarelado das torneiras. Quem consome o fluido apresenta manchas na pele e sofre com mal-estar constante

Metrópoles

Um mistério ronda a comunidade do Paranoá Parque, onde moram 30 mil pessoas. Desde terça-feira (24/4), a água que sai das torneiras está escura, barrenta e malcheirosa. O recurso está impróprio para consumo. Quem se arrisca passa mal ou apresenta outros problemas, como queda de cabelo e manchas na pele.

De acordo com a Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb), amostras da água já foram coletadas e serão analisadas. Mas o laudo apontando as causas será divulgado apenas na segunda-feira (30). Fontes da empresa, no entanto, adiantaram que o líquido está com alterações e impróprio até para banho. O abastecimento em toda a região é feito por meio de poços artesianos tratados em reservatório exclusivo para o endereço.
Uma das moradoras do condomínio, que integra a iniciativa Morar Bem, do Governo do Distrito Federal, é a estudante Andryelle Viana, 24 anos. Ela conta ter sofrido constantemente com náuseas, enjoos e dores de cabeça.

Segundo Andryelle, outros moradores têm relatado queda de cabelo intensa provocada pelo estado da água. De acordo com o prefeito do Paranoá Parque, Raimundo Portela, 47 anos, a justificativa dada por funcionários da Caesb é de que o problema seria consequência de complicações em obras realizadas recentemente no sistema de esgoto do local.

Portela afirma que procurou a companhia por diversas vezes, mas nenhuma resposta foi dada. Para consumir o recurso, ele é obrigado a ferver o líquido obtido na região ou tem que comprar garrafas e galões industrializados nos mercados. O prefeito se diz “revoltado com o abandono”. “É um absurdo pagar por algo que você não pode usar. Eu pago por água potável, não por isso aí. É um descaso muito grande e que muito nos revolta.”
A vida do carpinteiro Gersino Gomes de Souza também não está nada fácil. Desempregado e com dois filhos, Souza, aos seus 51 anos, precisa comprar água mineral nas redondezas, porque não confia no líquido que chega ao condomínio onde mora.

"A água está fedendo e travando na garganta, com um gosto muito ruim. Meu rosto começou a coçar e apareceram caroços no corpo. Não temos como fugir do banho, mas oriento meus filhos a deixarem o chuveiro bem quente para matar os germes. O governo precisa fazer algo”"

Amostras
Outra moradora do condomínio, a dona de casa Aparecida Ferreira relatou a dificuldade de se viver com as atuais condições oferecidas no local. Ela repercute um áudio enviado por um dos síndicos do complexo, no qual é relatado o que seriam avaliações de técnicos da Caesb após colherem amostras do líquido da região.

“O problema foi uma dosagem a mais no flúor que ocorre lá na caixa-d’água, onde é feito o tratamento. Uma falha na regulagem dos equipamentos acarretou superdosagem”, explica o líder comunitário, em gravação aos moradores. No áudio, ele diz que a Caesb já teria identificado as alterações e passado a trabalhar para resolver o problema.
 

A resposta dada aos moradores não convenceu Aparecida, que disse estar impossibilitada de utilizar o líquido até mesmo para lavar roupas. “A água está com um fedor horrível de esgoto e o cara vem me falar que é o problema de flúor? É um absurdo o que está acontecendo conosco aqui”, disse ao Metrópoles.

Minha Casa, Minha Vida
O Paranoá Parque foi o primeiro empreendimento do Distrito Federalfinanciado pelo Minha Casa, Minha Vida, programa habitacional do governo federal em parceria com o governo local, no projeto chamado Morar Bem. No dia 29 de março de 2014, foram entregues as chaves dos apartamentos aos primeiros 224 residentes beneficiados pelo Morar Bem. Atualmente, são 6.240 apartamentos.

Três anos após a entrega das primeiras chaves, o Ministério Público de Contas do Distrito Federal (MPC-DF) fez uma representação ao Tribunal de Contas local (TCDF), mostrando a falta de estrutura do condomínio. De acordo com denúncia feita pela Defensoria Pública do DF, o residencial foi erguido sem planejamento.

Por essa razão, com o aumento da população na região, serviços essenciais – como segurança, saúde e educação – foram afetados. Na ocasião, o Hospital Regional do Paranoá (HRPa) suspendeu parte das atividades por não conseguir atender à demanda na área. Além disso, conforme denúncia recebida pelo MPC-DF, havia famílias com crianças em idade escolar sem acesso a ensino.

“O sistema viário complicou-se no local e o transporte público é deficitário. Para atender a ocorrências policiais, há apenas uma delegacia. Denúncias de crimes, como tráfico e prostituição de menores, seriam frequentes”, destacou a representação, feita em janeiro de 2017.

Desmaio de fome
Os problemas vividos pelos moradores do Paranoá Parque não se resumem ao saneamento básico questionável. Em novembro do ano passado, uma criança de 8 anos passou mal de fome na Escola Classe 8 do Cruzeiro. Morador do Paranoá Parque, o menino estava há dois dias sem comer direito e precisou ser atendido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).

O estudante chegou à escola apático e a professora teve que interromper a aula para ele receber os devidos cuidados. O garoto faz parte de um grupo de 250 crianças que precisa se deslocar do Paranoá, Paranoá Parque e Itapoã para estudar no Cruzeiro.

A distância, de 30km, obriga-os a sair de casa às 11h, todos os dias. O lanche do colégio era servido por volta das 15h30. Após o episódio, o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) anunciou que vai criar um colégio para atender a população do Paranoá Parque e Itapoã, na periferia da capital.

 


 

 


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