29/05/2018 às 08h28min - Atualizada em 29/05/2018 às 08h28min

ONDA DE BOATOS DEIXA O POVO COM MEDO. MAS SÃO SÓ BOATOS

Exemplo de boataria: alimentos seriam disputados a tapas durante saques

Supermercados saqueados no Rio de Janeiro, prateleiras vazias, alimentos estragados, pacientes morrendo em hospitais por falta de medicamentos, caminhões em chamas, Brasília sitiada e um golpe de Estado em curso.

Assim foi a segunda-feira, 28, de acordo com imagens, áudios e mensagens recebidas pelo WhatsApp da dona de casa Lenir de Almeida Marques. “A gente tem medo. Fica o dia inteiro com medo. Quando recebo esse tipo de mensagem, eu repasso para os conhecidos. É preciso estar preparado.”

Se nas manifestações de 2013 (jornadas de junho) e 2015/2016 (impeachment da presidente cassada Dilma Rousseff) as pessoas expressavam “indignação” em suas redes sociais ou conversas privadas, o sentimento que parece ganhar protagonismo, com a greve dos caminhoneiros e seus desdobramentos, é bem diferente. O sentimento da vez é “medo”.


Segundo Martins, o medo faz com que as pessoas tenham respostas irracionais e instintivas. “A civilização é uma casca frágil. O medo é o nosso sinal de alerta. Neste caso, as pessoas estão espalhando notícias falsas, fazendo fila para abastecer seus carros, fazendo fila nos supermercados…”Para o psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, Daniel Martins de Barros, o medo ganhou protagonismo porque eventos como estradas bloqueadas e a hipótese de desabastecimento nos mercados mexem com nosso maior temor: o da morte. “O medo é lucrativo. Funciona como um alarme que toca toda vez que nossa sobrevivência corre algum risco. Esse é o caso agora”, disse.

Nos últimos dias, imagens de saques nos supermercados venezuelanos foram compartilhadas como se estivessem acontecendo no Brasil; cenas das manifestações de junho de 2013 foram usadas como se tivessem sido captadas ontem; e um caminhão incendiado em 2015 transformou-se em exemplo de radicalização dos caminhoneiros ou sabotagem do governo.

A produção desses boatos pode até ter nascido de fontes mal-intencionadas, com interesses específicos em seus desdobramentos políticos. Mas o que faz esse tipo de notícia ganhar corpo nas redes sociais e no WhatsApp é uma verossimilhança com a realidade ou com aquilo que as pessoas imaginam que pode vir a acontecer. “Nesse contexto, tem muito de inocência. As pessoas estão fragilizadas e o País sem confiança. Então, não se dão ao trabalho de checar ou ponderar”, disse Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Psiquiátrica da América Latina.

Essa é a mesma linha de raciocínio do psicólogo Nelson Destro Fragoso (Mackenzie). “Neste momento, a tendência é a exacerbação de uma visão catastrófica. O medo é uma espécie de alavanca motivacional que pode mobilizar ou imobilizar – depende das circunstâncias.”


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