O mandado de prisão foi expedido em agosto passado. Lucas nasceu em Florianópolis (SC), mas possui cidadania americana por ser filho adotivo de uma brasileira com um americano. Contudo, ele voltou ao País no fim de 2013. Na época, morava na casa de um familiar dos pais adotivos no DF. Na residência em Vicente Pires, ele passou a conviver com a vítima.
A mãe da criança relata que na época ninguém desconfiava de nada. “Eu estava enfrentando uma depressão e fiquei internada por um tempo. Meu marido trabalha como motorista, então não tinha ninguém para ficar com a minha filha durante a jornada dele. Por isso, a tia do meu esposo e falou que poderia cuidar dela até que eu melhorasse”, relata. Foi aí que Lucas, na época com 20 anos, e a vítima passaram a conviver.
Dia do crime
No começo, tudo parecia normal. Entretanto, no dia 2 de fevereiro de 2014, um comportamento estranho da menina chamou a atenção do pai. “Por causa de um churrasco da família, a tia do meu esposo e as outras pessoas da casa saíram e só ficaram ele, minha filha e Lucas”, explica a mãe. O pai ficou no andar de baixo assistindo a uma partida de futebol e a criança subiu para brincar com Lucas. Até este dia, ninguém suspeitava de nenhuma atitude estranha do rapaz.
Em um determinado momento, a menina desceu as escadas e disse ao pai que queria tomar banho. “Meu esposo respondeu que ainda não era a hora, mas ela insistiu. No terceiro pedido, ele a perguntou por que queria tanto tomar banho. Ela respondeu que estava sangrando. Meu marido ficou desesperado e perguntou o motivo. Ela contou que Lucas estava em cima dela e que tinha passado um gel nas partes íntimas dela”, relembra a mãe.
O pai, então, foi ao andar de cima, onde Lucas estava tomando banho, e pediu que abrisse a porta. “Lucas recusou. Então, meu marido disse que iria arrombar a porta de qualquer jeito. Lucas abriu e os dois entraram em luta corporal”, conta. O homem, então, teria ligado para a tia, “antes que algo pior acontecesse”. O caso foi parar na 38ª DP, onde um boletim de ocorrência foi registrado.
Perícia confirma material genético
Ao longo da investigação criminal, foram analisados o short, calcinha e camiseta da vítima, além do lençol do quarto. A perícia constatou nas amostras a presença do sangue, líquido seminal (parte do sêmen sem espermatozoides) e material genético de Lucas. Exame de corpo de delito concluiu que o hímen dela não foi rompido.
O rapaz chegou a ser preso. Porém, conseguiu habeas corpus para responder ao processo em liberdade. A advogada de Lucas na época, Cláudia Tereza, conta que o rapaz foi absolvido em primeira instância pela 2ª Vara Criminal de Taguatinga. Assim, ele recuperou o passaporte e deixou o Brasil.
Todavia, o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) recorreu da decisão e o jovem foi condenado em segunda instância ainda em 2016. “Foi quando ele saiu do País. Eu falava sobre o andamento do processo com a família dele que está aqui em Brasília. Recorremos ao STJ [Superior Tribunal de Justiça], mas os ministros mantiveram a condenação. Depois disso, não tive mais contato”, diz a advogada. Este foi o único contato obtido pelo JBr. com a defesa do condenado.
O caso foi dado como encerrado na Justiça e iniciou-se o processo de execução da pena. Em 1º de setembro passado, o TJDFT solicitou a inclusão do nome de Lucas na lista de difusão vermelha da Interpol. O nome do condenado já está na relação de procurados e pode ser acessado publicamente. Ele é considerado foragido pela Justiça.
Extradição
Roberto Cidade, vice-presidente da Comissão de Direito Internacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/DF), explica que o foragido poderia ser extraditado caso seja pego em qualquer outro país, exceto nos EUA. “Como ele tem cidadania americana e aparentemente está no país, a Justiça de lá tem a competência, se achar necessário, de julgá-lo mesmo se o crime foi cometido fora do território dele”, esclarece. Caso fosse condenado nos EUA, ele cumpriria pena lá.
Mesmo assim, Cidade não crê em impunidade. “Não vejo a possibilidade de ele ser julgado e cumprir pena fora do Brasil como algo negativo. Pelo contrário, o sistema carcerário americano funciona melhor do que o nosso. Também vale lembrar que ambos os países [Brasil e EUA] podem realizar um acordo de extradição para que ele cumpra a pena aqui”, diz o especialista em Direito Internacional.
Cidade ressalta que, se o foragido realmente for soldado do exército americano, o processo da execução da pena pode ser atrasado por causa da jurisdição militar.
Cicatrizes na família
A mãe da vítima diz não se importar sobre onde o foragido cumpriria a pena, desde que seja preso: “Muitos acham que eu quero vingança, não quero isso. Quero justiça. Perguntei a minha filha recentemente se ela perdoaria Lucas. Ela disse que não. Perguntei se ela guardava mágoa, ela também disse que não, mas falou que nunca se esquecerá do que aconteceu”.
A mulher narra que, ao ser questionada sobre a violência sofrida, a menina ficou com cabeça baixa até a última pergunta. “Eu a perguntei se ela ficaria feliz com a prisão dele. Nessa hora ela levantou a cabeça, olhou nos meus olhos e disse que sim”, reconhece a mãe. Hoje aos 11 anos, a menina diz que pretende se tornar policial.
Na opinião dela, o desejo da filha é uma tentativa, mesmo que inconsciente, de tentar fazer justiça e punir criminosos. “Ela mudou de personalidade depois de tudo o que aconteceu. Antes, era uma criança bem alegre e doce. Atualmente, é um pouco explosiva, dispersa e tem problemas para se concentrar na escola. Chegou a reprovar duas vezes”, relata a mãe.
O trauma deixou cicatrizes em toda a família. “Meu marido e ela ficaram bastante traumatizados com tudo e evitam falar sobre isso. Tudo que a gente quer é um ponto final nessa história. Depois desta última conversa que tivemos, ela me falou que nunca mais queria falar sobre o assunto. A única coisa que eu quero, agora, é dizer para ela que Lucas está preso. Assim, eu tenho certeza que tudo vai ficar para trás e a minha pequena voltará a sorrir. Vamos seguir em frente”, espera a mãe.
Rotina em solo americano
Nas redes sociais, Lucas usa o codinome de “Luke Skywalker”, ou “Luke Rollo”, e faz postagens normalmente desde 2017 sobre o seu cotidiano no Exército americano e vivência no país. Tudo, claro, sem dar muitos detalhes de sua real localização. No banco de dados público dos eleitores do estado da Flórida, consta que Lucas estaria vivendo na cidade de Lake Worth. A última publicação dele na Internet, um vídeo no Instagram, foi feita há uma semana, em 18 de julho. Nela, o foragido está escutando música dentro de um carro.
O gosto do rapaz por festas também pode ser facilmente notado. Várias de suas publicações são vídeos de diferentes eventos em que ele esteve presente. A maioria de música eletrônica. Ao que tudo indica, o foragido não enfrenta nenhuma barreira em virtude do crime cometido no DF. Enquanto a família da criança abusada tenta superar o trauma no Brasil, Lucas, aparentemente, continua livre no território americano.
Autoridades optam pelo silêncio
Procurado, o Ministério das Relações Exteriores não comentou o caso e sugeriu que a demanda fosse enviada ao Poder Judiciário. O Ministério da Justiça também não se manifestou sobre o assunto.