O investimento do Banco de Brasília (BRB) em uma empresa carioca tem causado muita dor de cabeça à instituição, que tenta evitar um prejuízo milionário. Mas reverter a perda de R$ 33,6 milhões em um negócio no qual há investigados na Operação Lava Jato e até mesmo o sobrenome do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, não está fácil.
O BRB, os acionistas e investidores sofreram, na última sexta-feira (27/7), a segunda derrota seguida no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). A Corte negou pedido do banco, que queria urgência na análise do caso.
A batalha judicial é contra a LSH Barra Empreendimentos Imobiliários S.A. Responsável pelo LSH Lifestyle Hotels, ex-Trump Hotel Rio, a empresa carioca criou, em 2012, o Fundo de Investimento em Participações (FIP) LSH a fim de viabilizar o projeto
A LSH foi ao mercado e lançou debêntures (títulos de dívida) junto a instituições financeiras para captar recursos destinados à construção do hotel na Barra da Tijuca, bairro nobre da capital fluminense.
A operação totalizou R$ 80 milhões em valores corrigidos, conforme noticiou a Coluna Radar, da Revista Veja. Desse total, 42% são do BRB (R$ 33,6 milhões). A instituição financeira adquiriu, administrou e custodiou o fundo por quase quatro anos, entre 2013 e 2017.
Segundo balanço publicado em março de 2018, o banco teve outra participação no negócio. A BRB-DTVM Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários S.A., coligada do BRB, fez um aporte de R$ 18,5 milhões no fundo criado pela empresa LSH. Esse valor, contudo, foi a título de investimento e não é cobrado na ação judicial movida pelo Banco de Brasília.
Os problemas começaram a aparecer com o desenrolar, nos últimos anos, de investigações da Polícia Federal que apontavam irregularidades na gestão da empresa carioca. A situação complicou-se a ponto de o hotel que ostentava a marca de Donald Trump precisar mudar de nome.
Ex-Trump
Devido a entraves contratuais e com a Polícia Federal no encalço de pessoas ligadas à LSH, o grupo norte-americano desfez a parceria. Em 2016, o Trump Hotel Rio passou a se chamar LSH Lifestyle Hotels.
A presença de nomes denunciados em ações da Lava Jato nos negócios da companhia ligaram o sinal de alerta. São eles: o empresário Arthur César de Menezes Soares Filho, conhecido como “Rei Arthur”, acusado de operar o esquema de compra de votos para que o Brasil sediasse os Jogos Olímpicos de 2016; o dono do grupo educacional Alub, Arthur Mario Pinheiro Machado; e Ricardo Siqueira Rodrigues, apontado pela Polícia Federal como o maior operador de fundos de pensão no país.
Derrota na Justiça
Se, por um lado, o BRB estendeu a mão para a LSH Barra, por outro, a empresa frustrou as expectativas do parceiro brasiliense na hora de pagar a fatura. Em dificuldade financeira, o empreendimento instalado no Rio de Janeiro não honrou parcelas de títulos emitidos mediante debêntures.
O caso foi parar no TJDFT por meio de ação anulatória. Sócio e administrador do fundo, o BRB pediu que fosse invalidada a assembleia na qual teve o direito de voto negado. Mas o juiz Luciano dos Santos Mendes, da 18ª Vara Cível, negou a solicitação, prevalecendo a vontade da ré, a LSH. Leia a sentença completa aqui.
Na ação, o banco pedia a anulação da assembleia ou que fossem considerados seus votos na mesma. A instituição brasiliense queria obter o vencimento antecipado de debêntures não pagas pela LSH, para depois executar a dívida. Essa operação, no entanto, só poderia ser feita em consulta e com a aprovação de pelo menos 51% da totalidade de debenturistas, mas isso não ocorreu.
A LSH, por sua vez, sustentou, tanto na conferência quanto na ação judicial, que o grupo BRB teria passado a agir, ao mesmo tempo, como administrador, acionista indireto e coordenador líder dos títulos de dívida, caracterizando conflito de interesses. Assim, conseguiu – via assembleia – o impedimento de voto do BRB.
O argumento foi aceito pelo juiz, sendo mantidos os acordos e decisões deliberados pelo conselho do fundo, inclusive a de destituir os brasilienses de sua administração. À época, após votação entre os sócios, ficou decidido que o fundo da LSH seria dirigido pela Orla Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários S.A.
Segundo o Ministério Público Federal (MPF) apontou, após áudios obtidos no âmbito da Operação Rizoma, a Orla foi indicada a Arthur Machado por Ricardo Rodrigues, ambos investigados na Lava Jato.
A segunda derrota veio na última sexta-feira (27), com novo pedido para participar da assembleia dos debenturistas ocorrida no mesmo dia. A juíza Fernanda Almeida Coelho de Bem, da 5ª Vara Cível de Brasília, negou o pleito do BRB. Ela fez valer a sentença inicial, proferida pela 18ª Vara Cível, para indeferir o pedido de urgência do banco na ação.
Troca de acusações
Entre junho de 2013 e maio de 2017, a BRB Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários S.A. (BRB DTVM) administrou o FIP LSH. No ano passado, viu-se obrigada a publicar fato relevante – a prática consiste na divulgação de acontecimentos que podem afetar o preço das ações ou influenciar a decisão dos acionistas de comprar, manter ou vender ativos.
Por meio de fato relevante lançado em 1º de junho, a BRB DTVM renunciou à prestação de serviços ao questionar a “ausência de melhores práticas de governança e gestão, transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa do fundo”.
Antes de comunicar o desejo de renúncia, a relação do BRB com a LSH já havia sofrido um abalo. No mesmo balanço financeiro em que trouxe o valor investido no fundo da LSH, o Banco de Brasília discorreu sobre problemas da parceira. Disse que ela registrava um patrimônio líquido de R$ 432 milhões, com base em laudo de avaliação de 2015, e um segundo laudo apontava o valor de R$ 391,6 milhões – verificando-se, assim, uma desvalorização do empreendimento.
Citou ainda que o fundo era investigado na Operação Greenfield, enquanto a LSH era alvo dessa mesma investida e também da Unfair Play.
A mensagem causou revolta na companhia carioca, e o troco veio em 11 de agosto, com novo fato relevante, então redigido pela Orla Distribuidora. O FIP LSH afirmou no documento que a saída da BRB DTVM não ocorreu pelos motivos citados em seu texto, e sim por “conflito de interesses” verificados na atuação de gestores do banco brasiliense. Para a empresa, a renúncia teve como objetivo barrar a destituição do posto, uma vez que haveria interesse de cotistas deliberarem a deposição.
Ainda segundo o fundo, a administradora praticou atos de gestão irregulares e contrários aos interesses dos acionistas. Eles também prometeram entrar na Justiça contra os ex-diretores Luis Guilherme Raposo Machado da Costa e Andréa Moreira Lopes, atual diretora de Recursos de Terceiros da BRB DTVM.
No mesmo fato relevante, o FIP LSH destacou: “Se as razões elencadas para a saída do BRB fossem verídicas, a instituição financeira estaria solidariamente responsável pelas mesmas”, inclusive por tê-lo administrado por quase quatro anos e ser encarregada de tomar todas as providências cabíveis.
Os ataques à instituição financeira da capital prosseguiram. Ao final do documento, a companhia carioca disse ter revertido um pedido de falência que teria sido causado, “única e exclusivamente, pela completa inércia da então diretoria do BRB”.
Condução no banco
Embora não tenham sido alvo do fato relevante publicado pelo FIP LSH, outros nomes trabalharam na BRB Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários no período quando ela administrou o fundo. Envolvido em investigações do MPF acerca de negociações da Odebrecht com o prédio comercial Praça Capital, Henrique Leite Domingues foi diretor de Administração de Recursos de Terceiros da BRB DTVM.
Em pelo menos duas oportunidades no ano de 2015 (março e setembro) e uma em agosto de 2016, ele visitou obras do fundo da LSH no Rio de Janeiro.
Andréa Moreira Lopes, atualmente diretora de Administração de Recursos de Terceiros da coligada, também viajou ao Rio de Janeiro em várias oportunidades, inclusive quando a relação com o fundo já estava abalada.
Nos bastidores, o nome de um ex-conselheiro do BRB aparece ligado às tratativas e operações financeiras entre a instituição e a LSH Barra Empreendimentos. Ricardo Leal, que foi arrecadador da campanha de Rodrigo Rollemberg (PSB) na corrida ao Palácio do Buriti em 2014, teria costurado os acordos com Arthur Soares e Ricardo Rodrigues para que o banco passasse a investir na LSH Barra e no fundo.
Leal é citado em delações do ex-vice-presidente da Caixa Fábio Cleto e também do operador financeiro Lúcio Funaro. Ele deixou o cargo no banco público em fevereiro de 2017, logo após surgirem rumores segundo os quais Funaro estaria disposto a contar tudo o que sabe sobre o personagem.
Especialistas criticam negócio
O economista e professor da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Piscitelli critica a operação do banco. Ele acredita que a tentativa de recebimento antecipado da dívida se deu pelo temor de calote somado à deterioração do empreendimento. Disse também que “as operações indicam uma gestão irresponsável ou imprópria dos recursos”.
Marcos Sarmento Melo, especialista em finanças, professor do Ibmec e diretor da Valorum Consultoria Empresarial, questiona a participação de funcionários do BRB na direção do banco e do fundo.
“Chama atenção o fato de uma pessoa ocupar papéis diferentes e conflitantes nessa operação, porque pode levar prejuízo a outros participantes. Por outro lado, o conselho do empreendimento, que é privado, tem o dever de cuidar e administrar seus integrantes”, disse.
Melo reforça que investimentos estão passíveis de não darem retorno, mas, nesse caso, a preocupação cresce por se tratar de um banco público. “Assistimos a uma queda na demanda de produtos imobiliários. Quais os efeitos que essas operações podem causar ao banco?”, questiona.
Apuros
Atores importantes nos negócios da LSH Barra e do FIP LSH, Arthur Machado e Ricardo Siqueira Rodrigues foram denunciados pelo MPF na Operação Rizoma, presos e depois colocados em liberdade. Machado também é alvo da Operação Pausare. Arthur Soares, o “Rei Arthur”, tem o nome ligado à Operação Unfair Play e está foragido.
Arthur Machado é apontado como chefe de uma organização criminosa com objetivo de lesar fundos de pensão. Outro enfoque do esquema seria obter proveitos financeiros de investimentos realizados nas empresas pertencentes ao seu grupo econômico ou com a devida participação.
Ricardo Siqueira Rodrigues, por sua vez, usava sua influência junto aos fundos de pensão para garantir a injeção de investimentos nas empresas por ele indicadas. Ainda segundo o MPF, Ricardo movimentou R$ 283 milhões em operações suspeitas entre 2009 e 2017, inclusive em contas da BRB DTVM, sem a devida autorização.
O outro lado
Procurado pela reportagem, o Banco de Brasília respondeu que a ação judicial não prejudica os interesses da BRB DTVM. Sobre as decisões do TJDFT, o banco informou que recorrerá, por se tratarem de definições em primeira instância. Os demais questionamentos, como a apuração do prejuízo e o interesse do BRB em investir no negócio de alto risco no Rio de Janeiro, não foram respondidos.
A reportagem também procurou a RJI Corretora de Valores, atual administradora do Fundo de Investimento em Participações LSH, sua gestora, Roma Asset Management Ltda., a Orla Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários S.A. e a LSH Lifestyle Hotels, mas não obteve retorno. Os demais citados não foram localizados para comentar o assunto.