Dezenas de autoridades e parlamentares investigados, denunciados ou réus em processos perderam o foro privilegiado após serem derrotados nas urnas. A lista de candidatos reprovados nas eleições 2018 e que podem ter ações investigadas e julgadas por instâncias inferiores reúne notáveis da política brasileira, como o ex-líder do governo no Senado, Romero Jucá (MDB-RR), o ex-governador do Paraná, Beto Richa (PSDB) e a ex-presidente cassada Dilma Rousseff (PT).
Entre 77 nomes envolvidos em investigações e que participaram do pleito, pelo menos 40 não receberam suficiente apoio popular. Casos do senador Benedito de Lira (PP-AL), governador Fernando Pimentel (PT-MG), candidato à presidência da República Geraldo Alckmin (PSDB-SP), senador Lindbergh Farias (PT-RJ), Eunício Oliveira (MDB-CE) e ex-governador Marconi Perillo (PSDB-GO).
Perder o chamado foro especial por prerrogativa de função não significa, porém, aceleramento ou morosidade das causas. Esse elevador processual, que deve ser intensificado após as eleições, preocupa especialistas.
“O traslado dos autos [dos processos] não é tão simples. Não sei se há preparo da magistratura para assumir todos esses casos. De um jeito um pouco generalista, se abrirá oportunidade para perseguições contra os réus. Abre-se essa margem, do julgamento político”, avalia o advogado Thiago Turbay, do escritório Boaventura Turbay.
Relatório da Fundação Getúlio Vargas (FGV) apontou que 95% das ações penais contra autoridades que tramitaram de 2007 a 2016 devem ser retiradas do STF, desafogando a última instância. No entanto, essa mudança pode não significar maior velocidade na análise delas na mais alta instância da Justiça brasileira. “As ações penais originárias estão longe de tomarem mais tempo do Supremo”, avaliou o especialista em direito constitucional e professor da Universidade de Brasília Paulo Henrique Blair.
Situação que preocupa Turbay. “Não acho que vá conceder celeridade. [O novo entendimento do STF] Foi uma tentativa de desafogar o tribunal dos processos originários dele, quase se livrando deles. Será complexo, pois cada região tem uma realidade jurisdicional. Vai depender do número de juízes, das estruturas dos fóruns. Tem lugar que não tem sequer juiz”, acrescenta.
Novo entendimento
Em maio, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu um novo entendimento sobre os casos. Por unanimidade, ficou decidido que a Corte ficará responsável por casos restritos a membros do Congresso investigados por crimes cometidos durante o mandato parlamentar e relacionados à atividade exercida. Em junho, a 1ª Turma do STF ampliou essa limitação a ministros do governo.
Os demais serão direcionados a juízos de primeira instância, exceto os quais as alegações finais já tenham sido apresentadas ao STF e a fase de instrução processual esteja finalizada. Anteriormente, após a diplomação por tribunais eleitorais, deputados federais e senadores investigados tinham casos penais remetidos à suprema corte.
Levantamento feito pelo Metrópoles em julho mostrou que, entre 169 inquéritos, ações penais e pedidos de investigação enviados à 1ª instância, 56 apuram variados tipos de crimes, sendo o mais comum o de peculato. A lista inclui também ilícitos como tortura, ameaça e lesão corporal.
É o tipo de delito, inclusive, fator determinante para o destino de cada litígio. Os de caixa 2, por exemplo, podem ir para a Justiça Eleitoral do estado de origem do investigado. Se a investigação apontar relação ou desvios de recursos da Petrobras, o caminho natural é a 13ª Vara Federal de Curitiba, liderada pelo juiz Sergio Moro.
Na mira
Atual presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE) foi derrotado na tentativa de reeleição para o cargo político e terá seu processo enviado para a 1ª instância. A Polícia Federal investiga o parlamentar a partir de delações de executivos e ex-executivos da Odebrecht. Eles citam o pagamento de propina da construtora em troca de aprovação de medida provisória em 2013, que tratou de incentivos tributários a produtores da indústria química. Apelidado de “Índio” nas planilhas da Odebrecht, Eunício é suspeito de ter recebido R$ 2 milhões em propina.
Romero Jucá (MDB-RR), por sua vez, não se reelegeu para o senado, perdendo a vaga para Mecias de Jesus (PRB)com uma diferença de 426 votos. Réu pelos crimes de corrupção passiva e lavagem dinheiro no Supremo Tribunal Federal, Jucá culpou, nesta quinta-feira (11/10), a imprensa, a Lava Jato e os venezuelanos pela derrota nas urnas.
“Não estarei na linha de frente porque não estarei no Senado. Perdi por 426 votos, numa eleição dura, maculada pela invasão dos venezuelanos, pelo corte de energia da Venezuela permanentemente durante a campanha. Então, foi uma campanha com uma conjuntura muito difícil, além dos ataques que sofri durante dois anos pela Lava Jato”, disse a jornalistas. “O que o Ministério Público com o (Rodrigo) Janot fizeram com os outros órgãos foi uma condenação da política, de véspera. Foi um linchamento sem julgamento”, acrescentou.
Por outro lado, estima-se que 55 mil autoridades no país têm foro privilegiado, sendo 38,5 mil na esfera federal e 16,5 mil na estadual. Condição estendida a parlamentares eleitos no início do mês. Entre eles, pelo menos cinco réus em processos no âmbito da Operação Lava Jato, como os deputados federais eleitos Aécio Neves (PSDB-MG), Vander Loubet (PT-MS), Arthur Lira (PP-AL), Eduardo da Fonte (PP-PE) e Mário Negromonte JR (PP-BA).
Aécio é investigado por corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução de Justiça. No domingo (7), ele recebeu 106.702 votos e terá seu processo mantido no STF. Entre os reeleitos também aparecem Ciro Nogueira (PP-PI), Jader Barbalho (MDB-PA) e Renan Calheiros (MDB-AL), todos denunciados pela Procuradoria-Geral da República por conta da Operação Lava-Jato, também conseguiram novos mandatos e foro no Supremo.