Enviada especial a Brumadinho (MG) — Uma tragédia anunciada. Assim José Geraldo Nunes descreveu o rompimento da barragem Mina Feijão, em Brumadinho, nessa sexta-feira (25/1), que deixou, até o momento, 34 mortos e centenas de desaparecidos. O agricultor de 55 anos é sobrevivente de uma das maiores catástrofes ambientais e humanas já registradas na história do país. Ao Metrópoles, o trabalhador relembrou cenas que jamais sairão da sua mente.
Na hora em que a lama rompeu a estrutura da bacia da Vale no município mineiro situado a 70 km de Belo Horizonte, o homem cuidava da horta familiar. Ele estava acompanhado de um amigo quando ouviu um forte barulho. “Pensei na hora que aquilo só poderia ser o rompimento da barragem. Era algo que todos temiam.”
Ciente do estrago que a lama poderia causar, José Geraldo correu em direção ao Rio Paraopeba e, em uma posição mais alta e segura, viu o mar de rejeitos destruir tudo o que conquistou ao longo de 40 anos. “A força da lama arrancava árvores e carregava casas como se elas fossem de papel”, contou.
Acostumado a banhar-se no espelho d’água há 40 décadas, o trabalhador não reconheceu o rio que corta a cidade: “Ganhou outra cor, está escuro. É triste”, lamenta. A correnteza, que sempre trouxe fartura de peixes, agora só oferece detritos minerais misturados ao barro. “Peixes mortos começaram a descer de manhã. Alguns colegas estão sem dormir com medo de os resíduos invadirem as casas”, relatou.
O relato de dor e tristeza de José Geraldo é apenas um entre milhares de trabalhadores e moradores da pacata cidadezinha mineira. A reportagem do Metrópoles esteve no epicentro do desastre e traz a dimensão da catástrofe na vida dos sobreviventes.
“Corpos irreconhecíveis”
Em busca de sobreviventes para amenizar a dor das famílias das vítimas, o vigilante Ueslei Jacson Almeida, 28 anos, passou parte do dia percorrendo as margens do rio para auxiliar voluntariamente as equipes de resgate. Em menos de oito horas de buscas, ele encontrou seis cadáveres e dois sobreviventes da tragédia de Brumadinho.
O segurança afirmou conhecer bem a região, pois já trabalhou na Vale. Segundo ele, o complexo montado para os funcionários era uma “armadilha”. “O restaurante ficava na parte inferior, como se fosse dentro de um buraco”, disse.
Veja o relato de Ueslei Jacson:
“Levou os sonhos”
Além de soterrar casas, a lama jogou por terra planos de pessoas que, agora, sequer têm onde morar. “Em questão de segundos, levou os sonhos e os nossos bens”, desabafou o líder comunitário do povoado Parque das Cachoeiras Adilson Charlys Ramos de Sousa, 49. Desde a tragédia, ele presta apoio às famílias desabrigadas.
Devido ao desastre que arrasou a vida da população local, alguns moradores tiveram de pedir abrigo em Belo Horizonte. Outros, contam com auxílio de vizinhos.
“Minha mãe está transtornada”
O assistente administrativo Wanderson Mendes, 34, viu a casa da mãe, Beatriz Alves, 58, ser engolida pelos rejeitos da mineradora. A residência, avaliada em R$ 400 mil, contava com quadra poliesportiva, piscina, criação de cavalos e aves.
Por sorte, no momento em que a barragem rompeu, o imóvel estava vazio. Beatriz estava viajando e o irmão mais novo de Wanderson trabalhava em um horta e conseguiu correr ao ouvir o estrondo.
“Quando vi a notícia na TV, reparei em um local que era para estar a casa da minha mãe. Tirei uma foto e enviei para ela. Hoje, nos reunimos e comprovamos que não sobrou nada. Conseguimos resgatar apenas um gato que ela criava”, disse.
Resgaste de animais
Além do mutirão de solidariedade formado para buscar sobreviventes e ajudar desabrigados, um grupo decidiu se juntar para socorrer os animais atingidos pela tragédia. A advogada Bárbara Peixoto, 30, partiu de Belo Horizonte rumo a Brumadinho com 10 amigos a fim de prestar assistências a cachorros, gatos e outros bichos feridos ou perdidos dos donos.
Os voluntários espalharam potes com água e ração nas ruas da região mineira.
Defensor critica empresa
A Defensoria Pública da União (DPU) foi até o povoado de Parque das Cachoeiras. O defensor público Antônio de Maia e Pádua explicou ao Metrópoles que a lista de desaparecidos divulgada pela Vale apresentava omissões.
“Percebemos que os nomes dos desaparecidos e dos mortos são apenas de funcionários e terceirizados. Sentimos falta da relação dos moradores. Apenas nessa rua que estamos, levantamos que 15 famílias foram afetadas”, destacou.
“Vamos pegar os dados dessas famílias, levantar os danos e atuar junto à Justiça. Nesse caso, cabe, no mínimo, uma indenização”, completou.
Força-tarefa
Um forte aparato militar foi montado para bloquear acesso a áreas de risco. A cidade, considerada pequena e pacata, virou palco de autoridades do governo, agências de fiscalização e jornalistas. Helicópteros sobrevoam a região em busca de sobreviventes durante todo o dia.
À tarde, funcionários do laboratório particular ALS começaram a colher amostras de água em diversos pontos do Rio Paraopeba. Cerca de 50 garrafas contendo 1 litro de água cada serão analisadas para medir a quantidade de poluição do local. A empresa foi contratada pela Vale.
PF abre inquérito
Em meio ao intenso trabalho de procura por sobreviventes e corpos, a Polícia Federal abriu inquérito para investigar as causas da ruptura da bacia. A corporação apura crimes ambientais e contra a vida. O objetivo é apontar a autoria dos responsáveis pelo desastre.
De acordo com a PF, serão realizados interrogatórios, buscas por documentos e diligências para apurar a materialidade da ruptura da bacia que resultou no desaparecimento de pelo menos 254 funcionários e terceirizados da Vale. Segundo os bombeiros, 46 foram localizadas vivas.
Ainda de acordo com o levantamento, 86 famílias da comunidade de Brumadinho estão cadastradas no banco de contatos do governo, em busca de parentes. A Justiça de Minas Gerais determinou o bloqueio de R$ 5 bilhões da empresa Vale, responsável por administrar a barragem
A Vale atualizou na manhã desse sábado (26) a lista de funcionários sem contato, no site da empresa. O número estava em 412. Além do documento, a mineradora disponibilizou um telefone para que as pessoas já fora de perigo possam ligar e pedir para ter o nome retirado da relação de desaparecidos: 0800 821 500.
Em paralelo, a Polícia Civil de Minas Gerais abriu inquérito a fim de investigar e identificar os autores dos danos contra as vítimas e contra o meio ambiente. O caso está sob a responsabilidade do delegado Luiz Otávio, da Delegacia de Meio Ambiente.
De acordo com o comandante do Corpo de Bombeiros, coronel Leão, as buscas por vítimas estão concentradas em quatro pontos: um ônibus de funcionários encontrado soterrado, uma locomotiva, um prédio e a comunidade Parque da Cachoeira.
O texto também diz que a ONU está à disposição para apoiar as ações das autoridades brasileiras na rápida remoção das vítimas e no estabelecimento de condições dignas à população atingida.