O congestionamento que o morador de Palhoça enfrenta quase todos os dias saiu das estradas para as vias judiciais. Uma ação civil pública questiona o atraso na entrega do Contorno Viário, uma das principais obras previstas na concessão do trecho catarinense da BR-101 Norte, vencida pela então OHL (atual Arteris Litoral Sul) em 2007. A rodovia que desvia o trânsito do perímetro urbano da Grande Florianópolis deveria ter sido concluída em 2012, mas segue em obras (que só começaram em 2014) após diversas polêmicas.
A mais recente polêmica ocorreu em 11 de fevereiro, quando o prefeito Camilo Martins (PSD) decretou situação de emergência na mobilidade urbana do município. No mesmo dia, o Executivo ajuizou ação na Justiça Federal contestando a demora na conclusão do complexo viário com a alegação de que a não entrega da obra foi decisiva para agravar o fluxo de veículos na cidade.
A solicitação da prefeitura de Palhoça tem como alvo a concessionária Arteris Litoral Sul e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), autarquia do governo federal que autoriza os reajustes da tarifa de pedágio e mudanças no cronograma de obras. Ambas tiveram que fazer uma justificativa prévia sobre o atraso do contorno na semana passada, após determinação da Justiça Federal, no primeiro passo do processo.
Após algumas alterações no projeto, o Contorno Viário será uma rodovia duplicada nos dois sentidos com 50 quilômetros de extensão. O início é no km 175 da BR-101, no limite entre Governador Celso Ramos e Biguaçu, e termina no km 220 da rodovia, próximo ao posto da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em Palhoça. Os veículos que não tiverem como destino a Grande Florianópolis podem desviar do trecho urbano.
Conforme a concessionária divulga há alguns anos, duas das três etapas do cronograma estão em obras, o que representa 34,4 dos 50 quilômetros – ou 68,8% da obra. Os trabalhos atuais incluem terraplenagem, implantação de geodrenos, desmonte e escavação de rochas, fabricação de vigas pré-moldadas e pavimentação. A exceção é o trecho Sul, entre a SC-281 e o km 220 da BR-101, onde as desapropriações ainda não foram concluídas.
R$ 0,30
É o valor que a Arteris Litoral Sul alega descontar da tarifa de pedágio pelo atraso na entrega do Contorno Viário.
A principal controvérsia sobre o adiamento do prazo de entrega do Contorno Viário foi a construção de um empreendimento residencial em Palhoça sobre a área que seria utilizada para a construção da rodovia. A informação foi divulgada pela prefeitura de Palhoça em março de 2012, um mês após o prazo inicial de entrega da rodovia e um ano após a definição da ANTT de qual seria o trajeto da via.
Esse empreendimento ainda é utilizado pela Arteris como uma das justificativas para a obra não ter sido concluída. A concessionária alega que a alteração exigiu a mudança do traçado para uma região com características ambientais e geológicas mais complexas, algo que tornou necessário incluir mais três túneis duplos no Contorno Viário e, consequentemente, atrasou os trabalhos.
Outro motivo que causou mudanças no projeto, de acordo com a Arteris, foram demandas vindas da sociedade. Essas alterações, somadas àquelas exigidas após a liberação do empreendimento, teriam impactado no cronograma de licenciamento, na elaboração do projeto, no andamento da obra e em questões mais burocráticas, como avaliação e aprovação por parte da ANTT.
Apesar dos sucessivos adiamentos, a concessionária destaca que está dedicada em cumprir o cronograma e entregar a obra até dezembro de 2021. O principal motivo para o otimismo é que toda a área já está devidamente licenciada e 96% das desapropriações estão concluídas.
- Depositar em juízo, até o término das obras do Contorno Viário, o dinheiro arrecadado com a cobrança do pedágio em Palhoça
- Proibir veículos pesados de circular na BR-101 durante os períodos de trânsito mais intenso, das 7h30min às 9h30min e das 17h às 20h
- Criar um site com informações atualizadas sobre contratos, aditivos da obra, prazos da obra e outras informações do Contorno Viário
- Indenizações de R$ 10 milhões pagas pela ANTT e Arteris “a título de danos morais e coletivos” para compensar o atraso da obra
- Retirar o radar em Palhoça da BR-101
- Liberar a terceira pista no sentido Sul-Norte
Expectativa é desviar até 20% do tráfego da BR-101
Inspetor da Polícia Rodoviária Federal, Luiz Graziano reflete uma opinião quase unânime:
O contorno é uma obra importantíssima, mas não dá para se iludir.
Apesar da BR-101 ainda ser a rota de cerca de 145 mil motoristas, Luiz Graziano considera que o Contorno Viário desviará grande parte dos caminhões e carretas que hoje passam pela Grande Florianópolis, responsáveis por cerca de 20% do fluxo.
Sem tantos veículos pesados, o trafego de automóveis pode fluir melhor na rodovia federal e, principalmente, no perímetro urbano de Palhoça.
O pesquisador e engenheiro Werner Kraus Junior, do Observatório de Mobilidade da UFSC, afirma que haverá melhora temporária no trânsito por causa do desvio de caminhões. Porém, considera que a região já tem fluxo de veículos suficiente para obstruir as duas faixas na BR-101, pois é um espaço que tende a ser ocupado novamente por automóveis.
Camilo Martins, prefeito de Palhoça, admite que o aumento das filas na BR-101 não é apenas consequência da não entrega do Contorno Viário, mas causado em grande parte pelo aumento de pessoas que procuram a Grande Florianópolis para morar.
Ele afirma que tem observado muitas pessoas vindo do Norte do Brasil, movimento de migração que ocorre pela vontade de morar na praia e por oportunidades de emprego oferecidas na região.
– Eu acho que houve uma falta de planejamento, não dá para negar. Mas não temos como controlar esse crescimento. O nosso governo foi o que mais abriu novas vias nos últimos 20 anos na cidade. Porém, muitas vezes passam despercebidas por causa dessa piora na mobilidade urbana – justifica o prefeito de Palhoça.
Enquanto o Contorno Viário não é concluído, a prefeitura de Palhoça e a PRF trabalham para tentar liberar mais uma faixa entre o km 210, em São José, e o km 202, em Biguaçu, no sentido Norte. A expectativa é que o acostamento receba mais uma camada de asfalto e seja sinalizado para que os veículos possam utilizá-la a partir de abril.
A ampliação da terceira faixa desde o km 215, em Palhoça, também está nos planos para este ano. Porém, o inspetor da PRF Luiz Graziano afirma que pode demorar mais tempo,
entre cinco e seis meses, porque depende do alargamento de duas pontes, o que exige mais investimento.
Outra ação nos planos da PRF é alterar o sistema de fiscalização da BR-101, retirando o radar com limitador de 80km/h em Palhoça. Luiz Graziano explica que o motorista freia próximo ao equipamento e diminui muito a velocidade, criando lentidão no fluxo de veículos. A ideia é colocar um radar fixo mais longe, antes do trecho onde começa a fila, para que os veículos mantenham ritmo constante.
– A gente não quer que ele ande muito rápido, mas também não quer que ande a 40km/h. Se mantiver uma velocidade de 70km/h a 80km/h, estará perfeito para nós – destaca o inspetor da PRF.
Além da terceira faixa e da retirada da lombada eletrônica, o prefeito de Palhoça defende o prolongamento de túneis, elevados e viadutos da via marginal no trecho entre Palhoça e Biguaçu. Camilo Martins argumenta que, sem necessidade de entrar na pista principal, haveria mais duas faixas no curto prazo para os veículos trafegarem.
Mesmo com a entrega do Contorno Viário e a conclusão de medidas paliativas para alargar as rodovias da Grande Florianópolis, o problema da mobilidade urbana deve ser resolvido apenas com investimento em transporte coletivo. Criar um corredor exclusivo de ônibus na terceira faixa da BR-101 para ligar Palhoça a Florianópolis foi ideia levantada tanto pelo prefeito Camilo Martins quanto pelo professor Werner Kraus Junior.
Há um projeto de integração do transporte coletivo da Grande Florianópolis que foi engavetado em 2018, mas que voltou a ser discutido pelo governador Carlos Moisés da Silva na semana passada. Como o Observatório de Mobilidade da UFSC participou da elaboração do planejamento, Werner Kraus Junior afirma que é possível concluir a licitação do novo sistema em um ano, se houver celeridade na tramitação da proposta.
– Temos que aproveitar o momento de ampliação da capacidade viária com a abertura de acostamento na BR-101 e a criação de uma terceira faixa na Via Expressa (BR-282). Se elas forem, de fato, usadas para o transporte público, logo podemos começar a implantar a solução. Estamos falando de algo que pode acontecer muito rapidamente, pois boa parte da infraestrutura já está disponível – destaca o professor e engenheiro.
Camilo Martins aguarda a definição do projeto de transporte integrado para saber se precisará licitar um sistema municipal.
Ele acredita que automaticamente haverá migração para os ônibus se houver uma faixa exclusiva, já que “ninguém quer ficar na fila”.
Além de ressaltar a importância de investir no transporte coletivo, Luiz Graziano também comenta que é necessário melhorar a estrutura viária para permitir que os veículos possam trafegar mais rápido e sem risco de acidentes. Ele defende que, se a BR-101 tivesse de três a quatro faixas e acostamento, com pistas exclusivas para ônibus, a situação da mobilidade seria bem diferente.
História dos atrasos do Contorno Viário
1999 - Contorno Viário é apresentado pelo Dnit (na época DNER) como forma de complementar a duplicação da BR-101 Norte.
2002 - Duplicação da BR-101 Norte é concluída.
2008 - OHL (Arteris) e ANTT assinam em fevereiro o contrato de concessão da rodovia, com previsão de entrega do Contorno Viário em 2012.
2011 - Concessionária apresenta projeto do Contorno Viário à ANTT, mas com 18 quilômetros a menos do que previa o Dnit. Após pressão popular, agência reguladora mantêm escolha por projeto original. MPF investiga os atrasos e ajuíza três ações públicas contra Autopista Litoral Sul e a ANTT.
2012 - Contorno deveria estar concluído em fevereiro. Em março, a prefeitura de Palhoça pede mudanças no traçado porque já havia permitido a construção de um condomínio residencial no local por onde passaria a rodovia. MPF alega aumento indevido da tarifa e ajuíza mais uma ação contra as rés.
2013 - Em março, ANTT apresenta nova versão do traçado e adia entrega para 2015. Prefeitos da Grande Florianópolis assinam documento pedindo a rescisão do contrato com a, na época, Autopista Litoral Sul. O MPF aponta que a ANTT estaria sendo conivente com os atrasos da concessionária e ajuíza mais duas ações contra as rés. No auge da crise, em junho, uma decisão inédita fecha o pedágio no km 220 em Palhoça.
2014 - Obras do Contorno começam no dia 28 de maio de 2014 e prazo de conclusão é postergado para 2017 com alegação de problemas para finalizar as desapropriações e licenciamentos. A nova praça de pedágio em Palhoça é reaberta um ano depois próxima à divisa com Paulo Lopes e cobrança da tarifa é retomada.
2016 - Ações do MPF que pedem redução tarifária por causa do atraso no Contorno Viário são consideradas improcedentes na Justiça. Sentença se repetiu ao longo das ações julgadas posteriormente.
2017 - Obras seguem em ritmo lento e prazo de entrega é adiado duas vezes: para 2019 e, depois, para 2020.
2018 - A partir de novembro, centenas de trabalhadores do Contorno Viário paralisam os trabalhos três vezes em 78 dias alegando problemas de remuneração, falta de benefícios trabalhistas e condições de trabalho. Prazo é adiado para 2021.
2019 - Concessionária rescinde o contrato com empreiteira e contrata outra empresa para retomar os trabalhos. Prazo é mantido para dezembro de 2021.