08/03/2019 às 08h34min - Atualizada em 08/03/2019 às 08h34min

MPF interdita igreja que tinha até 300 escravos

Uma força-tarefa integrada pelo Ministério Público Federal em Brasília deflagrou nesta quinta, 7, uma operação na Igreja Adventista Remanescente de Laodiceia por suspeita de suposta submissão de centenas de fiéis a condições análogas às de escravo. O grupo de investigadores também é integrado por auditores fiscais do trabalho, Ministério Público do Trabalho, Polícia Civil do Distrito Federal, o conselho tutelar do Gama e a Subsecretaria de políticas para crianças e adolescentes da Secretaria de Justiça e Cidadania do DF.

Segundo a Procuradoria da República no Distrito Federal, as ‘investigações que vêm sendo conduzidas pela 20ª Delegacia da Polícia Civil apontam que a líder da seita religiosa, Ana Vindoura Dias Luz, e alguns dos seus obreiros vêm, reiteradamente, cometendo atos em relação aos seus fiéis que podem se enquadrar na prática de trabalho escravo. Contabiliza-se que o total de vítimas alcance 200 a 300 pessoas’.

A pedido do Ministério Público Federal no Distrito Federal, o juiz federal Ricardo Leite expediu mandados de busca e apreensão em favor de agentes policiais que vêm conduzindo investigações sobre o caso.

No pedido enviado à Justiça, o Ministério Público Federal explica que ‘denúncias noticiando a prática de possíveis crimes na comunidade religiosa começaram a ser entregues a órgãos públicos ainda em 2016’.

“As investigações, no entanto, não avançavam por falta de provas, dado o temor das vítimas diante de represálias que Ana Vindoura poderia submetê-las. O caso tomou novos rumos quando, ao final de 2018, uma moradora da comunidade conseguiu ser libertada pela Polícia Civil do DF”

Os procuradores dão conta de que ‘com a prisão da líder e a divulgação do fato, outras pessoas sentiram-se encorajadas e passaram a denunciar as ilegalidades’.

“As apurações revelaram que a líder da seita e alguns de seus obreiros, sob a justificativa de garantir a entrada dos fiéis no reino dos céus e a salvação de suas almas, vêm obrigando as vítimas a trabalharem sem receber qualquer pagamento. Os relatos dão conta de que os fiéis trabalham vendendo pães e livros na cidade”.

“Diante dos fatos, bem como dada a emergência e a gravidade das condutas ali praticadas, o MPF solicitou autorização para que o mandado de busca e apreensão fosse cumprido pela Polícia Civil do DF – órgão que iniciou e aprofundou boa parte das investigações -, apesar da natureza federal conferida ao crime de trabalho escravo”, diz a Procuradoria.

“Após o envio do material colhido durante a diligência, será analisada a conexão dos crimes de competência da Justiça Comum Estadual com o crime de redução à condição análoga a de escravo”, esclarecem as autoridades responsáveis pelo caso.

A Procuradoria afirma que a operação ‘não teve o objetivo de interferir na crença de qualquer cidadão’. “No entanto, cabe ao Estado agir positivamente para que os trabalhadores tenham seus direitos fundamentais assegurados; assim como determina a legislação brasileira. O cerne das investigações está na garantia dos direitos sociais dos trabalhadores ali instalados”.

Os Auditores-fiscais do trabalho da Superintendência Regional do Trabalho no Distrito Federal (SRTb/DF), com apoio da Superintendência Regional do Trabalho em Minas Gerais (SRTb/MG) e da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (DETRAE), do Ministério da Economia, encontraram, pelo menos, 95 trabalhadores em condição degradante de trabalho e vida.

A Procuradoria dá conta de que a operação resultou na interdição dos alojamentos utilizados pelos fiéis. “Nesse contexto, os auditores verificaram a precariedade do local que comportava os dormitórios comunitários”.

“Alguns moradores dormiam em ônibus, ou caminhões mal adaptados, sujos e que expunham os indivíduos a questões básicas de segurança. Um dos alojamentos , por exemplo, ficava ao lado do espaço em que eram armazenados produtos agrotóxicos. Nesse local, a separação dos ambientes se dava por meio de uma parede improvisada de papelão, permitindo com que o cheiro dos pesticidas invadisse os dormitórios”, diz o MPF.

Os procuradores revelam que ‘os fiéis precisavam pagar R$10 por dia à liderança da igreja como contrapartida por morarem na comunidade’. “As roupas utilizadas pelos moradores também precisavam ser compradas lá dentro, assim como a comida consumida por todos”.

“Nesse sentido, foram encontradas inúmeras planilhas que registravam os gastos e os débitos de cada pessoa com a igreja. Os documentos comprobatórios foram apreendidos”, afirma a Procuradoria.

Segundo os auditores, ‘a área de confecção e costura tinha mobiliários inadequados, com cadeiras quebradas, sem encosto e iluminação precária’. “Por outro lado, o local onde eram produzidos os pães vendidos pelos fiéis precisou ser interditado. A medida foi aplicada porque verificaram-se irregularidades nas instalações elétricas do espaço e nos equipamentos utilizados pelos trabalhadores, expondo a riscos de incêndio no espaço”.

“Vale destacar a apuração de que eram produzidos 700 pães por dia, com a finalidade de vendê-los – na cidade ou internamente – e auferir verba para a comunidade religiosa”, ressalta a Procuradoria.

“Diferente daquilo afirmado pelos líderes da seita, os auditores verificaram o uso de agrotóxicos na produção local. Vale destacar que os trabalhadores manipulavam os produtos sem qualquer proteção individual ou treinamento sobre a aplicação dos agroquímicos. Já no momento da venda, as mercadorias eram apresentadas como de produção orgânica”, diz a Procuradoria.

Segundo o Ministério Público Federal, ‘a auditoria fiscal do trabalho lavrará autos de infração para todas as irregularidades de legislação trabalhista e de saúde e segurança no trabalho encontradas, bem como auto de infração específico de submissão de trabalhadores a condição análoga à de escravo’.

“Desta forma, os empregadores serão notificados a rescindir os contratos de trabalho, formalizar retroativamente os vínculos trabalhistas e a quitar as verbas salariais e rescisórias dos empregados. Como nesse caso será realizada rescisão indireta dos contratos de trabalho, determinada pelos auditores-fiscais do trabalho, os trabalhadores terão direito a receber três parcelas do benefício de seguro-desemprego especial de trabalhador resgatado”, afirma.

O Ministério Público do Trabalho diz que vai requerer ‘medidas judiciais que objetivem garantir o cumprimento efetivo dos direitos trabalhistas sonegados e a observância das normas de saúde e segurança do trabalho violadas’.


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