Desde que assumiu o governo federal, o presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), autorizou apenas uma vez o repasse de verbas de emendas parlamentares ao seu destino final. O dinheiro, previsto no Orçamento da União do ano anterior, é destinado ao Congresso Nacional para que seus deputados e senadores enviem às bases eleitorais espalhadas pelos municípios e estados brasileiros.
Mas, se essas verbas muitas vezes são usadas como uma moeda de troca entre Legislativo e Executivo, quando liberadas, costumam financiar obras e construções. Com orçamentos exíguos, muitas vezes elas funcionam como a única verba de investimento que prefeitos e governadores possuem para aplicar em infraestrutura. Ou mesmo para que os políticos consigam adquirir equipamentos para áreas como saúde e educação, entre outras.
té se acertar com o Legislativo – o que ainda não aconteceu – o governo Bolsonaro liberou a conta- gotas nos primeiros três meses de mandato repasses do dinheiro dessas emendas aos seus destinatários. Na prática, isso significa que diversas obras de recapeamento e construção de estações de tratamento de esgoto na capital de São Paulo e demais cidades do estado, por exemplo, ficaram paralisadas por falta de dinheiro.
Em Goiás, ao menos duas rodovias nacionais que ligam o Centro-Oeste a estados do Nordeste e Sul aguardam a liberação das emendas para serem continuadas. Em Rio Branco (Acre), a Casa de Cultura, no centro da cidade, também espera o restante do dinheiro do governo federal para ser finalizada. Enquanto isso, uma escola de ensino fundamental do interior do Rio Grande do Norte nem sequer saiu do papel.
“O não repasse das emendas não só paralisa as obras, como aumenta seu custo final. Além disso, obra parada é sinal de desemprego e ausência de desenvolvimento. O Brasil perde duas vezes: a primeira pela própria carência da obra, seja uma praça de convivência, uma escola ou um hospital; e a segunda pelo grande dano aos cofres públicos, o que torna tudo mais caro e mais moroso”, explicou Renatho Melo, consultor orçamentário e especialista em convênios públicos no Congresso.
Distrito Federal
No Distrito Federal também há obras paradas por falta de repasses de emendas da União. Dentre elas, levantadas pelo Metrópoles, está a liberação de R$ 80 milhões para o término da construção de centros de detenção provisória no Complexo Penitenciário da Papuda.
O montante está autorizado pela Caixa Econômica, responsável pelo convênio entre os poderes distrital e federal, desde outubro do ano passado, mas faltava uma última autorização da União. Agora, o Governo do Distrito Federal (GDF) garante ter resolvido todas as pendências que também acumulava e que irá reiniciar a obra no próximo dia 22. A expectativa de finalização é um ano.
Outro exemplo são as obras de melhoria de calçadas da Asa Sul (foto em destaque), contrato no valor total de R$ 1.410.670,65. O GDF chegou a iniciar o projeto, mas pediu um aumento no montante a ser liberado, via emendas, pelo Palácio do Planalto. O aditivo já foi autorizado. O restante da verba, no entanto, ainda não foi para os cofres do governo local. Falta a assinatura final do governo federal.
Questionado sobre os contratos com o governo distrital, o ministro da Casa Civil afirmou que apenas o GDF poderia falar sobre o assunto. A reportagem perguntou, ainda, sobre a demora nos repasses das emendas parlamentares aos estados e municípios. A pasta, no entanto, não respondeu.
Por todo o país
Haroldo Naves, vice-presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), explica que o contingenciamento de emendas parlamentares por parte do governo federal impacta diversas cidades do país, em especial as menores, com poucos recursos próprios. Segundo ele, há cerca de 10 mil obras paradas pelo Brasil, esperando o repasse de verbas.
“A dificuldade em conseguir esse dinheiro é um histórico de vários anos. Mas este governo retaliou um pouco mais. O Paulo Guedes [ministro da Economia] liberou uma parte há 15 dias e disse e que vai continuar liberando”, explica. Ainda de acordo com Naves, durante a Marcha dos Prefeitos, que aconteceu em Brasília nessa última semana, o governo Bolsonaro prometeu um calendário para os pagamentos de verbas.
O consultor de relações governamentais do Congresso Gabriel Borges avalia que o problema de calendário do governo Bolsonaro ocorreu devido às dificuldades de articulação e coordenação política de seus ministros.
“Não existiu uma estratégia. Eles diziam que não iam fazer ‘toma lá dá cá’, mas também não elaboraram uma outra proposta para fazer com que essa verba chegasse onde precisava chegar”, destacou.
Apenas no fim de março, Bolsonaro começou a liberar R$ 1 bilhão em emendas, como uma sinalização aos parlamentares, como parte da negociação da reforma da Previdência. O Planalto já identificou, porém, que há outros R$ 2 bilhões prontos para serem liberados. Nesta quinta (11/4), o presidente prometeu autorizar recursos de emendas parlamentares individuais para prefeituras que estavam impedidas de receber os repasses por causa de dívidas com a União.
Com essa demora em agir, o assunto acabou sendo pautado pelo Congresso Nacional. Só nessas duas últimas semanas, o Senado aprovou dois projetos sobre o assunto: a PEC do Orçamento Impositivo, que busca obrigar o governo federal a liberar a verba de emendas parlamentares de bancada para ações previstas no Orçamento; e a PEC 61/2015, que permite a transferência direta de recursos federais para estados e municípios, por meio de emendas individuais. As duas propostas ainda precisam ser aprovadas pela Câmara dos Deputados.