Enquanto esteve na vida pública, o pernambucano Marco Maciel – vice-presidente nos governos de Fernando Henrique Cardoso – notabilizou-se pela defesa da “equipotência” dos Poderes da República. O conceito preconiza pela igualdade de forças entre Executivo, Legislativo e Judiciário.
Nessa fórmula institucional, os três vértices da organização do Estado são independentes. A relação harmônica entre eles, presume-se, proporciona estabilidade política ao país.
Quando ocorre atrito na convivência entre os Poderes, o ambiente democrático sofre as consequências. Como efeito, Brasília se transforma em uma fábrica de crises. Essa situação perdura há alguns anos no Brasil e, nos últimos dias, ganhou novos elementos.
Partiram do Supremo Tribunal Federal (STF) os movimentos que, desde a segunda-feira (15/04/19), provocam fricção nas altas instâncias do Estado. A decisão de censurar os sites Crusoé e O Antagonista, tomada pelo ministro Alexandre Moraes, e executar mandados de busca contra pessoas que se manifestaram contra o tribunal interferiu no equilíbrio das instituições.
O despacho do magistrado faz parte do inquérito aberto pelo presidente do STF, Dias Toffoli, no dia 14 de março para apurar notícias falsas e ofensas ao STF. Inédita, a instauração do inquérito pelo Supremo – órgão encarregado de julgar os processos – teve reação contrária nos Três Poderes.
Em decorrência da repercussão negativa, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), determinou o retorno à pauta da proposta de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os tribunais superiores.
Rejeitada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e apelidada de “CPI da Lava Toga”, a iniciativa será levada a plenário para ser decidida pelo conjunto dos senadores. Pelo potencial de mexer no equilíbrio dos poderes, a simples possibilidade de criação da comissão encontra forte resistência no Judiciário.
A exemplo do que se passa com praticamente todas as pendengas nacionais, caso seja aprovada pelo Senado, a formação da CPI deve parar nos tribunais. Por colocar em confronto o Congresso e o STF, aumentará a fila dos assuntos que ajudam a desestabilizar a relação entre os poderes.
Nessa direção, os atos de Toffoli e Moraes bateram de frente com postura da procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Na mesma segunda-feira em que o ministro baixou a censura, ela determinou o arquivamento do inquérito aberto pelo presidente do Supremo. Apesar da interferência da procuradora-geral, Moraes prorrogou a apuração por mais 90 dias.
A atuação dos dois ministros do STF causou incômodo também no Executivo. No mesmo dia em que os sites foram censurados, o vice-presidente, general Hamilton Mourão, manifestou-se contrariamente à decisão. Sem meias palavras, ele disse que era censura.
Entre os militares, fortemente representados no governo, também causou incômodo o mandado de busca e apreensão executado na segunda-feira, por decisão de Moraes, na casa do general da reserva Paulo Chagas, candidato derrotado ao governo do Distrito Federal e aliado do presidente Jair Bolsonaro (PSL).
Marco Maciel faz falta
Enquanto esteve em atividade, Marco Maciel foi um especialista nas relações entre os Poderes. O estilo conciliador permitiu que ele tivesse papel de destaque em meio século de intensa atividade política. Em momentos de crise, ele atuava para acalmar os ânimos e ajudar a recolocar o país nos trilhos.
Presidente da Câmara e governador de Pernambuco durante a ditadura, teve papel de destaque no processo de redemocratização do Brasil. Foi um dos líderes da Frente Liberal, dissidência do PDS, partido de apoio aos militares, que deu origem ao PFL, partido depois renomeado para Democratas, o atual DEM.
No auge da carreira, foi vice de Fernando Henrique. Há alguns anos, ele encontra-se recolhido com a família para cuidar da saúde. Pelo que representou na política brasileira e pelo momento difícil do país, Marco Maciel faz muita falta.