A vida em sociedade só é possível em uma civilização através do emprego do que denominamos Pacto Social. É o meio pelo qual estabelecemos onde e como o Estado, a criação advinda de um conjunto de pessoas, ideias e território, irá se organizar sob todos os aspectos.
O documento pelo qual toda esta organização do Estado irá se estabelecer e se manter é a sua Constituição. Nela estarão contidos todos os meios formais de criação, de legitimidade e legitimação dos Poderes que regerão a vida dos cidadãos formadores desta sociedade, agora organizada.
Este preâmbulo tratou-se de uma pincelada para os leigos em direito perceberem o que é o Teatro Social, que nos obriga a uma série de comportamentos, obrigações e deveres que regem tudo à nossa volta, mesmo que não entendamos exatamente os seus verdadeiros e na maioria das vezes ocultos porquês.
Quando uma constituição é elaborada, deve atender e prever todas as situações, ainda que de forma genérica, pelas e para as quais o Poder estatal deve ser, ao mesmo tempo, firme e moderado, a fim de evitar de todas as maneiras o totalitarismo, a ditadura. Para tanto, o modelo escolhido pelo Brasil pós Imperial foi o de três Poderes, harmônicos e independentes, constituídos por Executivo, Legislativo e Judiciário.
Nossa Constituição, em seu artigo 1º, parágrafo único, traz a redação “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Pois bem, este mecanismo de Três Poderes traz em si, ou deveria trazer, o sistema de freios e contrapesos, visando o equilíbrio harmônico entre eles, evitando assim a tirania de algum deles.
As coisas, no Brasil, caminhavam mais ou menos bem neste sentido, até há poucos anos. Mais especificamente até a Lava Jato e o impeachment de Dilma Rousseff. Neste episódio de nossa história recente foi possível perceber a desastrada falta de percepção dos legisladores constituintes ao instituir o atual sistema de escolha dos ministros da Suprema Corte e dos limites de seu poder.
A partir daí, com as mais absurdas sentenças e decisões provenientes dos supremos ministros, muitas de notória ignorância ou má fé jurídica, porém, em ambos os casos, em completa dissonância aos mais básicos princípios do direito, vemos claramente que temos um dos poderes com a ausência absoluta dos freios. Em consequência, a inexistência de qualquer mecanismo que remeta à mínima ideia de contrapeso ou contraposição. E agora, José?
As recentes decisões da dupla Toffoli-Moraes, que nas redes sociais já são chamados de Debi & Lóide do Judiciário, trouxeram-nos a uma encruzilhada institucional. A pergunta que não quer calar é, até onde os brasileiros honestos que enxergam as trapalhadas desta dupla, ou de outros ministros, juntos ou sozinhos, que se descobriram com poder sem limites, irão suportar?
É em grande parte, gente deslumbrada, despreparada e com passado nebuloso, que, ao receber uma capa com super poderes, se sente no direito de chantagear, aterrorizar e silenciar um país, por conta de um pacto social mal redigido pelo constituinte.
Gente que se esquece que a idade média já passou e não mais cabe em lugar algum civilizado o direito de uma Corte ou qualquer de seus membros propor ação, investigar e julgar a quem quer que seja, por conta de um lapso constitucional. Teriam os constituintes previsto três décadas sem alternância real de poder, ao optar pela indicação do presidente da República?
O país está refém de gente que, investida de um poder que se mostra ilimitado, assedia moralmente a toda sua população. Sim, o nome do que ocorre hoje no Brasil é assédio moral estatal geral, e vem do Judiciário. Mais especificamente de sua Corte Suprema, cuja finalidade original e legal seria apenas a de examinar e julgar constitucionalidades, e que se tornou uma defensora de ilegalidades e de bandidos ricos e poderosos, inimiga da moralidade, e destruidora de sua Carta Magna onde lhe convém. Quem reagirá a isso?
Uma revista e sites censurados, e, ao ver a residência de um general do Exército brasileiro, cuja trajetória de vida é reconhecidamente reta e ilibada, ser invadida pela Polícia Federal, e ter os pertences eletrônicos deste recolhidos, por ordem de busca e apreensão, por um crime que sequer existe na lei penal, o de “injúria à pessoa jurídica”, vemos estarrecidos o começo do fim do estado democrático de direito, determinado justamente de onde deveria vir a defesa deste.
Ontem cerceou os direitos de uma dúzia de pessoas, amanhã poderá ser toda a população que se insurge contra estes abusos, ainda que só manifestando opinião ou indignação. É o caso mais grave de vilipêndio aos direitos civis de toda a população desde o AI-5, mas este em Estado de Exceção, justificável à época, por estarmos em guerra contra o terrorismo ativo de então, e que nos livrou do fantasma da ditadura do proletariado. Esta sempre sangrenta, destruidora e praticamente impossível de se reverter por vias democráticas. Em nada se justificam, na configuração política atual, medidas de cunho tão expressivamente totalitárias como estas recentes.
Até quando as garantias constitucionais atuais servirão para acobertar bandidos pelas vias tortas de interpretações canhotas de uma Corte cuja composição foge às regras mínimas de competência, honradez, razoabilidade e funcionalidade?
As perguntas finais deste texto todo são “quem irá propor e quem irá tratar de consertar esta falha grotesca de nossa legislação maior, e cortar as asinhas do poder que se perdeu no totalitarismo? Quem irá enfrentar aqueles que antes eram vistos como semi-deuses, agora não mais semi?
Lembremos do nosso Águia de Haia, Rui Barbosa, o maior advogado de nossa história. “A pior das ditaduras é a do Poder Judiciário, Contra ela não há a quem recorrer”.
Mas, lendo com mais atenção a CF88, há um último mecanismo de esperança. A Bala de Prata contra a dita ditadura é o artigo 142. Lembram do Jipe?