16/02/2017 às 07h23min - Atualizada em 16/02/2017 às 07h23min

Por que políticos querem o fim do sigilo sobre delações?

A ideia já vinha sendo apoiada por políticos de diversos partidos e deve ter boa recepção tanto no governo como na oposição

Uol

Diante da expectativa da revelação das delações de 77 funcionários e ex-funcionários da Odebrecht no âmbito da Operação Lava Jato, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) apresentou este mês um projeto de lei que, se aprovado, acabará com o sigilo sobre delações homologadas pela Justiça. A ideia já vinha sendo apoiada por políticos de diversos partidos e deve ter boa recepção tanto no governo como na oposição.

 

Para cientistas políticos e juristas, a medida sugerida por Jucá pode ajudar a conter os chamados vazamentos "seletivos", mas também tira das autoridades o trunfo do segredo sobre os procedimentos de investigação.

 

"Se o investigado não tem acesso [aos procedimentos], não sabe contra o que brigar", disse uma fonte da área do Direito que pediu anonimato. "O que está em jogo é o poder da informação. Quem tem acesso às delações tem o poder na mão."

 

A delação da Odebrecht é considerada a mais explosiva da Lava Jato até o momento. Segundo o que já vazou para a imprensa, foram mencionados os nomes do presidente Michel Temer (PMDB), dos ex-presidentes Dilma Rousseff (PT) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do ministro das Relações Exteriores, José Serra (PSDB), e do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), entre outros políticos.

 

A presidente do STF, Cármen Lúcia, homologou a delação no fim de janeiro, mas optou por manter o sigilo dos depoimentos.


"Sombra" sobre os políticos
Os vazamentos têm sido criticados tanto por membros de partidos da base do governo, como PMDB, PSDB e PP, como por integrantes do PT, na oposição. Em comum, as quatro legendas têm integrantes citados em delações da Lava Jato.

 

No início do mês, Jucá disse que a ideia do projeto não é colocar obstáculos à Lava Jato, mas dar transparência a investigações para "tirar essa sombra sobre a classe política". O senador é citado por delatores como beneficiário de propinas milionárias. Ele nega envolvimento em irregularidades.

 

"Quem tiver responsabilidade que responda, mas não dá para ficar a conta-gotas vazando informações e criando um clima de instabilidade que tem um reflexo muito grave na economia", afirmou.

 

Informação x vazamento
Para o cientista político Cláudio Couto, da FGV (Fundação Getúlio Vargas), a publicidade pode ser boa para evitar vazamentos seletivos, mas tira a eficácia do mecanismo da delação, já que investigados expõem o que sabem justamente por não terem conhecimento do que outros falaram.

 

"O interesse de dar publicidade ampla é minar o segredo na investigação", disse Couto.

 

O professor de Direito Penal André Mendes, da FGV Direito Rio, observou que o projeto de Jucá trata tanto de procedimentos de investigação, como inquéritos --em que a publicidade é exceção-- e de processos judiciais --que, por lei, devem ser sempre tornados públicos.

 

"Ele quer estender a regra de publicidade do processo judicial para o procedimento de investigação", afirmou.

 

Segundo o presidente do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), Cristiano Maronna, a proposta de Jucá "é interessante no sentido de que a publicidade é a regra, e o sigilo, a exceção."

 

"Apesar do sigilo, a gente sabe que existem vazamentos de forma sistemática", disse Maronna, que é doutor em Direito Penal pela USP (Universidade de São Paulo). "E dessa impunidade ninguém reclama, porque atinge pessoas investigadas. Mas violar sigilo é crime praticado pelo funcionário público."

 

Rafael Araújo, professor de ciência política da PUC-SP e da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo), disse que o sigilo pode ser importante para preservar "uma decisão técnica", sem espetáculos.

 

"Você tem situações em que se abrem sigilos, documentos, chama a mídia. O juiz Sérgio Moro tem usado isso como uma força de pressão social."

 

Este mês, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, da força-tarefa da Lava Jato, disse que o fim do sigilo não é o ideal para as investigações, porque possibilita a destruição de provas, mas mesmo assim considera que a abertura dos dados "é melhor para que toda a sociedade saiba o que foi citado".

 

Projeto anula prova vazada parcialmente
Segundo o projeto de lei de Jucá, fica vedado o sigilo sobre procedimentos de investigação e em processos judiciais que tenham como objeto crimes contra a administração pública, crimes de responsabilidade, infrações penais praticadas por agentes públicos e atos de improbidade administrativa.

 

Além disso, o texto prevê que, caso o sigilo seja violado --ou seja, se houver vazamento de informações-- o material deve ser tornado público "sob pena de nulidade absoluta".

 

De forma similar, um projeto de lei protocolado no ano passado pela atual líder do PT no Senado, Gleisi Hoffmann (PT-PR), diz que "o segredo de justiça será imediatamente revogado na hipótese de divulgação indevida, nos meios de comunicação" de trecho de inquérito, ação penal ou acordo de delação premiada.

 

O projeto de Jucá restringe a publicidade de procedimentos de investigações e de atos processuais apenas "por decisão fundamentada da autoridade competente quando o interesse social, o direito de imagem e a defesa da privacidade e da intimidade dos interessados o exigirem."

 

Jucá é citado nas delações de Cláudio Melo Filho, ex-executivo da Odebrecht, e de Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro. Melo Filho diz que Jucá recebeu R$ 22 milhões de propina em troca de apoio a propostas de interesse da empresa. Já Machado afirma ter repassado a Jucá R$ 20 milhões desviados da Transpetro. O senador nega ter cometido qualquer irregularidade.

 

Jucá também foi gravado por Machado falando sobre como o impeachment de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer à Presidência poderia "estancar a sangria" provocada pela Lava Jato. O senador negou que estivesse defendendo a paralisação da operação, mas sim "delimitar as responsabilidades".

 

Gleisi Hoffmann, por sua vez, é ré na Lava Jato por suspeita de ter recebido propina de R$ 1 milhão do esquema de corrupção para sua campanha ao Senado em 2010. O objetivo do repasse seria manter no cargo o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa. A senadora diz que não há provas de que recebeu o dinheiro. 


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