Dividida em 10 capítulos, a narrativa de corrupção detalhada por um dos donos da Gol Linhas Aéreas conta como se deu o processo de redução da alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) aplicada ao querosene de aviação no Distrito Federal. Segundo o delator, a negociação foi na base da propina.
O acerto, feito na época em que Filippelli dividia o comando do governo com o então chefe do Executivo, Agnelo Queiroz (PT), ocorreu na casa onde o emedebista morava, na churrasqueira à beira da piscina.
Teriam participado do encontro os correligionários e colegas da Câmara dos Deputados Henrique Eduardo Alves e Eduardo Cunha, ambos do MDB, quando o primeiro ocupava a presidência da Casa.
O operador financeiro Lúcio Funaro também entrou, segundo ele mesmo admitiu à Justiça, na partilha da propina, embora, naquele dia, não estivesse presente na reunião para discutir os detalhes sobre a negociata.
O anexo IV da delação de Henrique Constantino ainda cita como personagem vinculado ao episódio de corrupção no DF o secretário de Desenvolvimento Econômico no governo de Joaquim Roriz, Afrânio Roberto de Souza Filho, que, no termo de delação, é vinculado ao Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social do Setor Produtivo do DF (Idesp).
Em pelo menos outras duas investigações policiais que apuram a participação de Filippelli em denúncias de corrupção, Afrânio aparece como operador do ex-vice-governador. Ele é citado nas duas fases da Panatenaico. A primeira investiga desvios na construção do
Estádio Nacional Mané Garrincha. A segunda, no
BRT Sul.
No anexo IV da delação de Henrique Constantino, o empresário diz às autoridades que Filippelli assegurou aos seus interlocutores contar com o voto dos deputados distritais. Negociava-se ali a redução da alíquota de 25% para 12% do ICMS aplicado ao querosene da aviação. Para a mudança, no entanto, teria de haver a aprovação de projeto na Câmara Legislativa. De autoria do Poder Executivo, o texto foi aprovado em plenário no dia 12 de março de 2013. Todos os
18 distritais presentes votaram a favor da proposta. A renúncia tributária estimada em apenas três anos era de quase meio bilhão de reais.
Na última segunda-feira (13/05/2019), o juiz titular da 10ª Vara Federal, Vallisney de Oliveira , homologou os 10 anexos da delação de Henrique Constantino. Os nomes de vários figurões da política são citados pelo empresário, entre os quais o do ex-presidente Michel Temer, do ex-ministro Geddel Vieira Lima e o do atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Piracicabana Segundo a coluna apurou, no mesmo dia em que a turma do MDB negociava os termos para redução da alíquota do ICMS sobre o querosene de aviação, também teria fechado acordo sobre a concorrência para exploração de bacias de ônibus que teriam beneficiado a Piracicabana, pertencente à família Constantino.
Na época, a Piracicabana havia ganhado os melhores itinerários. Mas o GDF chegou a cogitar derrubar o processo com base em indícios de irregularidades. O suposto acordo entre Constantino e Filippelli, no entanto, teria evitado o prejuízo para a empresa de ônibus pertencente ao empresário.
A licitação das bacias de ônibus é alvo de questionamentos judiciais. De acordo com denúncia do Ministério Público, houve direcionamento do resultado. A acusação indicou ainda que a gestão do então governador Agnelo Queiroz havia contratado o advogado Sacha Reck como consultor jurídico da concorrência pública. Porém, simultaneamente, ele teria formulado as propostas das empresas vencedoras, pertencentes aos grupos Constantino e Gulin, com objetivo de favorecê-las.
Ocaso na política A ingerência Filippelli junto à maioria dos deputados na época em que ele era vice-governador sempre foi tema das rodas políticas na capital. Ele fazia pessoalmente a interlocução com os parlamentares em diferentes assuntos. Era, naquele período, o principal articulador entre Executivo e Legislativo.
Mesmo depois de deixar o governo local, Filippelli manteve, por um tempo, seu prestígio político. Foi acomodado como assessor especial do então presidente da República, Michel Temer, de quem era bem próximo.
Perdeu poder recentemente, depois das avarias sofridas em função das denúncias de participação em esquemas de corrupção. Chegou
a ser preso alguns dias no âmbito da Operação Panatenaico, em 2017.
O efeito político das investidas policiais sobre Filippelli foi sentido em outubro de 2018, quando o emedebista colocou seu nome à prova nas urnas. Na ocasião, reuniu apenas 26 mil votos ao concorrer para a Câmara dos Deputados. Embora tenha sido ele quem abriu as portas do MDB para a candidatura do governador Ibaneis Rocha ao GDF, recentemente, elas quase se cerraram, deixando Filippelli de fora.
Em um acerto que sublinhou a força do atual governador frente à investida de Filippelli em manter o MDB-DF sob seu controle, restou ao ex-dirigente aceitar a
vice-presidência biônica do partido. Sua nora Éricka Filippelli elegeu-se vice de Rafael Prudente, o nome de Ibaneis na disputa pelo comando da sigla.
Configurou-se aí o ocaso da carreira política do ex-todo poderoso vice-governador do DF, que, segundo indicam os movimentos do Ministério Público e da Justiça ainda devem trazer sérias consequências para Filippelli.
Outro lado Questionado pela coluna sobre a citação de seu nome no contexto da delação de Henrique Constantino, Filippelli disse o seguinte: “O senhor Constantino jamais foi recebido em audiência privada por mim. Só foi recebido por mim em um grupo com técnicos e demais empresários do sistema de transporte público de Brasília para tratar da transição do sistema”.
Sobre o suposto encontro relatado por Constantino, Filippelli disse que o delator “seguramente está delirando”.
A reportagem tentou contato com Afrânio Roberto de Souza Filho, mas ele não foi localizado.