“Cheguei a comprar um lote, em 2015, por R$ 40 mil. Quando comecei a levantar as paredes, um policial parou a viatura e me obrigou a sair. Por ele ser PM e como eu sabia que era terreno irregular, retirei os materiais e saí. Uma semana depois, soube que ele estava vendendo o terreno para outras pessoas”, contou a moradora que pediu para não ser identificada. A área fica no Condomínio das Acácias, no Sol Nascente.
O negócio é tão rentável que a reportagem encontrou um lote sendo ofertado por R$ 90 mil. “Os grileiros brigam feio por essas terras. Tem gente de toda espécie por trás. Há muito dinheiro envolvido e eles protegem as propriedades. É normal ver esses PMs fazendo ronda nos lotes. Quem mora aqui sabe exatamente quais terrenos são de PMs. Eles sempre passam nos mesmos locais no fim da tarde”, relatou outra moradora. “Ou seja, entra polícia no Sol Nascente sim, mas não nos sentimos seguros porque eles estão protegendo o que é deles, não a gente”, reclamou.
A suposta participação de policiais militares no parcelamento irregular do solo na cidade, considerada uma das maiores favelas da América Latina, foi revelada pelo Metrópoles. Em 2017, uma reportagem especial mostrou que o medo e a grilagem dominavam o Sol Nascente.
As construções irregulares estão por toda parte. Os grileiros fazem aterramentos, degradam a natureza e parcelam lotes. Cada unidade pequena, de até 200 metros quadrados, é vendida por um preço médio de R$ 30 mil.
A comercialização é fácil e rápida. Muitas vezes, a dívida é quitada em apenas uma parcela ou paga com a entrega de carros ou imóveis em outras regiões do DF. Os anúncios são feitos por meio de faixas e em sites de venda na internet.
Um dos policiais militares presos é tio da primeira-dama Michelle Bolsonaro. Acusado de participar de uma milícia responsável pelo esquema, o primeiro-sargento João Batista Firmo Ferreira é irmão de Maria Aparecida Firmo Ferreira, mãe de Michelle, esposa do presidente da República Jair Bolsonaro (PSL).
A denúncia do MPDFT a qual o Metrópoles teve acesso descreve que Firmo, assim como outros investigados, “negocia lotes de ‘beco’ [áreas destinadas originalmente para passagens de pedestres] esbulhados na cidade de Ceilândia e outros terrenos de áreas públicas ‘griladas’”.
Um dos diálogos, conforme a denúncia, confirma o modo de agir da organização criminosa, que se valia de violência para expulsar pessoas dos lotes de interesse.
Em uma das conversas grampeadas, de 31 de julho de 2015, o primeiro-sargento comenta “que tem um vagabundo querendo invadir a chácara de novo”. “João narra que falou para o cara ligar pra ele cedo, porque ele vai ‘arruma’ (sic) uns pistoleiros. João diz que já mobilizou ‘uns polícias’ (sic) lá para ajudá-lo”, transcreve um trecho da denúncia.