O empresário Henrique Domingues Neto narrou com detalhes o suposto esquema de propina na captação de recursos para o Fundo de Investimento Imobiliário (FII) SIA Corporate, administrado pelo Banco de Brasília (BRB), relacionado ao centro comercial Praça Capital. Em delação homologada na última quarta-feira (12/06/2019), a qual o Metrópoles obteve acesso com exclusividade, ele disse que a Brasal pagou as vantagens indevidas em dinheiro na sede da empresa, no Setor de Indústria a Abastecimento (SIA), Trecho 2. A colaboração premiada narra fatos investigados pela Operação Circus Maximus.
A Brasal e a Odebrecht, responsáveis pelo empreendimento, repartiam meio a meio as propinas para viabilizar investimentos, de acordo com Neto. O colaborador relatou ter intermediado aportes dos Fundos BRB Mais e BRB Corporativo para o FII SIA nos valores de R$ 13 milhões, em fevereiro de 2014; e de R$ 4,7 milhões, em janeiro de 2015. Os investimentos teriam gerado propinas de R$ 560 mil – dos quais embolsou R$ 400 mil e repassou R$ 160 mil – e de R$ 240 mil, que lhe rendeu R$ 30 mil.
Do total das vantagens indevidas, Neto afirmou ter recebido metade na sede da Brasal. Assim como o empresário, um dos diretores da empresa citados pelo delator como entregadores da propina, Dilton Castro Barbosa, foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) após a deflagração da Circus Maximus, em 29 de janeiro de 2019, por corrupção ativa, desvios de instituições financeiras e outros crimes.
As partes financeiras que cabiam à Odebrecht, segundo Neto, foram entregues em seu escritório por um intermediário. O arrecadador de campanha do ex-governador Rodrigo Rollemberg (PSB), Ricardo Leal, apontado pelas investigações como líder da organização criminosa, teria ficado com R$ 210 mil do aporte de 2015 e Neto com os R$ 30 mil restantes.
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“Eu entreguei os valores pessoalmente no escritório de Ricardo Leal, sede da empresa Nutriz [no Setor de Rádio e Televisão Sul]”, assinalou o empresário. Sobre o primeiro pagamento, de 2014, Neto explica que Leal não recebeu parte da vantagem indevida porque a movimentação ocorreu no ano anterior ao mandato de Rollemberg, de forma que Leal “ainda não estava comandando extraoficialmente o BRB”.
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Neto detalhou que a BRB Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários (BRB/DTVM) – onde Henrique Leite Rodrigues, filho dele, era diretor – foi contratada em 2013 pela Brasal e Odebrecht para estruturar o FII SIA Corporate, cujo objetivo era investir na aquisição de uma das torres do empreendimento Praça Capital. O fundo compraria o imóvel, avaliado em aproximadamente R$ 140 milhões.
O delator descreveu que Marco Siqueira, executivo da Odebrecht, esteve em Brasília e, em conversa com Henrique Leite Domingues, ofereceu vantagem indevida sobre o valor que seria captado para o fundo.
Embora tenha assinalado não se recordar do percentual, Neto afirmou ter considerado “bem abaixo do praticado”, motivo pelo qual procurou um conhecido para intervir junto a outro executivo da empresa. O objetivo era aumentar a propina, que teria chegado a 4,5%.
Com o acordo, segundo Neto, começaram as captações em Regime Próprio de Previdência Social (RPPSs), Fundos BRB Mais e BRB Corporativo. O empresário afirmou que, na maioria das vezes, as vantagens indevidas eram repartidas meio a meio: para as empresas e para ele, que distribuía a outros destinatários em espécie. O delator confirmou a captação total de R$ 965 milhões.
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Na delação, Neto contou que desde 2000 mantinha relação comercial com o BRB, mas só em 2013 estreitou os laços, a partir do ingresso do filho Henrique Leite como diretor da BRB/DTVM. O empresário disse que a escolha do então governador Agnelo Queiroz (PT) para o cargo se deu “exclusivamente em virtude das aptidões técnicas”.
Neto ajudou a captar clientes para os fundo da BRB/DTVM sob justificativa de trabalhar com mercado de capitais há muitos anos, ter expertise no assunto e conhecer pessoas do ramo. Ele é sócio e gerente da corretora BI Asset Management (BIAM DTVM).
Por outro lado, Henrique Leite, segundo as investigações, exercia a função primordial na autorização dos investimentos requeridos pelas empresas, na qualidade de diretor de Gestão de Terceiros da BRB/DTVM, com decisiva atuação em prol do Fundo SIA Corporate e LSH Hotéis. Ao mesmo tempo, atendia a pedidos do pai e ordens de Ricardo Leal.
Os acordos de colaboração premiada foram homologados pelo juiz titular da 10ª Vara Federal de Brasília, Vallisney de Souza Oliveira, na última quarta-feira (12/06/2019). Henrique Neto e Henrique Leite chegaram a ser presos. O filho foi solto e o pai está em regime domiciliar.
Segundo os termos da colaboração premiada homologada pela Justiça, Henrique Domingues Neto terá que pagar R$ 9,2 milhões; e o filho, R$ 8 milhões. Eles também se submeteram à condenação de penas máximas de 16 e 14 anos de prisão, respectivamente.
Acusados pelo MPF dos crimes de manter organização criminosa, corrupção passiva, gerir fraudulentamente instituição financeira, desviar recursos e lavar dinheiro, Henrique Neto e Henrique Leite poderiam pegar 53 anos de prisão se levadas em conta as punições máximas previstas para os delitos.
Advogada dos Henriques, Tathiana de Carvalho Costa detalhou ao Metrópoles os motivos que levaram os alvos da Circus Maximus a procurarem o escritório a fim de fazerem a colaboração. “O pai, que tem uma condição frágil de saúde, e o filho, por razões de foro íntimo, foram ao escritório decididos a formar os acordos.”
O advogado da Brasal, Marcelo Bessa, informou que a defesa “aguarda com serenidade o posicionamento do Poder Judiciário, reiterando que a empresa não cometeu qualquer ilícito e que confia plenamente em seus executivos”. Já o Banco de Brasília tem reiterado que “apoia e coopera integralmente com todos os órgãos competentes que conduzem as investigações”.
Defensor de Ricardo Leal, Rafael Carneiro afirmou que não irá se manifestar sobre o conteúdo das delações. A reportagem não conseguiu contato com a Odebrecht nem com os advogados de Dilton Castro Barbosa. O espaço segue aberto para eventuais manifestações.
A Operação Circus Maximus foi deflagrada em 29 de janeiro de 2019, mirando a cúpula do banco da gestão de Rodrigo Rollemberg. A ação apura irregularidades praticadas no BRB envolvendo fundos de investimentos, com a atuação de agentes públicos, empresários e agentes financeiros autônomos.
O ex-presidente do BRB Vasco Cunha Gonçalves, Ricardo Leal e mais 15 pessoas foram denunciadas à Justiça Federal. Os réus responderão por crimes contra o sistema financeiro, corrupção, lavagem de dinheiro, gestão temerária, entre outros.
As investigações apontam para prejuízos de, aproximadamente, R$ 348 milhões ao BRB, participantes de fundos de pensão e Regime Próprio de Previdência Social, poupadores e ao sistema financeiro nacional. O suposto grupo criminoso teria movimentado R$ 40 milhões em propina.