De janeiro deste ano até o último dia de julho, ou seja, em apenas seis meses, o Senado Federal desembolsou exatos R$ 1,07 milhão para arcar com despesas médicas de ex-senadores e seus cônjuges. Na verdade, esse montante foi depositado na conta dos ex-parlamentares como reembolso em caso de consultas médicas e odontológicas fora da rede de hospitais e clínicas credenciados ao plano de saúde oferecido pela Casa.
O Senado permite, por meio de diversos atos, assinados por diferentes presidentes que comandaram a Casa durante todos esses anos, que senadores, ex-senadores e seus familiares se consultem ou façam exames com os médicos mais caros e conceituados do país. Basta que eles paguem a conta e, depois, peçam que a Câmara Alta banque a despesa via reembolso.
Assim, os parlamentares, ex-parlamentares e seus parentes podem escolher onde querem ser atendidos e não precisam, necessariamente, se consultar nos locais credenciados ao Sistema Integrado de Saúde (SIS),plano vinculado à Caixa Econômica Federal, que o Senado também banca.
Dados obtidos pelo Metrópoles mostram ainda que, no primeiro semestre de 2019, outros R$ 300 mil foram despendidos pelo Senado com “ressarcimento de despesas” – nome oficial do reembolso médico/odontológico – para senadores que possuam mandatos válidos. Enquanto isso, no mesmo período do ano passado, ex-senadores e seus cônjuges receberam R$ 710 mil via reembolso e parlamentares e seus familiares, cerca de R$ 400 mil.
A maioria dos depósitos de ressarcimento de saúde constam ainda na Transparência do site do Senado, mas de forma isolada e não especificada. A reportagem entrou em contato com a comunicação da Casa e questionou os valores pagos aos parlamentares e ex-senadores como reembolso, no entanto, até a publicação dessa reportagem, a Câmara Alta não havia respondido a nenhuma das perguntas.
Entenda
Desde 1995, decisões da Comissão Diretora da Casa vêm autorizando certas regalias na área de saúde a senadores e ex-senadores, assim como a seus familiares. No entanto, só em 2012 o colegiado aprovou uma alteração na legislação interna da Casa que instituiu o plano à parte para eles. A mudança na regulamentação permitiu, então, que “a assistência à saúde na modalidade de livre escolha” valesse “também nas situações não caracterizadas como urgência”.
Ou seja, de 2012 para cá, os senadores, ex-senadores e seus familiares podem escolher o médico/dentista com quem desejam se consultar ou o local para fazer os exames. Caso o profissional não seja credenciado ao plano de saúde do Senado, basta pagar o valor do próprio bolso e depois solicitar à Casa o ressarcimento do dinheiro.
Nos demais planos de saúde, essa reparação financeira costuma acontecer apenas quando os clientes precisam de atendimento de emergência e não há um local credenciado por perto. Além disso, o valor reembolsado a eles equivale à quantia que a operadora pagaria ao médico ou ao hospital.
Por exemplo, de acordo com a Associação Médica Brasileira (AMB), os planos pagam, em média, R$ 60 por consulta simples, assim como reembolsam essa cifra aos seus beneficiários que se consultaram com um médico não credenciado.
Mas, em 2014, o Ato da Comissão Diretora nº 17 determinou uma quantia bem maior em caso de reembolso. O artigo 2º, inciso IV, parágrafo 1º diz: “O ressarcimento fica limitado a 20 vezes o valor da tabela adotada pelo Sistema Integrado de Saúde e a 15 vezes o valor da tabela adotada para os demais procedimentos”.
Assim, os beneficiários desse plano de saúde podem, por exemplo, se consultar com um médico que cobre até 20 vezes o valor da tabela – de cerca de R$ 60 – e ter o dinheiro total de volta, ou seja, até R$ 1,2 mil.
Com isso, parlamentares, ex-senadores e seus dependentes conseguem se consultar com médicos que atendem nos hospitais mais caros do Brasil, como o Albert Einstein ou Sírio-Libanês, em São Paulo. As duas unidades de saúde aceitam o plano do Senado para a realização de exames, no entanto, as consultas precisam ser particulares – os médicos cobram em média R$ 1 mil.
Os políticos e suas famílias realizam consultas com os profissionais desses locais, pagam o valor cobrado, e, depois, são reembolsados pelo Senado. De acordo com a Agência Nacional de Saúde (ANS), o ressarcimento precisa ocorrer em, no máximo, 30 dias após a entrega dos comprovantes dos gastos pelos clientes à operadora de saúde.
A Ata nº 3, de 2003 e ainda em vigor, prevê também que, “em casos excepcionais de notória necessidade”, o valor a ser ressarcido pelo Senado pode ser ainda maior.
Ex-senadores e cônjuges
O mesmo documento de 2003, porém, determina o valor máximo que o Senado pode bancar com os reembolsos dos ex-parlamentares e seus cônjuges. “Fica estabelecido o limite anual de 84.508 CHs, referente às despesas médicas, hospitalares, psicológicas e odontológicas”, traz a ata. A sigla significa Coeficiente de Honorários e uma unidade equivale a R$ 0,39. Assim, o limite anual seria de R$ 32.958,12.
O montante pode aumentar, porém, se houver “notória necessidade” e for aprovado pela Comissão Diretora. Como o Metrópoles já mostrou, para ser considerado um ex-senador e ter direito ao plano de saúde vitalício para si e um companheiro ou companheira, um político precisa ter exercido apenas 180 dias de mandato, ou seja, 6 meses,