O delegado Rafael Sampaio, presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Judiciária (ADPJ), que representa mais de oito mil delegados no país, atribui ao projeto aprovado “muita subjetividade” e alega que a lei vai aumentar a insegurança jurídica dos policiais civis, além de prejudicar o trabalho da imprensa. “O texto traz elementos altamente subjetivos e incertos. Vai gerar um prejuízo imenso também à imprensa e à sociedade, que vai deixar de reconhecer um criminoso”, explica Sampaio.
Para o policial, a divulgação de imagens e a cobertura da imprensa em casos polêmicos, que são de interesse público, podem perder detalhes. Sampaio explica, como exemplo, casos de estupro, em que, por “estratégia e necessidade da polícia”, divulgam a foto do suspeito para que outras vítimas possam reconhecê-lo ou que a sociedade ajude a denunciá-lo, quando estiver foragido. A pena para o agente que cometer a prática é de seis meses a dois anos de reclusão, além de multa.
“Muitas vezes, quando há a denúncia, mas não tem material biológico, divulgamos a foto do suspeito para ajudar no reconhecimento dele. Vai tirar nosso ímpeto em tentar solucionar alguns casos”, justifica. Apesar de criticar pontos da lei, Sampaio reconhece a necessidade de aprimorá-la. Mas chama a atenção para a necessidade de se implementar novos mecanismos de atuação por parte do treinamento policial. “Tem que haver, então, um novo protocolo a ser seguido pelos policiais. Porque o projeto gera, naturalmente, uma omissão defensiva”, destaca.
O advogado Willer Tomaz, do escritório Willer Tomaz Advogados Associados, avalia, contudo, que a prática de divulgação da imagem sem controle viola o direito individual do preso. Isso porque, se o suspeito for eventualmente inocentado, já terá sido exposto à sociedade, com danos que podem ser muitas vezes irreversíveis. “Ele tem o direito de se preservar. A partir do momento que é detido, ele está sob tutela do Estado. Muda o modo como é apresentado à mídia, mas não prejudica o trabalho da polícia”, explicou.
Para Tomaz, o abuso de autoridade é uma realidade na administração pública, que não deve “se escudar” na função de agentes de segurança pública, juízes ou membros do Ministério Público. “Não existe irresponsabilidade perante à Constituição, cabendo a todo agente público, seja qual for, um agir conforme o interesse público”, acrescentou.
Mudar a cobertura
Assim como o advogado, o relator do projeto, deputado Ricardo Barros (PP-PR), destaca que em nada interfere no trabalho do policial. No entanto, admite que pode mudar o modo como a imprensa atua nas coberturas dos crimes. “Não pode expor o preso ao ridículo. Se alguém for preso e, depois de cinco anos, é dado como inocente?”, completou. O relator, contudo, alega que esse não é o objetivo da lei, mas “o texto como está escrito pode ser interpretado dessa forma se houver algum tipo de exposição do preso”.
Entretanto, explicou que o caso de divulgação de imagens de procurados não deve ser enquadrado no dispositivo. “Se a pessoa está foragida, é um outro tipo de operação. Não é expor o preso. Não acredito que seja esse o problema da lei, que busca preservar a integridade da pessoa. A pena para quem cometeu eventualmente algum crime é cadeia, não execração pública”, pontuou. O parlamentar disse ainda que o único ponto do projeto que pode ser vetado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL) deve ser o trecho sobre o uso de algemas. Se houver outros, “podem cair”, afirmou.
A ADPJ vai divulgar, nos próximos dias, uma nota técnica em repúdio ao projeto de lei aprovado. Para tentar articular vetos à matéria, integrantes da segurança pública e do Judiciário pretendem buscar, conjuntamente, um encontro com Bolsonaro para solicitar, “de forma técnica”, uma reflexão sob o texto, para definir o que deve ser vetado ou mantido. “A ideia é ter essa conversa até o fim da semana que vem”, disse Sampaio.
Uso de algemas
Outro ponto criticado pela categoria é o artigo 17, que prevê abuso de autoridade ao uso de algemas ou qualquer outro objeto que restrinja os movimentos dos membros do preso, internado ou apreendido, quando não houver resistência à prisão, ameaça de fuga ou risco à integridade física dele, da autoridade ou de terceiro. No entanto, há uma forte tendência por parte do presidente da República, Jair Bolsonaro, de vetar o trecho.
Isso porque, em 2008, a Corte aprovou uma súmula que prevê o uso de algemas “em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.
Segundo o projeto de lei, a pena para a prática é de detenção de seis meses a dois anos, e multa. Se o episódio ocorrer com internados menores de 18 anos ou se a presa, internada ou apreendida estiver grávida no momento da prisão ou se o fato ocorrer em penitenciária, a pena é aplicada em dobro. Ou seja, pode variar de um a quatro anos.
O que o texto prevê
O plenário da Câmara dos Deputados aprovou na noite desta quarta-feira (14/08/2019) o projeto de lei 7596/17, do Senado Federal, que define os crimes de abuso de autoridade cometidos por servidores públicos e membros dos três poderes da República, do Ministério Público, dos tribunais e conselhos de Contas e das Forças Armadas. Agora, haverá a análise de destaques.
De acordo com a proposta, os crimes de abuso de autoridade serão configurados quando as condutas tiverem finalidade específica de prejudicar outra pessoa ou beneficiar a si mesmo ou a terceiros ou “por mero capricho ou satisfação pessoal”.