19/08/2019 às 05h50min - Atualizada em 19/08/2019 às 05h50min

Não me perturbe. Como vencer de vez a guerra contra as insuportáveis ligações de telemarketing

10, 20, 30 ligações por dia em uma semana "tranquila". Chamadas às 8h da manhã de um sábado: "Por favor, gostaria de falar com o Fulano". "Quem é Fulano? Não tem ninguém com esse nome".

Bancos oferecendo empréstimos, operadoras vendendo planos imperdíveis, imobiliárias avisando sobre uma nova oportunidade. Toca o celular, você atende: ninguém do outro lado da linha. Toca o telefone, você atende: "Aqui é o Moacyr Franco". Toca de novo, um número desconhecido. Pode ser uma emergência, um convite importante, um amigo antigo. Mas não, é o Michel Teló.

 

Sim, é um pesadelo.

 

O bombardeio de ligações de telemarketing é desrespeitoso, ilegal e está fora de controle. Estamos em guerra. E só agora o governo resolveu se tornar nosso aliado. Então, pegue suas armas e prepare-se para vencer definitivamente o inimigo.

 

 

 

Passo 1: use o que tem em mãos

Recentemente, um caso chamou a atenção. Uma ex-cliente da Claro ganhou indenização de R$ 40 mil por danos morais, depois de a empresa ligar 23 vezes para o seu celular, mesmo após ela ter cancelado o plano. Ninguém merece. Mas, para evitar situações assim, comece pelo básico: bloqueie o número.

 

Sua arma: o próprio celular

Muitos modelos já possuem nativamente sistemas de bloqueio de chamadas. O problema é que você precisa cadastrar número por número. Veja como fazer:

 

  • Entre no app de Telefone e clique para ver as ligações recebidas (no iPhone, vá em "Recentes")

     

  • Ache o número que deseja bloquear e selecione o contato (ou clique em "i")

     

  • Escolha o recurso para bloquear a pessoa que está ligando (isso pode variar conforme o modelo do celular. Ex: "Bloquear este chamador" ou "Bloquear/desbloquear número").

     

Bônus : existem também apps para podem fazer esse bloqueio. Os mais avançados conseguem identificar quem está ligando, mesmo que o número seja desconhecido. Isso evita que você precise atender para descobrir do que se trata. Mas, cuidado antes de baixar um app. Só use aplicativos que estão nas lojas oficiais e pesquise a reputação do programa, porque já houve casos de apps assim que usavam seus dados sem autorização ou transmitiam vírus. Uma boa pedida é o Hiya, disponível para iOS e Android.

 

 

 

Passo 2: recorra ao direito do consumidor

Imagine que no passo anterior os consumidores colocaram as suas armaduras. Agora eles chegaram no front e precisam lutar. Para isso, use umas das armas mais eficientes nessa batalha: o bloqueio dos órgãos de defesa do consumidor, que são os mais abrangentes e englobam empresas de todos os ramos de atividade econômica.

 

Sua arma: um cadastro abrangente

O problema é que cada estado tem seu próprio Procon. Verifique se o que atende a sua região possui sistema de bloqueio de chamadas de telemarketing. Se sim, entre no site e cadastre seu número de telefone. Isso faz com que as empresas sejam acionadas e tenham até 30 dias para parar de ligar.

 

O de São Paulo, que foi precursor, faz o bloqueio desde 2009 e desde então já recebeu mais de 2 milhões de pedidos. Para registrar, preencha o formulário de "Bloqueio de Recebimento de Ligações de Telemarketing". Você pode cadastrar até cinco telefones na primeira etapa, e depois completar com mais números usando login e senha.

 

Atualmente, as empresas Vivo, Net e TIM lideram o ranking de ligações indesejadas feito pelo Procon-SP. Até abril, a fundação aplicou multas por reincidência que somam R$ 12.869.863,42.

 

Direto ao ponto:

 

  • CEDFESGOMAMSMGPBPRRNRSSC e SP
  • AC, AL (site fora do ar), AP, AM, BA, MT, PA, PE, PI, RJ, RO, RR, SE e TO não têm

 

 

Passo 3: apele aos superiores

Se recorrer ao Procon não é viável para você, apele às instâncias superiores. A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) é o órgão responsável por regular os serviços prestados pelas operadoras no Brasil todo, que (coincidência?) são as que mais dão de cabeça.

 

Sua arma: apoio do governo

Em 2019, a Anatel finalmente lançou seu próprio sistema de bloqueio de telemarketing : o " Não me perturbe " (www.naomeperturbe.com.br).

 

Trata-se de um sistema único de cadastro, gratuito, contra ligações indesejadas de Algar, Claro/Net, Nextel, Oi, Sercomtel, Sky, Tim e Vivo. A iniciativa, a primeira no nível nacional, mira as empresas de telefonia, TV por assinatura e internet.

 

Você cadastra seu número no site e elas têm até 1 mês para nunca mais incomodar --ligações de cobrança ou relacionadas a questões de ordem técnica continuam sendo permitidas. Caso contrário, correm o risco de serem multadas em até R$ 50 milhões.

 

Em menos de 24h, a nova plataforma recebeu mais de 620 mil pedidos de usuários que não desejavam mais ser perturbados. Vale dizer: quem já se cadastrou no Procon não consegue inserir o telefone no sistema da Anatel.

 

Não é a solução definitiva para o fim do telemarketing abusivo, já que só oito empresas são atingidas, mas é um duro golpe contra seu adversário.

 

 

 

 

 

Passo 4: atire para todos os lados

Já que muitas empresas não têm limites, há quem tome atitudes extremas ou inusitadas.

 

Sua arma: ouvidoria e apps

O desenvolvedor de sistemas Gustavo Porto decidiu usar seus conhecimentos técnicos para se vingar da empresa de telemarketing que o atormentava. Para isso, criou um robô que ligava sem parar de volta para a companhia. O caos gerado na empresa foi tamanho que ela pediu que as ligações cessassem. E, claro, tirou finalmente o número de Porto do sistema. O bot depois virou app para Android.

 

Tá, certo. Não precisa tanto. A empresária Gabriella Gonçalves, por exemplo, apelou para a ouvidoria quando se sentiu desrespeitada por um atendente de telemarketing que, durante uma ligação, a chamou de "exaltada". Foi, então, ouvida.

 

Recorrer à ouvidoria de empresas como bancos e operadoras pode ser uma solução eficaz, porque normalmente toda manifestação que chega até eles precisa ser analisada até o fim. E os dados costumam ser computados e analisados depois.

 

 

 

Passo 5: cartada final

Se você chegou ao passo 4 e perdeu as estribeiras, é hora de recorrer à Justiça. Faça os cadastros nos sistemas acima e aguarde o prazo padrão para o bloqueio de ligações. Se mesmo assim elas persistirem, é hora de dar o golpe final.

 

Sua arma: um processo

Comece organizando as provas desse telemarketing abusivo.

 

  • Atenda algumas das chamadas para identificar quais são as empresas que perturbam a sua paz;
  • Anote o nome da empresa, o dia e a hora em que o contato foi feito e peça detalhes do motivo da ligação;
  • Guarde o nome do profissional que fez a ligação;
  • Grave todo o atendimento (veja alguns aplicativos para celular que podem ajudar ).
  • Registre o volume de ligações em um print da tela do celular ( veja como fazer isso ).

Formalize também a reclamação no Procon da sua região ou na Anatel (conforme o lugar onde você já cadastrou o seu número para não receber mais ligações). Isso pode ser feito nos próprios sites das entidades. A Anatel pode ser procurada pelo telefone 1331.

 

Procure então um juizado de pequenas causas para que uma investigação seja aberta. Se o valor da causa for inferior a 20 salários-mínimos, não é necessário um advogado. No entanto, se o desejar, contate um profissional de confiança para que ele dê as devidas orientações de como você deve encaminhar o processo judicial.

 

"A abusividade nas ligações de telemarketing é presumida, porque contraria a vontade do consumidor manifestada expressamente no ato de seu cadastramento", explica o advogado Murilo Sechieri, professor de direito do consumidor no Damásio Educacional. Segundo ele, o juiz poderá determinar que a empresa apresente as gravações das ligações.

 

 

 

 

 

A lei impõe certos limites

  • Ligação + atendimento humano

    São as que já estamos bem acostumados. Um profissional liga em nome da empresa para oferecer serviços, promoções ou fazer cobranças.

     

  • Robocall

    Programado para fazer ligações em grande escala, o sistema também faz o atendimento e usa uma gravação inteligente para interagir com o usuário. Em geral, servem para validar dados e informações. Ex.: confirma se Maria é responsável pela linha telefônica e se mora no endereço cadastrado. Se reconhece que Maria existe, oferece serviços personalizados para ela.

     

  • Robô + humano + IA

    O sistema dispara várias ligações para potenciais clientes. Os primeiros números que atendem são direcionados para o atendimento humano. Isso é muito usado porque as empresas conseguem fazer mais ligações por minuto, reduzindo seus custos e aumentando as chances dos contatos serem mais eficientes.

     

  • Os robôs são os mais usados, pois enquanto um humano gasta até 60 segundos para fazer uma ligação, o robô leva em média 5 segundos. Ou seja, consegue fazer até 12 chamadas em 60 segundos

     

  • João Carlos Lopes Fernandes, professor do curso de engenharia de computação do Instituto Mauá de Tecnologia

     

 

 

Isso explica a ligação muda

A automatização dos sistemas de telemarketing agiliza o serviço, mas o mau uso da tecnologia é o grande culpado por você atender o telefone e encontrar o silêncio do outro lado da linha.

 

Se um robô de atendimento faz 12 ligações por minuto, ele transfere simultaneamente 12 ligações para os operadores humanos --mesmo quando os profissionais estão ocupados. Ele continua disparando ligações, porque assim foi configurado. Sem nenhum atendente livre, advinha o que acontece?

 

Em outros casos, explica Fernando Di Gianni, mestre em ciência da computação e professor de tecnologia da Fatec, os robôs são programados apenas para descobrir se tem alguém em casa. Uma vez que você atendeu, ele derruba a ligação e atualiza o banco de dados com essa informação. "Dependendo da programação do robô e da sofisticação do sistema ou se há um sistema de inteligência artificial, ele pode até identificar algumas características da pessoa que atendeu a ligação", conta.

 

Para o Sintelmark (sindicato das empresas especializadas nas relações com clientes), o uso dos robôs economiza tempo e aumenta a assertividade no atendimento. Só que empresas pouco profissionais usam a tecnologia de forma errada ou inadequada, o que a entidade condena.

 

 

 

É preciso inverter o jogo

Falta uma lei federal específica para determinar regras e punições para quem perturbar os brasileiros. Só assim, dizem os especialistas ouvidos pela reportagem, as empresas saberiam que quem vai pagar o pato são elas.

 

Pela Constituição Federal, reforça Diogo Moyses, coordenador de telecomunicações do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), os celulares e telefones fixos não podem ter a privacidade violada. O correto seria ninguém receber telefonemas até que autorize explicitamente o uso do seu número. Como não é isso que acontece, falta uma regulação direcionada.

 

"A iniciativa da Anatel é boa? Certamente. Mas ela não funciona para os consumidores mais vulneráveis, que não têm acesso à informação", ressalta ele. "Ter uma lista de bloqueio pode ser insuficiente."

 

Por isso, o Idec defende que exista uma lei que cobre esse consentimento e inverta o jogo: não é o consumidor que precisa pedir para parar, é a empresa que precisa de uma autorização clara, específica e transparente antes de ligar.


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