A sentença dá provimento à ação de oposição do Ministério Público Federal (MPF) contra o entendimento de mérito em 1ª instância, pois a União havia aberto mão de intervir na ação de usucapião impetrada pela empresa Fornecedora de Areia Bela Vista em face da herança do suposto antigo proprietário das glebas, José Cândido de Souza.
A desistência havia sido baseada em informações da Gerência Regional do Patrimônio da União no Distrito Federal (GRPU/DF), que alegou não haver registro em nome do governo federal em relação à Fazenda Paranoazinho. O MPF, contudo, entendeu que os documentos apresentados não comprovam a natureza privada das terras.
No acórdão do TRF1, o relator do processo, desembargador João Batista Moreira, destaca que a decisão de 1ª instância que caracterizava a terra como privada, pertencente a José Cândido de Souza, está “baseada em falsa premissa, razão pela qual a sentença merece ser anulada”. Veja:
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Em maio deste ano, a Urbanizadora Paranoazinho entrou com embargos de declaração a fim de tentar anular o entendimento do colegiado do TRF1. No entanto, em 28 de junho deste ano, o procurador regional da República Felício Pontes Jr. deu parecer contra o recurso. “O Ministério Público Federal pugna pelo não conhecimento dos embargos de declaração, e no mérito, por sua rejeição”, afirmou o procurador no documento.
Para o Ministério Público Federal (MPF), houve “apossamento, por particulares, de terras públicas”.
Mesmo ciente de que as terras são públicas, a Urbanizadora Paranoazinho continuou a venda dos lotes e já recebeu parcelas de alguns moradores. O preço médio dos terrenos varia entre R$ 60 mil e R$ 120 mil, dependendo das dimensões. Com esses valores, a empresa espera arrecadar R$ 300 milhões.
O argumento da urbanizadora para defender o caráter privado das terras é o de que a área foi estabelecida como propriedade particular na Constituição de 1891, após polêmicas a respeito da demarcação de terras no Planalto Central. Para o MPF, todavia, os quinhões não se encaixam em nenhuma das resoluções dos decretos-lei da época, não havendo registro imobiliário que comprove o início da cadeia dominial do referido imóvel, configurando, portanto, o domínio da União sobre as terras.
A grande maioria dos moradores do Grande Colorado mostra-se insatisfeita e indignada com o processo conduzido pela UP. Alega ter caído numa grande armadilha. Dizem que estão sendo obrigados a pagar de novo pelos lotes, segundo regras publicadas em edital. A operação tem, inclusive, aval do GDF. O governo participou diretamente de uma espécie de conciliação, além de disponibilizar linha de crédito do Banco de Brasília (BRB) para financiar em até 100% a dívida dos residentes da localidade.
A assessoria de comunicação da Urbanizadora Paranoazinho informou que não se pronunciaria.
Hoje, vivem nessas terras do Grande Colorado, que equivalem a duas vezes o tamanho do Guará, 30 mil moradores distribuídos por 54 condomínios. Na maioria das negociações, os lotes foram adquiridos entre as décadas de 1980 e 1990.
O edital questionado por moradores tem como base mediação conduzida pelo Governo do Distrito Federal (GDF), iniciada em janeiro e que teria sido concluída em uma reunião em 31 de maio de 2019.
A indefinição sobre o direito à propriedade inicia-se muito antes da construção de Brasília. Em 1937, a morte de José Cândido de Souza, dono de uma fazenda de 15 mil hectares até então no ermo Cerrado goiano, foi registrada. A propriedade, batizada de Paranoazinho, passa a integrar o espólio do empresário paulista, que teve 11 filhos e dezenas de netos. O inventário chegou a ter 60 beneficiários.
Enquanto a complicada descendência de José Cândido era definida nos cartórios e tribunais de São Paulo, a nova capital do país foi erguida ao lado da antiga propriedade rural. Outro a vislumbrar a possibilidade de ganhar dinheiro com o local foi Tarcísio Márcio Alonso, que já havia sido preso em 2001 por grilagem na região onde se situa a Fazenda Paranoazinho. Tarcísio era o proprietário de parte dos direitos hereditários da Fazenda Paranoazinho.
O esquema de venda de lotes na área correu frouxo até Tarcísio ser denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF), em 1998. O grileiro foi condenado a 3 anos de reclusão em regime semiaberto e ao pagamento de multa de 1,8 mil salários mínimos por ter iniciado, sem autorização, a construção de um dos condomínios no Grande Colorado: o Jardim América. A Justiça também entendeu que ele escondeu dos compradores a situação irregular do espaço.
Após a condenação, Tarcísio deixou a capital do país e mudou-se para São Paulo, onde também é investigado por venda irregular de terras. Mesmo longe, ele não deixou de lado os negócios em Brasília. A empresa Companhia de Negócios teria mapeado a área e identificado três oportunidades de negócio que poderiam gerar R$ 12 bilhões de lucro.
Eram elas: a regularização dos condomínios já instalados, os valores a serem recebidos pela desapropriação de terrenos feita pelo governo na área – rodovias e um terreno utilizado pela Companhia de Abastecimento de Água do Distrito Federal (Caesb) –, e a chamada Área da Cobra (espaços vazios em que hoje está prevista a construção da Cidade Urbitá).
Confira os mapas:
Em 14 de julho de 2006, a empresa encaminhou para Tarcísio a proposta de parceria a fim de gerir e explorar comercialmente todos os quinhões da antiga Fazenda Paranoazinho (confira o documento abaixo). O negócio atraiu outros empresários, como José Celso Gontijo e o ex-bilionário com expertise no mercado financeiro Rafael Birmann. Era o início da Urbanizadora Paranoazinho, atualmente detentora oficial das terras.
No esquema abaixo, anexado em uma troca de e-mails entre Rafael e Tarcísio, os empresários esboçaram, em uma folha, como o negócio seria dividido. Veja:
Com o fim do inventário, o grupo, então, comprou os direitos dos herdeiros de José Cândido. As terras atribuídas a Tarcísio, as mesmas adquiridas décadas antes pelos moradores dos condomínios na região do Grande Colorado, foram negociadas por R$ 60 milhões.
Em 2013, a Urbanizadora Paranoazinho conseguiu registrar, no cartório do 7º Ofício, a área de 1,5 mil hectares. Começou, assim, o processo de negociação de 54 condomínios irregulares na região.