Quarta-feira, 24/12/25

Sobreviventes de tragédias climáticas no RS comemoram primeiro Natal em casas novas

Sobreviventes de tragédias climáticas no RS comemoram primeiro Natal em casas novas
Sobreviventes de tragédias climáticas no RS comemoram primeiro Natal em – Reprodução

A funcionária pública Susiane Koepsel, 50, ainda está se acostumando em não ser a anfitriã do Natal da família. A sala e o pátio da casa nova são pequenos, e não há enfeites de Papai Noel ou guirlandas na porta.

Ela morou por quase 40 anos no bairro Navegantes, em São Sebastião do Caí (RS), e lá mantinha a tradição familiar de decorar uma pequena árvore natural —uma araucária, pinheiro típico do sul do Brasil.

“Todo começo de ano, o meu pai plantava um pinheirinho novo. Depois, no final do ano, estava lá aquele pinheirinho.”

Hoje, sua única decoração natalina está em um saco de pinhões guardado em uma fruteira. Ela os deixou úmidos por alguns dias, e vários já estão brotando. O plano de Susiane é plantar ao menos três pinheiros no condomínio para manter a tradição.

As sementes vieram do terreno onde ficava sua casa antiga, que ficou quatro metros debaixo d’água e desmoronou na enchente histórica do rio Caí em maio de 2024. De pé, sobraram apenas as paredes do banheiro do filho.

Susiane ficou um mês morando com uma amiga e nove meses em uma casa alugada e, em março deste ano, assinou a compra de uma unidade em um condomínio de 27 casas no loteamento popular, em uma área mais alta da cidade.

Ela foi uma das primeiras pessoas da cidade a ser beneficiada pelo programa de Compra Assistida do governo federal, que permitiu que pessoas que perderam o lar na tragédia climática recebessem R$ 200 mil para adquirir uma casa própria.

Desde que se mudou, junto com seus dois cachorros, Feio e Malvadeza, Susiane conseguiu intermediar a vinda do filho, de uma filha e de vizinhos antigos. “É bom de morar aqui. É confortável, é seguro. A gente tenta descobrir quem está vendendo para direcionar.”

Ainda assim, diz que sofre com a diferença em relação à vida em comunidade no bairro Navegantes, próxima ao verde nativo e a moradores que se conhecem há gerações.

Todo dia 25 de dezembro, o almoço da família se tornava uma grande confraternização entre amigos, e Susiane passava a semana em planejamento: deixar a piscina limpa, bastante gelo na geladeira, colocar a churrasqueira no pátio sob a sombra, colocar a caixa de som, proibir os convidados de incomodarem as galinhas.

“Olha, era uma gandaia. A festa de Natal na minha casa nunca terminou antes da meia-noite no dia 25”, conta. “Era a Grande Família: eles botam música alta e é uma gritalhada para falar. E é o que eu gosto.”

Hoje, o que sobrou da casa é uma pilha de madeiras, telhas e tijolos coberta por plantas trepadeiras.
Neste Natal, a celebração tradicional da família será na casa da irmã, que não comporta muita gente.

Além disso, a comunidade do bairro Navegantes está cada vez menor e mais separada em diferentes bairros e cidades da região. Antes da tragédia de 2024, os moradores se recuperavam de uma enchente destruidora em novembro de 2023.

“Se eu tivesse condições, pegava os meus e botava todos aqui, para manter perto de mim. Porque uma vez por semana eu vou lá [no bairro]. Sou ligada, minha alma pede. Nem que seja para ficar uma hora.”

A pensionista Dione Johann de Azevedo, 71, chegou no condomínio há poucas semanas por indicação de Susiane. “Eu já me acostumei com a casa, já fiz amizade com as vizinhas. Sou fácil pra fazer amizade”, conta.

A casa em que morava com a filha Amanda está de pé, mas inabitável e abandonada desde maio de 2024. Desde então, estavam em um apartamento em área próxima ao rio. “É horrível, só quem passa sabe o que é. A gente compra as coisas com sacrifício. A gente tinha tudo. Tudo simples, mas tudo bonitinho”, conta.

Dione deve passar o Natal na casa da outra filha, Milena, mas conta que, até o momento, ninguém falou nada sobre quem vai levar o quê para a ceia.

Nos últimos tempos, estavam todos focados nas mudanças e gastos de reconstrução. Agora, o olhar de Dione é sobre o presente que vai receber em março, com a chegada do neto Theo. “Está vindo com bastante saúde. Eu tô muito ansiosa para ver ele”, diz. “Vai nos ajudar. É uma vida, é uma criança, e criança é alegria. Muda muito.”

A costureira Marlene Fuhr, 81, queria se mudar antes do Natal para a casa nova que está construindo no bairro Vila Rica em São Sebastião do Caí, mas atrasos na entrega de portas e materiais adiaram o fim da obra. Ainda assim, já colocou uma guirlanda na porta.

Marlene morou por quase 60 anos no mesmo lugar, na localidade de Matiel, zona rural de Harmonia, até a enchente de maio de 2024 ultrapassar o forro da casa.

Desde então, mora com a filha na casa de uma irm㠗a mesma onde sua família passava os natais quando ela era criança. “Quando casei, em 1963, eu saí dessa casa, e agora estou há um ano e meio na mesma casa onde eu nasci”, conta.

Ela lembra dos natais com a família reunida ao redor de um pinheiro natural, muito grande e espinhento.

“Todas as noites a gente acendia velas e cantava músicas”, recorda. Algumas ela lembra da letra, como “Stille Nacht”, a versão em alemão de “Noite Feliz”; outras, só da melodia, que cantarola para relembrar.

“Um dia quase queimou a árvore de tanta vela que a gente acendeu. Foi uma confusão até apagar tudo.”

Na véspera de Natal, as famílias lotavam a igreja luterana do bairro para celebrar a data. Já no dia 25, ela e os quatro filhos ganhavam brinquedos dos pais. Os presentes que mais gostava eram as bonecas de pano feitas por uma costureira da região. “O Papai Noel vinha, e a gente tinha que estar escondido para não ver ele colocar os presentes. Não sei como a gente acreditava nessas coisas”, diz Marlene, rindo.

Esperando o fim das obras para se mudar, Marlene passa o tempo fazendo tapetes e toalhas de mesa de crochê, montando seu segundo enxoval de casa nova na vida.

A previsão é que os trabalhos sejam concluídos em março, e Marlene espera voltar a ter a mesa cheia no natal de 2026. Neste ano, a celebração será organizada pela filha mais nova, que escapou da inundação.

Marlene nota como as comemorações mudaram com o tempo: na quarta-feira (24) à noite, a família fará amigo secreto em volta de um pinheiro artificial —uma das compras que ela ainda quer fazer para a casa nova.

“Eu acho que o Natal tinha que ser mais espiritual. Hoje é muito só presente, comida e bebida”, diz. “Tem que ser um pouco diferente, mas, se tem união na família, tudo bem.”

T LB

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