Um estudo publicado na revista Nature Communications demonstra que os mapas que detalham a localização e o funcionamento dos genes humanos, amplamente utilizados em pesquisas biomédicas, apresentam um viés estrutural. Esses mapas foram construídos majoritariamente a partir de indivíduos de ascendência europeia, o que implica que milhares de moléculas produzidas pelos genes de pessoas da África, Ásia e Américas simplesmente não aparecem nesses catálogos, apesar de existirem.
Os cientistas analisaram células sanguíneas de 43 voluntários de oito grupos populacionais, incluindo Yoruba (Nigéria), Luhya (Quênia), Mbuti (Congo), Han chineses, indianos Telugu, peruanos de Lima, além de europeus. Utilizando a tecnologia de sequenciamento de RNA de “leitura longa”, que permite captar moléculas inteiras, eles identificaram 41 mil transcritos faltantes, moléculas que revelam como o gene está sendo usado pelas células.
Dentre esses, 2.267 transcritos são específicos de determinadas populações, ausentes em todas as outras. Para grupos europeus, quase todos já estavam descritos em mapas anteriores. Para populações não europeias, a maioria era totalmente desconhecida. Adicionalmente, 773 transcritos parecem provir de regiões genéticas ainda não reconhecidas como genes, sugerindo que parte do genoma humano permanece inédita.
Por que isso importa para saúde e doenças?
Os autores indicam que muitas dessas moléculas ignoradas são produzidas por genes já associados a diferenças na incidência de doenças, como lúpus, artrite reumatoide, asma e alterações de colesterol. Como esses transcritos não estavam nos mapas, efeitos genéticos que influenciam o funcionamento desses genes em populações não europeias não podiam ser detectados.
O estudo também encontrou variações na forma como as duas cópias de um mesmo gene, herdadas do pai e da mãe, produzem transcritos diferentes. Esse tipo de efeito só aparece quando todos os transcritos reais estão catalogados. Ao incluir as novas moléculas identificadas, os cientistas conseguiram observar muito mais desses sinais, especialmente entre indivíduos de ancestralidade africana e indígena americana.
Na prática, isso significa que parte das disparidades em doenças pode estar relacionada a uma biologia molecular que os mapas atuais não conseguiam enxergar. A pesquisa reconhece que a ciência estava trabalhando com informações incompletas, invisibilizando parte da diversidade humana.
Como o viés surgiu e como pode ser corrigido?
Os primeiros mapas de genes foram criados logo após o rascunho inicial do genoma humano, em 2001. Eles transformaram bilhões de letras de DNA em algo utilizável pelos cientistas, indicando onde estão os genes e quais moléculas de RNA eles produzem. Contudo, como o genoma de referência e grande parte das amostras iniciais eram europeias, esses mapas ficaram presos a uma única fatia da humanidade.
Atualmente, a maioria dos bancos genéticos segue esse padrão. Segundo os autores, ao usar apenas um genoma de referência, e não versões personalizadas, pesquisadores acabam mascarando variações reais sobre como os genes funcionam em populações diversas.
O estudo também reforça o movimento para criar um pantranscriptoma humano: um catálogo completo de todas as moléculas de RNA produzidas por pessoas de todas as regiões do mundo, em diferentes tecidos e fases da vida. Um trabalho dessa escala exigiria centenas de milhares de amostras e um esforço global coordenado. Esta pesquisa gerou 10 terabytes de dados e mais de 800 milhões de sequências completas de RNA, processadas em um supercomputador.
Para os autores, a mensagem é clara: uma medicina genômica justa e precisa só será possível quando o mapa molecular da espécie humana representar, de fato, a diversidade humana.








