Terça-feira, 09/09/25

TV 3.0 terá que obedecer ECA Digital e LGPD quando entrar em vigor

Decreto assinado pelo presidente Lula iniciou transição no sistema da televisão aberta; governo prevê primeiras transmissões até a Copa do Mundo, nas capitais - (crédito: Ricardo Stuckert/PR)
Novo modelo da televisão aberta precisará respeitar legislação digital por conter perfis e anúncios personalizados. Primeiras transmissões devem ocorrer em 2026

O anúncio recente da TV 3.0 abre questionamento sobre como a nova tecnologia, que trará elementos da internet à televisão aberta, terá que responder à legislação do mundo digital. Embora a telinha tenha leis próprias, o sistema incluirá a possibilidade de logins e a coleta e uso de dados para fornecer anúncios e sugestões personalizados, exigindo, de imediato, a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e do recém-aprovado Estatuto Digital da Criança e do Adolescente (ECA Digital) ao serviço.

Com isso, as emissoras deverão cumprir medidas como a verificação de idade e controle parental. Ainda é cedo, porém, para saber como será a aplicação das regras na prática, já que a TV 3.0 entrou recentemente em desenvolvimento, e as primeiras transmissões devem ocorrer só no meio do ano que vem.

De acordo com o Ministério das Comunicações, o serviço de radiodifusão em si — ou seja, a transmissão de conteúdo em tempo real para o telespectador — não vai coletar dados. Será apenas uma evolução tecnológica.

Nesse aspecto, vale a legislação que já está aplicada à televisão e ao rádio. Porém, a TV 3.0 permitirá que o usuário crie um login e senha, um perfil para acessar os aplicativos de cada emissora. Esse sistema será usado para sugerir conteúdos personalizados, mas também para anúncios,em modelo semelhante ao usado pelas redes sociais.

Assim, com coleta e armazenamento de dados, a LGPD terá que ser obedecida. “O consumo logado do usuário é uma experiência direta entre telespectador e a emissora de televisão, equivalente a um serviço de streaming, sendo das emissoras a responsabilidade pela coleta e tratamento de dados, conforme determinado pela LGPD, e sob fiscalização da ANPD (Agência Nacional de Proteção de Dados)”, informou a pasta em material produzido para o anúncio do sistema.

Isso está definido no Decreto 12.595, de 27 de agosto de 2025, que regulamenta o padrão tecnológico da TV 3.0 e sua implantação no país. A LGPD está em vigor desde 2018, e define regras sobre o armazenamento e o tratamento de dados, de forma a proteger direitos como a privacidade e a liberdade individual. Embora não se aplique apenas a meios digitais, ela é considerada uma das mais importantes regulamentações do setor, junto com o Marco Civil da Internet.

Para o especialista em Direito Digital e presidente da Comissão de Turismo, Mídia e Entretenimento da OAB, Marco Antonio Araujo Jr., a legislação abrange, por exemplo, a publicidade direcionada. “A gente pode ter uma dinâmica muito parecida com a dinâmica da internet, que faz o rastreio via cookies do consumo do usuário.

Naturalmente, esse dado sendo rastreado, aplica-se a LGPD. (As emissoras) Vão precisar ter esse cuidado, se o dado pode ser fornecido, se há consentimento de quem autoriza o dado”, explicou ao

ECA Digital

Outra lei mais recente que deverá ser seguida é o chamado Estatuto Digital da Criança e do Adolescente, conhecido como o ECA Digital, aprovado em 28 de agosto pelo Congresso Nacional. O Projeto de Lei (PL) 2.628 de 2022 foi votado às pressas após a divulgação de um vídeo do influenciador Felca que denunciou a sexualização de crianças e adolescentes e a forma como os algoritmos das redes sociais facilitam o acesso de pedófilos a esse tipo de conteúdo.

Em seu artigo 1º, a lei, ainda não sancionada, define que a regulação é aplicada “a todo produto ou serviço de tecnologia da informação direcionado a crianças e a adolescentes no país ou de acesso provável por eles”.

O texto obriga a adoção de mecanismos de controle parental, sistemas de verificação de idade mais robustos, e contas vinculadas às de um responsável para crianças e adolescentes com menos de 16 anos, entre outras regras. “O login de um menor passa a ter que cumprir a regra do ECA Digital, quando ele for sancionado. Não somente a autodeclaração, mas comprovação documental, e os pais vão poder ter acesso ao controle parental.

De fato, nesse aspecto, toda a legislação que se aplica ao mundo digital vai se aplicar também à TV 3.0. Inclusive no sentido de proteção, porque o sistema, que já deve ser seguido por conta do ECA atual, fica ainda maior”, afirmou Araujo.

A advogada e professora do mestrado do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) Tainá Aguiar Junquilho compara a atuação das emissoras na TV 3.0 com os serviços de streaming pagos, que já respondem à legislação digital.

No caso do novo ECA, ela ressalta que o artigo 39 do PL cria exigências específicas para emissoras e plataformas de streaming, como o respeito à classificação indicativa dos conteúdos veiculados e a obrigatoriedade de um sistema de controle parental que também restrinja a coleta de dados de menores, limite a interação com outros usuários – em chats, por exemplo – e impeça que crianças e adolescentes façam compras sem autorização dos responsáveis.

Para Junquilho, a discussão sobre leis específicas para o ambiente digital que está em vigor atualmente é um importante avanço. Ela cita ainda que o PL 2.338, de 2023, que regulamenta o uso da Inteligência Artificial (IA) no país, também terá um impacto importante sobre a TV 3.0 e as plataformas digitais caso aprovado.

O texto tramita no Senado Federal. “Isso demonstra um alinhamento do governo. O principal guia em relação à IA é o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, que segue por um conceito de ‘IA pelo bem de todos’. O que significa que a IA no Brasil, seja em redes sociais, em qualquer âmbito, precisa ter o humano em primeiro lugar e respeitar princípios democráticos. Nesse contexto, acho que há um alinhamento entre o estímulo à inovação, mas uma inovação responsável, controlada”, disse a advogada.

Sobre a interação entre as leis e as novas tecnologias, Araujo avalia que as normas devem ser pensadas com princípios gerais, evitando que leis sejam votadas às pressas quando surge um novo dispositivo ou denúncia grave. “E para que não precise de uma nova lei para cada nova invenção. Se fosse assim, o Direito ficaria sempre um passo atrás”, concluiu o especialista.

O Correio buscou o Ministério das Comunicações para comentar o tema, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.

Correio de Santa Maria, com informações do Ministério das Comunicações

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