26/10/2020 às 09h04min - Atualizada em 26/10/2020 às 09h04min

Cadeira de Celso de Mello ainda nem foi ocupada e a 2ª vaga no STF já está em disputa

Cadeira deixada pela aposentadoria de Celso de Mello ainda não foi ocupada e já começou a movimentação para levar aquela que ainda é de Marco Aurélio Mello. Alguns dos que estavam cotados, mas foram ultrapassados por Kassio Marques, voltam a se alinhar para a nova disputa

Com a posse do desembargador Kassio Nunes, no próximo dia 5, como integrante do Supremo Tribunal Federal (STF), a Corte volta a ter 11 ministros no plenário. Mas, depois da vaga aberta pela aposentadoria de Celso de Mello, já começa a corrida pela próxima cadeira, que será aberta com a saída compulsória do ministro Marco Aurélio Mello, que se despede em julho de 2021 por completar 75 anos, idade limite para se manter na Corte.
 

A indicação de Kassio foi considerada técnica, pois ele era desembargador no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), sediado em Brasília. Além disso, tem 15 anos de experiência na magistratura e, de acordo com amigos próximos, colegas de trabalho e advogados que atuam nas causas julgadas por ele, tem perfil garantista –– ou seja, tende a valorizar mais os direitos dos acusados e colocar preceitos fundamentais na balança no momento de aplicar o peso da lei sobre os sentenciados.

Kassio foi criticado pela rede de apoiadores bolsonaristas na internet e juristas alinhados com o pensamento do governo. Em razão disso, a expectativa é de que o próximo ministro do STF tenha um perfil politicamente próximo de Jair Bolsonaro, e se espera que seja uma escolha baseada nesses critérios. O presidente da República afirmou que uma das vagas seria ocupada por um ministro “terrivelmente evangélico”, deixando claro que a escolha pode se passar por afinidades religiosas. Mas, especialistas ouvidos pelo Correio alertam: uma indicação baseada em fatores que não sejam técnicos podem conturbar a rotina da mais Alta Corte de Justiça.
 

Vera Chemim, mestra em direito público pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e estudiosa dos movimentos do Supremo, destaca que o mandato de um ministro da Corte vai muito além do tempo de gestão de um chefe do Executivo. “Acenar para requisitos estranhos à Constituição pode representar um risco institucional de longo prazo para um tribunal que tem, como função precípua, a guarda da Constituição de um Estado democrático de direito”, observou.

Para ela, a escolha por critérios alheios aos previstos legalmente podem violar o que diz a Carta, o que resultaria na rejeição do indicado, que precisa passar por sabatina no Senado. “Partir do pressuposto de que o indicado teria que ter uma ligação de natureza religiosa, seja ela qual for, constitui uma afronta ao Estado laico, além de empobrecer o ‘notório saber jurídico’ exigido para exercício de uma função extremamente complexa e diversificada. Um membro da Corte necessita estar devidamente preparado, acadêmica e empiricamente, para encarar processos de toda a ordem. A possibilidade de aprovação de alguém que não esteja à altura da função provocará um desequilíbrio institucional e, por consequência, uma sensação de insegurança jurídica e descrédito perante os jurisdicionados e a sociedade”, explica.

 

Cotados
Faltando menos de um ano para a nova indicação, já existe articulação para a escolha do segundo nome. E, novamente, os candidatos mais bem postos na corrida são alguns dos que já estiveram cotados para a vaga deixada por Celso de Mello –– mas foram ultrapassados por Kassio. A se cumprir a promessa de Bolsonaro de que um evangélico tem grandes chances para a vaga a ser aberta futuramente pela aposentadoria de Marco Aurélio, o nome que figura como preferido, neste momento, é do ministro da Justiça, André Mendonça. Pastor presbiteriano, teve uma atuação considerada de excelência na Advocacia-Geral da União (AGU), onde é servidor de carreira há mais de 20 anos. Apesar de evitar a mistura de religião com o mundo jurídico, vem atuando em ações no Supremo que agradam a Bolsonaro e ao eleitorado fiel do presidente.

Também voltou a figurar na lista o ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, e reapareceu o ministro Ives Gandra Martins Filho, ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST) –– é bem-visto pelos militares do governo e por pessoas próximas ao presidente por seu perfil conservador e religioso, embora católico. Também entraram no rol de candidatos o desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo e pré-candidato a prefeito de Santos (SP), Ivan Sartori; e o do juiz federal William Douglas dos Santos –– que é pastor e tem o apoio do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).

Leonardo Queiroz Leite, cientista político e doutor em Administração Pública e Governo pela Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo, destaca que, apesar das regras previstas na Constituição, a indicação ao Supremo tem forte influência política. Mas, ele defende que existem limites para o envolvimento do magistrado com outros temas alheios ao mundo jurídico.

“O presidente Bolsonaro, como ele é um político extremamente sensível aos apelos de sua base ideológica, acenou que essa segunda indicação seria de um evangélico, como um pastor, por exemplo. Isso é complicado quando se pensa em Estado de direito. Política e religião não convivem no mesmo teto no direito. É uma invenção perigosa indicar alguém motivado por crenças ou valores muito arraigados. No meio político isso ocorre, é escolha do eleitor. Mas, no da Suprema Corte, é algo muito complicado. O magistrado precisa de neutralidade, isenção”, observou.


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