26/10/2020 às 09h08min - Atualizada em 26/10/2020 às 09h08min

País tem cinco candidatos com mais de 94 anos nas eleições 2020

Presidente do PSD em Minas, o senador Carlos Viana afirma que a questão da idade no Brasil sempre foi um tabu. Conforme o parlamentar, havia um entendimento de que a idade é um limite para essas pessoas, mas hoje, o que se vê é um aumento significativo da expectativa de vida

Candidata mais velha do país nestas eleições de 2020, Geralda Antônia de Almeida, de 107 anos, ou Dona Dica, como é conhecida, conta que ouvia histórias de sua madrinha sobre a época do “cativeiro” –– como chama o período da escravidão no país. Nascida em 1914, mas, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), está registrada como se tivesse nascido em 1922. Apesar de centenária e com dificuldades físicas de fazer campanha política, vai disputar uma das cadeiras da Câmara de Vereadores de Santana do Manhuaçu (MG), cidade de 8,6 mil habitantes próxima à divisa com o Espírito Santo.
 

Sua madrinha, que era a irmã mais velha de sua mãe, relatava que tinha seis anos na época da Lei Áurea. “Ela dizia que nos tempos do 'cativeiro', eles batiam muito. Amarrava os negros no tronco com corrente, batia. A madrinha contava. Graças a Deus, eu não vivi isso”, diz.

Dona Dica está entre os cinco candidatos com idade acima de 94 anos que estão disputando as eleições municipais deste ano, cujo primeiro turno é em 15 de novembro. O site do TSE apresenta o número de nove candidatos entre 95 e 99, mas, após se observar o perfil de cada um, é possível constatar que houve erro no cadastro de alguns deles. Além disso, o sistema aponta um total de 20 postulantes entre 90 e 94 anos, mas com equívocos no registro de quatro.


De acordo com os dados do TSE, estão registrados sete candidatos com mais de 100 anos. Mas, em todos, é claro erro no registro, conforme se observa nas fotos disponibilizadas pelo sistema. Tal problema pôde ser identificado também nas eleições de 2016, quando oito pessoas eram supostamente centenários, mas, nas imagens, nenhum aparentava ter mais de um século de existência. Também foram registrados naquele pleito dois candidatos entre 95 e 99 anos, e 27 entre 90 e 94 anos, somando 29 postulantes na faixa etária dos 90 anos. 
 

História

Dona Dica mudou com a família para Santana do Manhuaçu quando era criança. Foram trabalhar para uma família que havia adquirido terras para plantio de café na região. O tataraneto do homem para quem trabalhavam, segundo Dica, é candidato a prefeito em Santana do Manhuaçu, Paulinho Chicó da Digudinho (DEM), que a convidou para disputar o pleito.

A mulher menciona que nunca havia pensado em ser candidata, e que ficou surpresa quando Paulinho, quem conhece desde criança, fez o convite. A centenária diz que ficou dois meses pensando, “conversando com Deus”, e quando questionada, aceitou. “Eu fiquei com dó dele, tadinho. Ficou ‘pelejando’ comigo. Aí eu aceitei”, justifica.

Dona Dica relata que gosta muito de Paulinho e de sua família, com quem uma relação de mais de mais de 100 anos, mas que aceitou o convite achando que não daria certo, devido à sua idade. Entretanto, não há limite de idade para candidatura no país. Quando levou os documentos, afirma que teve que provar que não era analfabeta. Ao fazer outro documento de identidade, assinou seu nome, provando que sabe escrever, algo que aprendeu durante os único 10 meses que estudou, quando tinha aproximadamente 10 anos.

Sua infância foi marcada por trabalho. Sua mãe saiu do local onde viviam, região hoje do município de Senador Cortes (MG), para fugir do então marido, que bebia muito e batia nela e nos filhos. Ela foi com o pai, avô de Dona Dica, que era carpinteiro, para trabalhar para o tataravô de Paulinho Chicó.

Nonagenário

Candidato nonagenário no próximo pleito, José Braz (PP), de 95 anos, disputará o comando do município de Muriaé, também em Minas. Além de ex-prefeito entre 2005 e 2012, ele é, hoje, o homem mais velho do país a tentar uma vaga num Poder Executivo local. Empresário, explica que entrou para a política tardiamente, mas quer voltar à cadeira que já ocupou. “Precisamos entender que o político vem para servir e não para ser servido. Quero fazer o bem para a população na área social”, garante.

Porém, a mesma clareza da política não tem Dona Dica, que admite não saber o que faz um vereador. Questionada se quer ser eleita, diz que “tanto faz”. “Se eu ganhar, vou ajudar os outros. Se eu não ganhar, para mim é a mesma coisa. Seja feita a vontade de Deus”.

Presidente do PSD em Minas, o senador Carlos Viana afirma que a questão da idade no Brasil sempre foi um tabu. Conforme o parlamentar, havia um entendimento de que a idade é um limite para essas pessoas, mas hoje, o que se vê é um aumento significativo da expectativa de vida. “Vejo com alegria essa questão da Dona Dica. É sinal de que nós brasileiros estamos valorizando cada dia”, disse. 

Dica discorre que na época, sua mãe trabalhava em troca de comida. “Ela não recebia, mas até não importava, porque era ela e três filhos. Ninguém fazia muita conta de dinheiro naquela época. Ela vivia tranquila. A gente gostava muito deles”, narra. No terreno, o homem plantava café e, na época de colheita, Dona Dica e família recebiam pelo dia trabalhado.

Ela conta que as visitas feitas por sua madrinha, irmã de sua mãe, eram sempre marcadas por muitas histórias da época da escravidão. “Não podia conversar. Por causa de uma conversinha, amarrava eles no tronco para bater. Isso que me mata. A madrinha conta que quando abriu a liberdade, eles cantavam de alegria. Mas mesmo abrindo a liberdade, tinha que continuar trabalhando, porque só os senhores tinham terreno”, explica.

Dona Dica garante ter uma saúde excelente, tomando apenas um remédio para pressão. A centenária tem uma voz firme e uma boa audição, como foi possível perceber durante a entrevista por telefone. “Minha memória é melhor que a dos meus filhos”, diz. De fato, não pestaneja ao ser questionada sobre datas. Dos 11 filhos, quatro estão vivos, sendo que a mais velha tem 73 anos. Além dos filhos, ajudou a criar netos e bisnetos.

A candidata é muito querida e conhecida na cidade. Trabalhou por 60 anos fazendo partos, tendo feito inclusive de trigêmeos. Dona Dica se casou em 1935, e seu marido morreu em 1986. Desde então, nunca casou ou sequer namorou. “Fui cuidar dos meus filhos, netos”, relata.


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