O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) recomendou que a Secretaria de Saúde suspenda os pagamentos a serem repassados para a empresa Hospital Serviços de Assistência Social sem Alojamento Ltda., que atuou na gestão do hospital de campanha instalado no Estádio Nacional Mané Garrincha. O valor total do contrato foi de R$ 79.449.903,00.
A orientação ocorre após o órgão de controle ter acesso a uma auditoria realizada pela Controladoria-Geral (CGDF), onde várias falhas consideradas graves foram encontradas no contrato de execução de serviço. De acordo com o relatório, houve pagamento de leitos não equipados e falta de profissionais necessários para o tratamento de pacientes diagnosticados com Covid-19. O MPDFT determinou que a pasta se manifeste sobre as recomendações em até cinco dias.
No documento, assinado na última segunda-feira (27/10) pelas promotorias de Justiça de Defesa da Saúde (ProSus), o órgão de fiscalização orienta ao secretário de Saúde, Osnei Okumoto, que realize “rigorosa apuração” do valor a ser devidamente pago à empresa contratada. De acordo com os promotores, até a presente data, a contratada já recebeu o montante de R$ 24.581.074,05. Assinam o termo os promotores Marcelo da Silva Barenco, Fernanda da Cunha Moraes e Clayton da Silva Germano.
Além da auditoria interna, o MPDFT também recomenda a criação de uma comissão especial para investigar os pagamentos, “se possível com apoio da Controladoria-Geral do Distrito Federal e das áreas técnicas da secretaria, com prazo definido para a conclusão dos trabalhos e emissão de relatório”. O pagamento só deverá ser efetuado após o fim do prazo de atuação desse grupo de trabalho.
Os promotores orientam ainda que a Secretaria de Saúde realize “o inventário e a patrimonialização de todos os equipamentos médico-hospitalares fornecidos pela empresa Hospital Serviços de Assistência Social sem Alojamento Ltda., e que, nos termos da cláusula 3.5 do Contrato Emergencial no 069/2020 – SES/DF, devem ser incorporados ao patrimônio da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal”.
Procurada, a Secretaria de Saúde informou que “tem se colocado à disposição dos órgãos de controle para esclarecer todos os questionamentos e cooperar com as investigações em andamento, de forma objetiva e transparente”.
Na inspeção, a Controladoria-Geral do Distrito Federal (CGDF) identificou inúmeras falhas consideradas “graves” no contrato de execução e gestão do hospital de campanha que foi montado no Mané Garrincha. Uma outra sindicância já havia sido realizada pelo mesmo órgão, mas para investigar problemas burocráticos na contratação da empresa que ficou responsável pela unidade temporária de saúde, já desativada pelo Governo do Distrito Federal (GDF). Os prejuízos calculados aos cofres públicos são de R$ 2.373.817,80.
Na nova devassa nos documentos, realizada na Secretaria de Saúde no período de 9 de julho a 7 de agosto, os auditores encontraram pelo menos cinco inconsistências e deslizes processuais para o gerenciamento de leitos de enfermaria e de unidade de terapia intensiva no hospital de campanha. O contrato foi assinado em 24 de abril para durar 180 dias, ainda na gestão do ex-secretário de Saúde, Francisco Araújo Filho, preso pela operação Falso Positivo.
De acordo com a CGDF, a empresa contratada terceirizou indevidamente serviços não previstos em contrato, como o de gestão, sem a prévia comunicação à Secretaria de Saúde sobre as contratações, tendo em vista que o relato veio após as subcontratações já realizadas.
O documento também indica atrasos de mais de 20 dias para a entrega de leitos para pacientes de Covid-19 na unidade, desobedecendo o que estava previsto no cronograma anexado ao contrato. Embora os termos do acordo tivessem sido descumpridos, não houve sanção por parte da Secretaria de Saúde contra a empresa. A multa calculada apenas para essa ocorrência seria de R$ 50.367,50.
A mesma auditoria também identificou um número de profissionais abaixo do prometido no contrato de prestação de serviço no Mané Garrincha. Foram constatadas irregularidades em relação ao número de fisioterapeutas e também de médicos, considerado insuficiente para o atendimento a 111 leitos no mês de maio.
De acordo com as informações obtidas pelos auditores, a empresa ofereceu 10 fisioterapeutas, incluindo a coordenadora da área, quando seriam necessários pelo menos 18 profissionais, além da coordenadora, o que não foi observado nos meses de maio e junho.
“Para a cobertura na assistência aos pacientes da enfermaria, de acordo com Manual de Parâmetros Mínimos da Força de Trabalho para Dimensionamento da Rede SES/DF – 2018, seria necessário 1 profissional fisioterapeuta para cada 30 leitos por 12 horas/dia nos 7 dias da semana. Considerando os 173 leitos de internação em enfermaria do hospital de campanha, são necessários pelo menos 6 fisioterapeutas por dia. Portanto, no caso de carga de trabalho de 44 horas semanais, seriam necessários 12 fisioterapeutas para a cobertura do setor”, diz trecho do documento.
No caso de médicos, também foi registrado déficit dos profissionais na enfermaria da unidade temporária. “Em termos de médicos plantonistas, a mesma norma determina a presença 1 médico por enfermaria, o que não parece ser o mais apropriado para o acompanhamento dos pacientes infectados pelo Covid-19, onde há necessidade de maiores cuidados”, destaca o texto.
“Assim, por precaução, o melhor seria adotar a regra de médicos plantonistas em número semelhante às Unidades de Cuidados Intermediário na proporção de 1 médico plantonista/15 pacientes, ou seja, a disponibilização de 8 plantonistas por turno ao invés dos 2 médicos escalados para esta atividade para prover a assistência médica aos 111 leitos disponibilizados”, frisa a auditoria.
Em nota encaminhada à coluna, a assessoria de imprensa do Hospital de Campanha do Mané Garrincha esclareceu que, “desde o início, durante e ao fim da prestação dos serviços de saúde em combate à pandemia da Covid-19, sempre contribuiu com as autoridades competentes, especialmente com o Ministério Público”.
Segundo o texto, a direção da unidade hospitalar encaminhou ofícios prestando informações de cada decisão tomada e explicando seu amparo legal no contrato assinado com o GDF. “Desta forma, pode garantir que todos os aspectos previstos relacionados a recursos humanos, insumos, EPI e equipamentos foram cumpridos à risca”, registra.
Os gestores da unidade concluem que 1,8 mil pacientes com Covid-19 tiveram as vidas salvas no hospital de campanha, o qual “foi escolhido como modelo e referência para pesquisa internacional envolvendo a unidade do DF e outras em sete países: Estados Unidos, Bélgica, Egito, Ucrânia. Moldávia, Romênia e África do Sul”.