Quando Luana Pereira, 29 anos, anda pelas ruas de Juazeirinho, cidade com menos de 20 mil habitantes no interior da Paraíba onde nasceu, ela sente os olhares inquisidores sobre seu corpo. Eles, muitas vezes, vêm acompanhados de palavras ofensivas. Vizinhos sentem-se à vontade para zombar de Luana depois que o ex-namorado dela, Uillan Cássio da Silva, 32 anos, espalhou em diversos grupos de WhatsApp fotos e vídeos que expunham Luana em atos sexuais.
Em uma das ocasiões filmadas, Luana denuncia ter sido estuprada por três homens – entre eles o ex – e ter sido forçada a gravar o abuso. Após as imagens tornarem-se públicas e diante de ameaças, ela procurou a polícia. O inquérito instaurado pelo delegado Elias Rodrigues, então titular da delegacia de polícia civil de Juazeirinho, concluiu que Uillan extorquia dinheiro da vítima sob ameaça de divulgar as imagens. Perícia também apontou que ele seria o responsável pela publicidade do material.
“Ele fez de tudo para diminuí-la como mulher. Instaurei o inquérito com base em artigos da Lei Carolina Dieckmann e da Lei Maria da Penha. Pedi a prisão preventiva do acusado porque ele zombou da Justiça, não respeitou nem mesmo a medida protetiva e continuou ameaçando e humilhando a vítima”, relata o delegado. A investigação também apontou que Uillan já cometeu o mesmo tipo de crime outras vezes.
Uillan foi preso preventivamente na noite de domingo (17/1) após Luana montar um cerco contra ele, com ajuda das polícias civil e rodoviária federal. Luana investigou por meio de conhecidos e de redes sociais o paradeiro do agressor, que a Justiça alegava não conseguir localizar. Informou às autoridades possíveis endereços onde encontrá-lo e a placa do veículo usado por ele. O acusado foi detido enquanto dirigia entre Pernambuco e a Paraíba, pela Polícia Rodoviária Federal.
“Ela foi muito corajosa. A postura inicial da mulher nesses casos é ficar envergonhada, assumir um papel de que elas estão fazendo algo errado. Luana confiou na Justiça, na polícia e ele está preso”, diz o delegado Rodrigues.
Agora, Luana tenta recuperar sua reputação. Ela quer tornar pública a história que envolve mais de um ano de agressões físicas e psicológicas. “As pessoas que viram aquelas imagens horríveis e me julgaram não fazem ideia do terror que eu vivi”, diz.
Luana conheceu Uillan no fim de 2018, em João Pessoa (PB), e se relacionou com ele até 2019. Amigos em comum apresentaram os dois, que logo começaram a viver juntos no apartamento que ela mantinha na capital paraibana. No primeiro mês de relacionamento, ela notou alterações no comportamento do então namorado. “Ele saía para trabalhar à noite, mas eu não sabia com o que ele estava envolvido. A primeira surpresa para mim foi o envolvimento dele com drogas”, relata.
Consta na ocorrência que o ex-companheiro ficava paranóico quando usava entorpecentes e acusava Luana de se relacionar com outros homens. Passou a agredi-la, tirou dela o celular, trancava as portas de casa e instalou câmeras no imóvel para vigiá-la. “Eu tinha que ficar na sala o tempo todo quando ele saía, se não ele falava pelo microfone da câmera, dizia que eu estava recebendo homens em casa”, relata.f
Luana diz ter ficado paralisada pelo medo e, ao mesmo tempo, ter sido motivada a ficar com o ex-namorado pela esperança de que ele mudasse. “Quando passavam os surtos, ele era carinhoso no começo, dizia que me amava. Só que foi ficando cada vez mais violento. Até que eu descobri que ele extorquia as pessoas com quem se envolvia”, diz. A vítima alega ter sido obrigada a fazer sexo com homens que Uillan levava até a casa deles, em troca de dinheiro. “Ele gravava tudo para depois me ameaçar”.
Ela entregou à polícia imagens e áudios que indicam o envolvimento de Uillan em extorsões contra padres de pequenas igrejas no interior do estado. Segundo a denunciante, ele gravava relações sexuais com os religiosos e depois cobrava para não expor o conteúdo. “Ele me obrigou a buscar o dinheiro de um desses padres, mais de uma vez. Tinha uma arma e dizia que ia me matar e matar a minha família em seguida se eu não trouxesse o pagamento”, conta.
Ele sabia os pontos onde bater: pernas, ombros e costas. Porque ninguém iria ver. Só batia no meu rosto quando estávamos em casa, sem planos de sair
LUANA PEREIRA
Luana também incluiu no processo originado após o inquérito, que corre em segredo de Justiça, imagens nas quais aparece ferida e grávida. Ela denuncia ter sido espancada com chutes na barriga e torturada psicologicamente até perder o filho que esperava. “O feto ficou morto quatro dias dentro de mim e precisei de uma cirurgia para retirá-lo”, diz.
“Você sabe demais e vou te matar”
Depois do aborto, Luana afirma que tentou deixar o companheiro várias vezes, mas cedia por medo de ter as imagens sexuais divulgadas. Com apoio da família, ela conseguiu voltar para a casa dos pais, depois que descobriu que o ex já tinha um novo relacionamento. “A atual companheira dele começou a me ameaçar também e a ajudá-lo a postar as imagens nos grupos”, relata.
Luana tentou refazer a vida e começou o próprio negócio, uma loja de roupas. Na véspera da inauguração, o ex abriu novos grupos de WhatsApp para divulgar o material pornográfico. Mandou para os pais de Luana, para os vizinhos, para as autoridades da cidade – como prefeito e vereadores – e criou um grupo com caminhoneiros da região para espalhar as fotos e vídeos.
“Mesmo muito assustada e humilhada, eu mantive a inauguração da loja com um coquetel. Doeu muito ver a forma como as pessoas me olhavam, as piadas. Eu decidi então dar um basta nisso e fiz o boletim de ocorrência em outubro de 2020”, afirma.
Quando Uillan soube que havia uma medida protetiva contra ele, em novembro, voltou a enviar mensagens para Luana. “Ele disse que eu tinha assinado meu atestado de óbito. Que agora sim ele iria me matar e que justiça nenhuma ia pegar ele. Naquele momento eu soube que eu tinha que agir para tentar salvar a minha vida”. Iniciou-se aí a busca pelo paradeiro do agressor, que terminou com a prisão no último domingo.
Luana diz confiar na Justiça e que deseja expor sua história para que outras mulheres que tenham sofrido o mesmo tipo de agressão encorajem-se para denunciar também. “Sei que não fui a única, espero que outras vítimas apareçam. Agora precisamos unir forças para que ele seja julgado e cumpra sua pena. Que sirva de exemplo”.
O processo corre em segredo de Justiça e a defesa do acusado consta nos autos apenas como “defensoria pública”, sem contato direto do advogado. Segundo o advogado de Luana, Lyon Dantas Nóbrega, no processo eletrônico ainda não foi apresentada defesa. O espaço segue abert