O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar, nesta quinta-feira (4/2), se existe no Brasil o chamado direito ao esquecimento. A Corte avalia se pode proibir ou não um fato antigo de ser exposto ao público em respeito à privacidade e à intimidade da pessoa envolvida. Até agora, apenas o relator do caso, ministro Dias Toffoli, proferiu o voto. Para ele, não cabe ao Judiciário criar esse dispositivo. O julgamento foi suspenso e deve retornar na próxima semana.
O tema ganhou amplitude nos últimos anos e se tornou alvo de debates entre especialistas. Isso porque estudiosos, empresas e setores da sociedade civil que trabalham com liberdade de expressão têm o receio de que o debate possa limitar a esse direito e a atuação de empresas e jornais na internet.
Segundo Toffoli, a previsão ou a aplicação de um direito ao esquecimento afronta a liberdade de expressão. “É incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento. Assim entendido como poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação sociais analógicos ou digitais”, disse.
“Eventuais excessos ou abusos no exercício de liberdade de expressão devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente aqueles relativos à proteção da honra, imagem, privacidade e da personalidade em geral e também as expressas e específicas previsões legais penal e civil”, completou.
Os irmãos de Aida Curi ajuizaram ação de reparação contra a TV Globo após a história do conhecido crime ter sido apresentada no programa Linha Direta, com a divulgação do nome da vítima e de fotos reais. A tragédia aconteceu em 1958, e o programa foi exibido nos anos 2000, sem autorização da família.
Nos tribunais superiores, o caso teve origem em julgamento no STJ, capitaneado pelo voto do ministro Luis Felipe Salomão, reconhecendo o direito ao esquecimento, embora afastando-o no caso concreto.
Mesmo reconhecendo que a reportagem trouxe de volta antigos sentimentos de angústia, revolta e dor diante do crime, que aconteceu quase 60 anos atrás, a turma entendeu que o tempo, que se encarregou de tirar o caso da memória do povo, também fez o trabalho de abrandar seus efeitos sobre a honra e a dignidade dos familiares.
Para o advogado e especialista em direito constitucional Carlos Flavio Marcilio, do escritório Marcílio e Zardi Advogados, a discussão que está posta no Supremo, em sua essência, trata de um conflito de direitos fundamentais. “De um lado, temos o direito da privacidade e intimidade do indivíduo, que poderia ser capaz de impedir que determinados fatos antigos sejam expostos ao público. De outro lado, está o direito à informação, a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa”, explicou.
Na opinião do especialista, como se trata de um conflito entre direitos fundamentais e não existem direitos absolutos, a solução deve ser feita no caso concreto por meio de “uma ponderação e harmonização dos princípios em conflito, por onde se chegará à prevalência de um em detrimento do outro no caso específico”.
“Certamente a decisão causará impacto na sociedade porque este precedente irá nortear futuras decisões dos demais magistrados sobre como fazer a harmonização desses direitos fundamentais no caso concreto”, disse.