20/04/2017 às 19h18min - Atualizada em 20/04/2017 às 19h18min

Delações da Odebrecht colocam Via Engenharia no olho do furacão

Empresa candanga fez parte dos consórcios que executaram as obras do BRT Sul, Mané Garrincha e Centrad. Construções estão sob suspeita

Metrópoles

O algoz implacável que é a Lava Jato chegou às obras do Distrito Federal e não pretende deixar pedra sobre pedra. As revelações de executivos da Odebrecht do pagamento de propina a políticos e “troca de favores” entre empresas concorrentes atingiram o BRT Sul, o Estádio Nacional Mané Garrincha e o Centro Administrativo do GDF. Além do fato de estarem sob suspeita na operação, as três construções da capital têm outro elo em comum: a Via Engenharia.

 

A empreiteira candanga fez parte dos três consórcios responsáveis por executar essas obras e é mencionada nas delações premiadas de João Pacífico, Ricardo Ferraz e Alexandre Barradas, todos ex-executivos da Odebrecht. Citada como integrante da “segunda divisão” do chamado Clube VIP de construtoras que comandavam as fraudes em licitações da Petrobras, a Via reaparece agora como possível protagonista da Lava Jato no cenário local.

 

Com o envio dos casos à Justiça do DF, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, os envolvidos nas tratativas de supostos “acordos de mercado” firmados para vencer licitações de maneira fraudulenta podem ter de responder criminalmente. Assim, se o Judiciário da capital autorizar a abertura de inquérito, o Ministério Público passará a reunir provas sobre os casos até chegar aos responsáveis pelas obras em investigação. Após a reunião de evidências, o órgão pode pedir o arquivamento do inquérito ou oferecer denúncia.

As delações dos ex-executivos da Odebrecht apontam a Via tanto como beneficiária de acertos entre empresas durante fraudes em licitações quanto como autora de pedido de cobertura de proposta – ou seja, para que “concorrentes” apresentassem projetos fictícios, de valor maior, que a beneficiassem.

 

Reuniões extraoficiais

As boas relações mantidas pela Via Engenharia com políticos proeminentes teriam franqueado o acesso da empresa às principais negociatas de obras – tanto em nível local quanto nacional. O fato é corroborado pelas delações premiadas divulgadas em 12/4 pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

 

Em depoimento, João Pacífico chegou a revelar um episódio, em 2007, no qual o ex-governador José Roberto Arruda (PR) reuniu os representantes das principais empreiteiras que tinham interesse em operar no DF. Na ocasião, Fernando Queiroz, um dos fundadores da Via Engenharia, estaria presente. Também teriam participado do encontro Rodrigo Lopes, da Andrade Gutierrez; Paulo Venuto, da OAS; Sérgio Mendes, da Mendes Júnior, e Luiz Cherulli, da Queiroz Galvão.

 

Segundo João Pacífico, o objetivo da reunião era “evitar conflitos” entre as empreiteiras. “Se tratava de uma harmonia de mercado. Ele (Arruda) dizia que não queria brigas. Cada um ia estudar o seu projeto, para evitar que ficassem sendo disputadas várias obras, ou uma obra por várias empresas. Enfim, ele não queria tumulto, porque isso poderia gerar muitas demandas judiciais”, narrou.

 

Campanha de 2010

O prestígio de Fernando Queiroz entre a classe política atravessou as gestões e também teria tornado a casa do gestor da Via o ponto de encontro para discussões sobre o rumo de obras e doações de campanha. O ex-executivo da Odebrecht Ricardo Ferraz contou aos procuradores que chegou a participar de duas reuniões na casa de Queiroz, ainda no período eleitoral de 2010.

 

A avaliação do delator é de que Fernando, a pedido de Agnelo Queiroz (PT) e Tadeu Filippelli (PMDB), então candidatos a governador e vice, oferecia sua residência e reunia representantes das principais construtoras que atuavam no DF com o objetivo de tratar de apoio financeiro. Durante esses encontros, de acordo com Ricardo, os convidados sugeriam outras propostas que poderiam ser implementadas pelo novo governo, caso a dupla fosse eleita.

 

A partir dos laços que costurou, a construtora teria conseguido se estabelecer em obras de grande importância no cenário local.

 

BRT Sul

Na mira da Lava Jato, a obra do BRT Sul – que liga a região de Santa Maria e do Gama ao centro de Brasília – foi tocada pela Via Engenharia em parceria com a OAS e a Andrade Gutierrez, e teve custo total de quase R$ 800 milhões. As empresas teriam conseguido sagrar-se vencedoras no certame a partir de um acordo com a Odebrecht, que não tinha interesse no projeto.

 

Aos procuradores, Ricardo Ferraz contou que foi procurado em 2008 por Luiz Ronaldo Wanderley, executivo da Via Engenharia, e João Longuinho, diretor da OAS, para que a Odebrecht ofertasse proposta de cobertura de preço para a licitação da obra. Segundo Ferraz, foi dado um valor limite para a apresentação do projeto fictício.

 

Como a empreiteira não tinha interesse no projeto, o acordo foi firmado. “Estávamos focados mais em obras estruturadas, PPPs, como é o caso do Centro Administrativo”, afirmou Ferraz. De acordo com o delator, a intenção era se “cacifar” para uma eventual oportunidade futura. A contrapartida, no entanto, não teria ocorrido.

 

Centrad

Além das tratativas envolvendo o BRT, as obras referentes ao Centrad também colocaram a Via Engenharia no olho do furacão. A Via se uniu à Odebrecht para tocar a suntuosa construção da nova acomodação da burocracia do Distrito Federal. A execução da obra, no entanto, também estaria revestida de irregularidades, segundo Alexandre Barradas.

 

Com o objetivo de garantir que o consórcio Via-Odebrecht sairia vencedor do processo licitatório do Centrad, Barradas teria procurado a concorrente Manchester e oferecido 25% dos serviços de vigilância e manutenção à empresa, para que ela não “atrapalhasse” a licitação. Segundo o delator, a Manchester não tinha interesse em vencer o certame, mas apenas interferir no processo, porque o Centrad atingiria diretamente os negócios mantidos pela empresa em Brasília.

 

Mané Garrincha

A empreiteira candanga também foi beneficiada pelo acordo firmado entre Odebrecht e Andrade Gutierrez referente à reforma do Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha. As empresas teriam acertado uma simulação de concorrência na licitação para que a Gutierrez, que uniu-se na empreitada à Via Engenharia, vencesse o certame.

 

Segundo o delator Ricardo Ferraz, a Odebrecht estava focada nas obras das novas arenas do país, nas quais pudesse atuar tanto na construção quanto na operação. Dessa forma, cedeu à investida da Andrade Gutierrez para apresentar uma proposta de cobertura na licitação do estádio brasiliense.

 

A contrapartida, segundo o colaborador João Pacífico, seria a Arena Pernambuco. Meses depois, a Odebrecht teria cobrado o “favor” da Andrade Gutierrez, pedindo ajuda para garantir a construção do estádio nordestino. Ao lado da Gutierrez, a Via Engenharia ergueu a arena mais cara da Copa do Mundo de 2014, com investimento de quase R$ 2 bilhões.

 

Clube VIP, segunda divisão

Investigações anteriores no âmbito da Lava Jato revelaram a existência de um grupo nacional de construtoras chamado “Clube VIP”, que comandava fraudes em licitações da Petrobras. O clube tinha regras escritas para organizar as escolhas e preferências das obras que seriam licitadas. Segundo Marcos Pereira Berti, diretor da Toyo Setal, a Via Engenharia seria integrante de um grupo intermediário.

 

Essa configuração, conforme Berti, teria sido arquitetada porque a Petrobras adotou práticas que dificultaram a atuação do primeiro escalão. A estatal passou a convidar empresas que até então não integravam o esquema. As empreiteiras, então, decidiram cooptar as novatas.

 

De acordo com o ex-gestor, as empresas que operavam na Petrobras desde os anos 1990 compunham o grupo Tipo A, e tinham prioridade nas licitações acima de R$ 600 milhões. Em seguida, as Tipo B, que arranjavam entre si os contratos entre R$ 300 milhões e R$ 600 milhões. As Tipo C ficavam com os certames de até R$ 300 milhões. Na disputa por recursos da Petrobras, a Via teria chegado à “Série B” do esquema de corrupção, ao lado de outras 19 empresas.


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