11/04/2021 às 07h35min - Atualizada em 11/04/2021 às 07h35min

“Compra de vacinas por empresas é imoral”, critica fundador da Anvisa

Gonzalo Vecina afirma que liberação desorganizará a imunização, e grupos prioritários ficarão sem doses e sob o risco de contrair Covid-19

A compra de vacinas contra a Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, pela iniciativa privada centraliza um novo embate no controle da pandemia. Enquanto o governo federal e parte do Congresso defendem a liberação, especialistas em saúde são contra.

Uma dessas vozes é a do médico sanitarista e professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) Gonzalo Vecina. Idealizador do 
Sistema Único de Saúde (SUS), em 1988, e fundador e presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) entre 1999 e 2003, ele considera a possibilidade uma “imoralidade”.

O texto do projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados na última terça-feira (6/4) permite que empresas comprem vacinas contra a Covid-19 para imunizar funcionários. A proposta mantém a exigência de doação dos imunizantes ao SUS (no mesmo montante do comprado para uso particular), mas permite que firmas usem cota privada enquanto governo ainda vacina grupos prioritários.

A preocupação da comunidade médico-científica é que a liberação crie um abismo na imunização. Enquanto o governo tenta comprar doses para acelerar a imunização de grupos prioritários, que têm mais risco de morrer em caso de adoecimento, empresas poderiam vacinar outros públicos. A conta não fecha. Não há produção mundial suficiente para garantir o insumo para a rede pública e a iniciativa privada.

 

O médico, com longa carreira na gestão de Saúde, criticou o projeto e fez alertas. “É uma perda de tempo e uma discussão idiota liberar a compra de vacina para empresas. Compra de vacina por empresas é imoral”, sentenciou.

No entendimento de Vecina, a mudança não ajudará o Brasil a acelerar a imunização. “Compra de vacina pelo setor privado é uma imoralidade, é antiético e ignorante. Não vai resolver o problema. Outra ideia de jerico é liberar a compra de vacinas que ainda não tenham o registro da Anvisa”, avalia.

O médico explica que, caso empresas sejam autorizadas a imunizar funcionários, o país terá bolsões de pessoas sem a proteção, o que aumenta o risco de transmissão da doença.

“A fila do SUS é organizada pelo risco de morrer. Se pessoas recebem antes desse público, está usurpando a possibilidade de alguém viver”, salienta.

A legislação atual permite a compra dos imunizantes pela iniciativa privada, mas exige que todo o estoque seja doado ao SUS até que a vacinação dos grupos prioritários seja concluída.

A mudança é defendida pelo novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. “Não é o momento de ficar ‘Ah, porque o privado vai furar a fila’. É preciso parar com isso, vamos nos unir”, declarou Queiroga. Fabricantes afirmam que não pretendem negociar com grupos particulares.

O Brasil ultrapassou 13 milhões de casos confirmados do novo coronavírus e mais de 340 mil óbitos em decorrência da doença.

Até o momento, o Ministério da Saúde aplicou 25 milhões de doses da vacina (entre primeira e segunda doses). Atualmente, o país é o epicentro da doença no mundo.

Gestão da pandemia

Com experiência em gestão de saúde pública, Vecina considera que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) conduziu mal o enfrentamento da pandemia e que isso degringolou a situação do país.

“A condução é desastrosa. Estamos tratando essa doença com descaso. Não tivemos liderança, pelo contrário. Vimos negação do isolamento, do uso de máscara e de compra de vacina”, critica.

Para ele, o modo que o Ministério da Saúde estruturou a campanha de vacinação é ruim. “É erro em cima de erro. A forma de dirigir o Programa Nacional de Imunização (PNI) foi falha. Estamos vendo o resultado disso agora”, conclui.

Ele faz um alerta sobre a gestão do Ministério da Saúde. “A pasta está fragilizada. Perdeu técnicos e credibilidade. Tem que conquistar o mínimo de credibilidade com a sociedade. O Ministério da Saúde está extremamente fragilizado após a militarização que ocorreu na sua estrutura”, pondera.

 

 


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