Qualquer discurso sobre a deontologia dos magistrados deve partir, a meu ver, de um pressuposto elementar: a consciência, que deveria sempre auxiliar qualquer juiz e qualquer promotor, de que o Poder Judiciário é um "poder terrível", como escreveu Montesquieu
[1], ou pior, "odioso", como o chamou Condorcet
[2]. Aliás, todos os poderes são odiosos. Mas mais do que qualquer outro é o poder judicial, especialmente o Direito Penal, pois, mais diretamente do que qualquer outro poder público, é um poder do homem sobre o homem, cujo exercício afeta a liberdade, a reputação e, portanto, a vida das pessoas.
Mas o Judiciário é um poder terrível também por outro motivo: pelo caráter sempre imperfeito da sua fonte de legitimação. Esta fonte consiste na chamada "verdade processual". Diferentemente de todas as outras atividades jurídicas precetivas — leis, medidas administrativas, transações privadas, cuja validade nada tem a ver com a verdade — a jurisdição é uma atividade teórica, mas também prática ou prescritiva. Digamos que uma sentença ou medida restritiva de algum modo da liberdade pessoal é justa, bem como válida, se e somente se consideramos que suas razões são "verdadeiras", de fato e de direito. Ao mesmo tempo, podemos falar de "verdade" dessas razões, visto que o Direito aplicado foi absolutamente positivado pelo Direito, que por sua vez está vinculado às normas constitucionais e aos direitos fundamentais nelas consagrados.
Mas sobre a "verdade", como bem sabemos, pode-se falar, em nível epistemológico, somente em sentido relativo, uma vez que a verdade absoluta não pode ser predicável a partir de nenhuma tese empírica. A legitimação das decisões judiciais é, portanto, sempre imperfeita e incerta. Apenas as teses da lógica e da matemática são absolutamente verdadeiras, simplesmente porque são tautológicas. As teses judiciais, como todas as teses empíricas, inclusive as científicas, só são aceitas como verdadeiras com base em sua motivação mais ou menos plausível. Precisamente, sua verdade factual, argumentada por evidências e não refutada por contra evidências, é apenas uma verdade probabilística, enquanto sua verdade jurídica, argumentada pela interpretação das regras aplicadas aos fatos estabelecidos, é apenas uma verdade questionável.
Bem, todas as regras da deontologia judiciária são, na minha opinião, deriváveis, direta ou indiretamente, dessa natureza cognitiva da jurisdição. O julgamento — seja penal, civil, administrativo ou constitucional — é sempre fruto do saber-poder: é tão mais legítimo quanto mais prevalece o conhecimento, é tão mais ilegítimo quanto maior o espaço, chegando à discrição, que tem nele o poder. A tal ponto que — bem podemos dizer — as regras da deontologia dos magistrados visam todas reduzir o poder e alargar o conhecimento.
1. O respeito pelas garantias — Obviamente, é o que se pode dizer da primeira das nossas regras deontológicas: o estrito cumprimento das
garantias do juízo correto pelo seu valor epistemológico, ético e político, bem como jurídico. Todas essas garantias são de fato
garantias de verdade, bem como de liberdade. Precisamente, no Direito Penal são
garantias de verificabilidade e
falseabilidade em abstrato, as garantias substanciais, ou seja, o princípio da legalidade estrita ou da obrigatoriedade das figuras do crime, o princípio da materialidade da ação, o da ofensividade do evento e o da responsabilidade do autor; enquanto são
garantias de verificação e
falsificação na prática as garantias processuais, ou seja, a publicidade da sentença, o ônus da prova e o direito de defesa. E, no entanto, embora sejam capazes de limitar e vincular o poder punitivo, essas garantias não são suficientes para anulá-lo. De todo modo, há sempre uma margem de arbítrio, ligada à irreprimível discricionariedade judicial na avaliação das provas e na interpretação da lei.
2. A ética da dúvida — Daí a segunda regra deontológica: a consciência epistemológica do caráter somente relativo da verdade processual e, portanto, a ética da dúvida como elemento essencial da deontologia judiciária. Essa ética da dúvida envolve a rejeição de qualquer arrogância cognitiva, a prudência do julgamento — daí o belo nome “juris-prudência” — como um estilo moral e intelectual da prática judiciária e, em geral, das disciplinas jurídicas. Segue-se uma outra consciência que deveria auxiliar sempre o exercício da jurisdição: a de uma margem irredutível de ilegitimidade do Judiciário devido à permanente possibilidade de erro; uma possibilidade que o estrito cumprimento das garantias pode reduzir, mas certamente não eliminar. Além disso, todos os poderes têm uma margem irredutível de ilegitimidade ligada ao caráter sempre imperfeito da sua fonte de legitimação, seja a representatividade política das funções de governo ou a busca do interesse público por parte das funções administrativas.
3. Ouvir as razões opostas — Desta consciência segue-se uma terceira regra deontológica: a disponibilidade dos juízes, mas também dos promotores, para ouvir todas as razões diferentes e opostas e a exposição de suas hipóteses à refutação e à falsificação, legal e factual. É nesta disponibilidade tanto do julgamento como do Ministério Público de se exporem e se submeterem à refutação dos réus em juízo — de acordo com o princípio clássico formulado por Karl Popper da falseabilidade como banco de prova da consistência e plausibilidade de qualquer tese empírica — que reside o valor ético, assim como epistemológico, do público contraditório na formação da prova.
Essa disponibilidade exprime uma atitude de honestidade intelectual e responsabilidade moral, baseada na consciência da natureza não mais do que probabilística da verdade factual. Ela exprime o próprio espírito do processo acusatório, em oposição à abordagem inquisitorial, cujo traço inconfundível e falacioso é antes a resistência do preconceito acusatório a qualquer negação ou contraprova: isto é, a petição de princípio, em virtude da qual a hipótese acusatória, que deveria ser sustentada por evidências e não minada por contraprovas, é de fato irrefutável porque é assumida indiscutivelmente como verdadeira e, portanto, funciona como um critério para orientar as investigações e como um filtro seletivo de provas: críveis se a confirmam, não críveis se a contradizem.
4. A imparcialidade de julgamento — Esta disponibilidade para ouvir todas as razões opostas é o elemento constitutivo de uma quarta regra deontológica: a imparcialidade de julgamento e também de investigações preliminares. O processo, como Cesare Beccaria e ainda antes Ludovico Muratori escreveram, deve consistir na "indiferente busca da verdade". É nessa indiferença, que é típica de toda atividade cognitiva e envolve a constante disponibilidade para renunciar às próprias hipóteses diante de suas negações, que se baseia o tipo de processo que Beccaria chamou de "informativo", por oposição ao que ele chamou de "processo ofensivo", no qual, escreveu ele, "o juiz torna-se inimigo do réu" e "não busca a verdade do fato, mas busca o crime no prisioneiro, e o cerca, e acredita que perderá se ele não consegue, e por fazer mal àquela infalibilidade que o homem se arroga em todas as coisas"
[3]. É claro que esta quarta regra deontológica exclui a ideia do acusado como um inimigo, mas também, de forma mais geral, qualquer espírito partidário ou sectário. Mas também exclui a ideia, frequente nos promotores, de que o julgamento é uma arena em que se ganha ou se perde. O Ministério Público não é advogado. E o julgamento não é um jogo em que, para retomar as palavras de Beccaria, o investigador perde se não consegue fazer prevalecer seus argumentos.
Segue-se o valor da confidencialidade do magistrado quanto aos processos que possui. O que os juízes devem ter cuidado para evitar, na sociedade do espetáculo de hoje, é qualquer forma de protagonismo judicial e exibicionismo que inevitavelmente comprometa a imparcialidade. Compreendemos a tentação, para aqueles que são detentores de um poder tão terrível, de ceder à tentação do aplauso e da auto comemoração como um bom poder, guardião do verdadeiro e do justo. Mas essa tentação arrogante deve ser firmemente rejeitada. A figura do "juiz estrela" ou "Juiz Estella", como é chamada na Espanha, é a negação do modelo garantista de jurisdição. Não apenas contradiz o costume da dúvida que mencionei antes, mas corre o risco de submeter o trabalho do juiz à busca demagógica por notoriedade e popularidade. Sabemos bem, tendo experimentado isso nos últimos anos, o quanto o populismo político é uma ameaça à democracia representativa. Mas ainda mais intolerável é o populismo judicial. Ao menos o populismo político visa fortalecer, ainda que demagogicamente, o consenso, ou seja, a fonte de legitimidade que pertence aos poderes políticos. O populismo judicial é muito mais sério, especialmente quando serve como um trampolim para carreiras políticas.
5. A rejeição do criacionismo judicial — Da natureza cognitiva do julgamento segue então uma quinta regra deontológica: a rejeição do criacionismo judicial. Como bem sabemos, os espaços de discricionariedade interpretativa no exercício da jurisdição são enormes e crescentes, devido à inflação regulatória, à ruptura da linguagem jurídica e à estrutura multinível da legalidade. A última coisa que se precisa é, portanto, que a cultura jurídica, através da teorização e endosso de um papel abertamente criativo do novo direito confiado à jurisdição, contribua para aumentar esses desequilíbrios, apoiando e legitimando uma nova expansão dos espaços já amplíssimos de discricionariedade e argumentação judicial, até a anulação da separação de poderes, o declínio do princípio da legalidade e a transformação da subordinação dos juízes à lei em supra ordenação.
É justamente essa legitimação que hoje se presta à expansão extrajudicial do Poder Judiciário por meio de abordagens doutrinárias múltiplas e heterogêneas: das orientações kelseniana e pós-kelseniana do tipo positivista paleolegal às orientações principialistas de caráter neo-naturalista; das linhas da hermenêutica jurídica àquelas dos neopandetistas, passando pelas várias correntes do realismo jurídico, tudo em prol do desenvolvimento de um direito jurisprudencial desvinculado do direito legislativo. Na base de todas essas diferentes orientações, há um equívoco epistemológico, que consiste em uma concepção estreita e insustentável do conhecimento jurídico como conhecimento objetivo e da verdade jurídica como verdade absoluta. É necessário opor duas teses a esse equívoco. A primeira é a já ilustrada do caráter somente relativo, probabilístico de fato e questionável de direito, da verdade processual, cuja aceitação exige sempre uma decisão. A segunda é a identificação de uma outra dimensão cognitiva do julgamento, além da dimensão probatória da verdade factual e interpretativa da verdade jurídica, que dá conta de seus chamados espaços “criativos”: a dimensão equitativa do julgamento, totalmente compatível, como veremos agora, com o princípio da legalidade e com a sujeição dos juízes à lei.
6. A compreensão e avaliação equitativa da singularidade de cada caso — Chego, assim, à sexta regra da deontologia judiciária: a tarefa dos juízes de avaliar e compreender, caso a caso, as características específicas e singulares dos fatos submetidos à sentença, além de suas evidências factuais e sua qualificação jurídica. Há um equívoco epistemológico que sempre pesou na concepção de equidade, concebida, desde Aristóteles até os dias atuais, como exceção à lei, ou seja, como exceção, ou correção, ou mitigação de sua dureza ou semelhantes. Pelo contrário, a dimensão equitativa pertence inevitável e fisiologicamente a cada juízo penal, correspondendo também a uma atividade cognitiva: à compreensão das conotações específicas e irrepetíveis que, para além do juízo de verdade ou falsidade factual e jurídica sobre as teses que apurem a responsabilidade, tornam todo fato diferente de qualquer outro, mesmo que todos subsumíveis dentro do mesmo caso jurídico. O furto de maçãs é diferente do furto de um bilhão; o roubo em estado de necessidade é diferente daquele do puro opressor.
Esta sexta regra deontológica é, portanto, a da equidade, que é uma dimensão cognitiva do julgamento, geralmente ignorada, que nada tem a ver com as outras duas dimensões cognitivas tradicionais do raciocínio judicial, ou seja, com a correta interpretação da lei na apuração a verdade jurídica e com a avaliação fundamentada das evidências na apuração da verdade factual. Ela diz respeito à compreensão e avaliação das circunstâncias singulares e irrepetíveis que tornam cada fato, de cada caso submetido a julgamento, um fato e um caso irredutivelmente diferentes de qualquer outro, ainda que subsumível — por exemplo, o furto de uma maçã em comparação com o furto de um diamante — à mesma particularidade legal. É assim porque todo fato é diferente de qualquer outro, e o juiz, mas antes dele o Ministério Público, não julga e não apura os fatos do crime em abstrato, mas os fatos em concreto, com as suas conotações específicas e irrepetíveis que devem, portanto, ser submetidos ao seu entendimento. Fica então evidente que compreender o contexto, as circunstâncias concretas, as razões singulares do fato envolve sempre uma atitude de indulgência, sobretudo a favor dos sujeitos mais frágeis
[4].
7. "Nolite iudicare": julgamentos sobre fatos e não sobre pessoas — Essa dimensão equitativa da jurisdição sugere uma sétima regra deontológica, também ligada à legitimação da jurisdição, especialmente penal, como atividade cognitiva. Justamente por basear o julgamento na apuração dos fatos empíricos concebidos por lei como crimes verdadeiros ou falsos, o modelo garantista penaliza atos e não autores, fatos e não sujeitos, comportamentos e não identidades. O juiz não deve, portanto, investigar a alma do acusado, mas apenas decidir sobre a verdade dos fatos contra ele. Em virtude do princípio da legalidade, em suma, pode-se julgar e punir
pelo que se fez e não
pelo que se é. Até porque apenas os fatos, e não também a moralidade ou o caráter ou outros aspectos da personalidade do réu estão sujeitos à prova e à refutação empírica e, consequentemente, a julgamento.