21/04/2022 às 06h37min - Atualizada em 21/04/2022 às 06h37min

Polêmica: Governo de Goiás quer abrir lago de abastecimento para lazer

Atividades de pesca, canoagem e até churrasco podem ser autorizadas após aprovação de plano de manejo feito por secretaria estadual

Goiânia – Projeto do Governo de Goiás quer liberar o reservatório da Barragem João Leite e do Parque Estadual Altamiro de Moura Pacheco para práticas de lazer, como pesca, canoagem e até churrasco. O espelho d´água é responsável pelo abastecimento público da capital e região metropolitana. O plano prevê a construção de complexo náutico equivalente a 65 campos de futebol, em área a ser devastada para o empreendimento.
 
O Ministério Público, a Polícia Civil, a Ordem dos Advogados do Brasil em Goiás (OAB-GO) e entidades ligadas à preservação do meio ambiente repudiaram o plano do governo estadual. Até o dia 28 de abril, qualquer pessoa pode participar da consulta pública sobre a proposta no site da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad).
 
O novo complexo visa atrair o público e deve se estender por uma área entre Goiânia, Goianápolis, Nerópolis e Terezópolis de Goiás. A proposta foi apresentada a público restrito durante audiência, na segunda-feira (18/4), mas provocou críticas. Procurada pela reportagem, a secretária estadual do meio ambiente de Goiás, Andréa Vulcanis, não quis se manifestar.
 
“Ação judicial”
O promotor de Justiça Juliano de Barros Araújo, que atua na área do meio ambiente pelo MPGO, disse desconhecer qualquer estudo técnico que fundamente o projeto do governo estadual para práticas de lazer. Segundo ele, o estado não cumpriu programas do Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental do João Leite (APAJoL) que buscam proteger o reservatório destinado ao abastecimento público.
 
“O uso é para abastecimento humano. Se a intenção for autorizar o uso do reservatório para lazer, iremos entrar com ação judicial”, alertou o promotor. “Que isso não ocorra enquanto não forem implementados todos os programas de proteção ambiental”, acrescentou Araújo.
 
Pela proposta do governo, poderão ser instaladas estruturas e equipamentos para a visitação e uso coletivo nas áreas dos lagos. Os locais poderão ter estradas, trilhas, edificações e estruturas de apoio. Além disso, também estão previstas rampas para pequenas embarcações, piers e guarda barcos.
 
O plano também permite a derrubada de árvores nativas e proíbe o uso de fogo nas unidades de conservação, mas permite churrasqueiras, que poderão ser colocadas em locais definidos.
 
O documento ainda prevê a instalação de um sistema adequado para o tratamento de resíduos e esgoto, para evitar a contaminação do solo e da água.
 
“Pernicioso”
Diretor técnico da Associação para Recuperação e Conservação do Ambiente (Arca) e especialista em planejamento urbano e ambiental, Gerson de Souza Arraes Neto ressaltou que o governo goiano está alinhado à política nacional de concessão de parques públicos. “A primeira e mais pesada foi com o leilão na bolsa para a concessão do Parque de Itaipu”, lembrou.
 
“Em Goiás, o grande interesse disso é a ocupação imobiliária do Entorno usando a estrutura de valorização da terra que querem vender na região. Aí que está o real interesse econômico. É muito pernicioso e problemático”, destacou Arraes. Ele explicou que loteamentos desenfreados poluem o lençol freático, prejudica nascentes e “arrebentam o meio ambiente”.
 
“Risco de conflito”
Titular da Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra o Meio Ambiente (Dema), o delegado Luziano Carvalho também criticou o projeto do governo goiano e ressaltou a importância de a população se conscientizar “sobre a necessidade de proteger o reservatório”.
 
“O uso dele é exclusivo para abastecimento público de água. Não pode ter utilidade múltipla. Vamos criar essa cultura, proibindo recreação, turismo, pesca, banho [no local]”, afirmou o delegado. “Qualquer atividade socioeconômica não pode sequer ter risco de conflito com o uso da água para abastecimento público”, asseverou ele.
 
O presidente da Comissão de Direito Ambiental da OABGO, Eduardo Nascimento de Moura, disse que a medida revela a “falta de bom senso” por parte do estado. Assim como o Ministério Público, a Ordem também informou que não recebeu qualquer estudo técnico sobre a proposta.
 
“Não vamos nos calar e aceitar esse tipo de situação, porque tem repercussão ambiental e social muito grave. Estamos falando de água que pode ser contaminada. Se isso ocorrer, mais uma vez, o pobre vai pagar por isso, porque não pode ter água filtrada nem comprar água mineral. Isso pode provocar impactos na saúde pública. Vamos ter pessoas adoecidas em razão do uso dessa água”, disse o advogado.
 
Como fica
Em nota, o Governo de Goiás informou que ainda não autorizou a utilização da área do reservatório do Ribeirão João Leite para fins recreativos e que não há mudanças em relação ao uso dos seus recursos hídricos. Segundo o texto, na última segunda-feira (18/4), houve uma consulta pública para tratar dos planos de Manejo e Uso Público e da Zona de Amortecimento do Parque Estadual Altamiro de Moura Pacheco (Peamp) e Parque Estadual do João Leite (PEJoL).
 
De acordo com a nota, as propostas que integram os planos de Uso Público, de Manejo e a Zona de Amortecimento dos parques são confeccionadas após estudos técnicos rigorosos, elaborados por corpo técnico especializado e responsável.
 
Se o plano for aprovado, o próximo passo da Semad é abrir uma licitação para terceirizar a administração dos parques para que seja instalada a atividade comercial, além de implantar cobrança de entrada nos locais. Os valores e as datas ainda não foram definidas pela secretaria.
 
Outras polêmicas
No ano passado, o governo do estado se envolveu em outras polêmicas relacionadas ao meio ambiente. Em um dos episódios, construção de complexo arquitetônico na Chapada dos Veadeiros, no nordeste do estado. Polêmico, o Projeto Gênesis levantou uma série de críticas da população, por causa de obras até com teleféricos para atração de especulação imobiliária para a região com orçamento inicial de R$ 4 milhões.
 
Em outra situação, moradores e ambientalistas criticaram a construção do Caminho de Cora, num percurso de 330 km. Desse total, 42 km seriam dentro de unidades de conservação oficialmente reconhecidas, como os parques dos Pireneus, em Pirenópolis, um dos maiores destinos turísticos de Goiás, e da Serra de Jaraguá, em Jaraguá.
 
Além disso, em outro episódio, o governo do estado calculou gasto de pelo menos R$ 20,1 milhões com desapropriação de 34 imóveis particulares na área do Parque Estadual de Terra Ronca, conhecido por sua grande variedade de cavernas, no nordeste goiano


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