Os desdobramentos da Operação Lava Jato atingiram em cheio o cerne da política brasileira em âmbito nacional. Como centro do poder brasileiro, é óbvio que o Distrito Federal não passaria ileso pela iniciativa da Polícia Federal e do Ministério Público: de acordo com uma pesquisa feita por empresa de consultoria, 24,3% das Pessoas Expostas Politicamente (PEPs) citadas na Lava Jato têm atuação na capital federal, e o DF aparece na lista como líder disparado em relação às outras unidades da Federação.
Os dados fazem parte de um estudo da AML Consulting, empresa especializada em serviços de prevenção à lavagem de dinheiro. As Pessoas Expostas Politicamente são aquelas que ocupam ou já ocuparam cargos, empregos ou funções públicas de relevância, eleitos ou nomeados. Entram na lista, por exemplo, governadores, prefeitos, deputados, ministros, presidentes de empresas públicas, entre outros. Segundo o levantamento, das 916 PEPs citadas na Lava Jato, 223 são do DF.
O número é bem maior que o do segundo colocado, o estado de São Paulo, onde atuam 75 (8,1%) dos indivíduos que aparecem nas investigações. Também estão na parte superior do ranking o Rio Grande do Sul (8%), o Rio de Janeiro (7%) e a Bahia (6,2%).
A pesquisa leva em consideração apenas as PEPs titulares, ou seja, agentes públicos que efetivamente ocuparam cargos. Como concentra o governo federal, Brasília tem uma certa “vantagem” em relação às outras unidades federativas. As figuras do alto escalão do Executivo nacional e os diretores de autarquias da União entram na conta do DF. Por isso, os ministros citados em delações e até o presidente Michel Temer fazem parte da estatística.
Crimes econômicos
O levantamento traz ainda informações sobre a incidência de crimes econômicos que envolvem agentes públicos em todo o Brasil – o DF aparece em segundo lugar, atrás apenas de São Paulo. De acordo com os dados, 874 (6,9%) Pessoas Expostas Politicamente na capital federal foram apontadas como envolvidas com crimes econômicos. A lista é composta ainda por Bahia, Minas Gerais e Paraná. Segundo a AML, as transgressões mais frequentes são corrupção, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.
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Figuras locais
No entanto, os investigados da Lava Jato no DF não se restringem só a figuras nacionais, chegando também a importantes personagens da política local. Há apenas três semanas, dois ex-governadores e um ex-vice-governador do Distrito Federal foram presos no âmbito da Operação Panatenaico, desdobramento da Lava Jato. José Roberto Arruda (PR), Agnelo Queiroz (PT) e Tadeu Filippelli (PMDB) ficaram oito dias detidos por conta de suspeitas de fraudes em grandes obras do GDF, como o Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha.
Além dos três, a lista de agentes públicos de Brasília atingidos pela operação conta com mais de uma dezena de nomes. Também foram presos, na ocasião, Maruska Lima e Nilson Martorelli – ex-presidentes da Terracap e da Novacap, respectivamente – e o ex-secretário da Copa do Mundo 2014, Cláudio Monteiro. A Polícia Federal deteve ainda o ex-secretário do GDF Afrânio Roberto de Souza Filho. Apesar de não ter sido alvo da operação, pois goza de foro privilegiado, o deputado federal Rogério Rosso (PSD-DF) teve seu nome mencionado na Panatenaico.
Em delações de executivos das empreiteiras Andrade Gutierrez e Odebrecht aparecem também figuras como os ex-secretários do GDF Márcio Machado e Hermano Carvalho, o ex-presidente da Terracap Abdon de Araújo, o deputado distrital Robério Negreiros (PSDB) e o ex-deputado federal Geraldo Magela (PT).
1/7José Roberto Arruda: ex-governador do DF é apontado pela investigação como o mentor de “toda a fraude licitatória e os crimes daí derivados ao articular a saída de outras construtoras do certame e ao apontar/determinar desde logo os vencedores”
2/7Agnelo Queiroz: ex-governador do DF. O petista executou a obra de construção do Mané Garrincha
3/7Nelson Tadeu Filippelli: ex-vice-governador do DF, segundo investigadores, "se associou e cometeu delitos de corrupção e lavagem de dinheiro, entre outros a serem apurados, tendo feito diversos pedidos de propina da Andrade Gutierrez"
4/7Segundo delator da Andrade Gutierrez, um interlocutor do deputado Rogério Rosso pediu R$ 12 milhões de propina referente ao Mané Garrincha. Executivo da empreiteira disse que a empresa negou a cobrança e acabou repassando "apenas" R$ 500 mil ao então governador-tampão do DF em 2010
5/7Maruska Lima: ex-presidente da Terracap durante o governo Agnelo é acusada de receber R$ 500 mil em propina
6/7Nilson Martorelli, ex-presidente da Novacap, foi alvo da delação de Rodrigo Leite como um dos beneficiados de propina paga durante os aditamentos contratuais da reforma do estádio. Durante Operação da PF na casa dele, foi encontrada uma “grande quantidade de dinheiro suspeito” dentro de um cofre. A cifra é de R$ 268.147,54
7/7Fernando Queiroz, dono da Via Engenharia, é suspeito de fraudar a licitação para a construção do estádio Mané Garrincha em troca de pagamento de propina aos ex-governadores Agnelo Queiroz e José Roberto Arruda
Interesses individuais
De acordo com Alexandre Botelho, sócio-fundador da AML Consulting, as estatísticas ilustram um cenário preocupante: “Trata-se de um ambiente pautado por interesses individuais, com decisores de leis e processos regulatórios trabalhando em causa própria e gerando um cenário de instabilidade jurídica e econômica de forte impacto no mercado”, afirma.
O analista ressalta ainda outro dado presente na pesquisa: a participação de empresas na corrupção. De acordo com Botelho, para cada agente público citado na Lava Jato, existe uma média de quatro corruptores. “Identificamos mais de 11 mil pessoas físicas e jurídicas que têm ligação com a maior operação que está acontecendo em nosso país. Isso mostra que esses crimes ocorrem devido também à contribuição e participação significativa do setor privado”, explica.
A pesquisa foi feita por meio da plataforma “Risk Money”, que reúne 714 perfis cadastrados e organiza informações sobre pessoas físicas e empresas associadas a atividades ilícitas vinculadas a crimes financeiros ou infrações penais que podem anteceder à lavagem de dinheiro. O Metrópoles acionou o Ministério Público Federal (MPF) para comentar os dados, mas não obteve resposta até a última atualização desta reportagem.