Como ministro das Comunicações do governo Lula, Juscelino Filho tem por atribuição tocar políticas públicas relacionadas às áreas de radiodifusão e de telecomunicações, mas ultimamente tem se mostrado bastante empenhado em solucionar um assunto espinhoso que nada tem a ver com a pasta que comanda.
Usando do poder que tem como integrante do primeiro escalão do governo, ele vem pressionando a Codevasf, companhia estatal que nos últimos anos se transformou em um tamborete de negócios escusos do Centrão, a fazer chegar a uma empresa suspeita de envolvimento em irregularidades milhões de reais de emendas que ele próprio destinou ao Maranhão como deputado federal.
Seria até justificável se o ministro estivesse interessado apenas na liberação das verbas para seu estado-natal, mas chama atenção o esforço dele para que o dinheiro vá especificamente para a Engefort, empreiteira maranhense ligada a políticos e apontada como integrante de um cartel especializado em desviar recursos da Codevasf.
Juscelino Filho chegou a ir pessoalmente à Superintendência da Codevasf no Maranhão para defender que seja mantida uma concorrência suspeita na qual a Engefort foi escolhida para abocanhar um contrato de R$ 54 milhões em obras.
Desse valor, R$ 30 milhões têm origem em emendas federais enviadas ao estado pelo próprio ministro, no período em que era congressista, de acordo com informações internas da estatal. Também foi ele quem definiu onde os recursos deveriam ser alocados.
Um detalhe: a visita em que Juscelino pressionou a Codevasf para que os recursos sejam destinados à Engefort, no último dia 17, às vésperas do Carnaval, não foi registrada em sua agenda oficial. O compromisso aparece apenas na lista de reuniões do escritório da companhia em São Luís.
O esforço de Juscelino Filho em favor da Engefort tem relação direta com as suspeitas que pairam sobre a empreiteira: a concorrência que o ministro quer que seja mantida corre risco de ser anulada porque a Controladoria-Geral da União, a CGU, encontrou irregularidades no processo.
A própria Codevasf no Maranhão admitiu a existência de problemas e concordou com o cancelamento do pregão. Só que Juscelino entrou em ação para que o contrato saísse do papel. As primeiras iniciativas dele ocorreram no ano passado, ainda como deputado federal.
Juscelino chegou a envolver o comando da Codevasf, em Brasília, na tentativa de ver seu pleito atendido: em dezembro de 2022, o presidente da companhia, Marcelo Moreira, fez gestões junto à CGU para que o contrato seguisse com a Engefort.
Na ocasião houve sinal verde, mas a área técnica da Codevasf no Maranhão resiste a revalidar o pregão temendo problemas futuros.
Juscelino resolveu, então, tratar da questão pessoalmente do tema, já como ministro de Estado.
Na reunião às vésperas do Carnaval com o superintendente da companhia no Maranhão, Celso Dias, ele foi taxativo ao pedir que o pregão seja validado — o que, na prática, fará com que os recursos sigam para a Engefort.
O encontro foi discreto. Ocorreu na sexta-feira pré-feriado, no horário do almoço, quando o movimento na superintendência já é naturalmente menor.
Além de o próprio Juscelino Filho não anotar a reunião em sua agenda oficial, o superintentente, que costuma exibir fotos de suas reuniões com políticos nas redes sociais, desta vez não publicou nada.
A despeito do cuidado especial e da discrição, a reunião com o ministro foi acompanhada por pelo menos outros dois funcionários da Codevasf. Nos bastidores da companhia, circulam rumores de que a conversa foi gravada por pelo menos um dos presentes.
Procurado para explicar por que, no cargo de ministro das Comunicações, vem pressionando a Codesvasf para liberar recursos para uma empresa suspeita de envolvimento em irregularidades, Juscelino Filho não se manifestou até o momento.
Com sede em Imperatriz, cidade do interior maranhense, nos últimos quatro anos a Engefort recebeu pelo menos R$ 25 milhões em verbas públicas que tinham origem em emendas parlamentares do hoje ministro.
A empreiteira é próxima da família de Juscelino. Em 2020, o pai do ministro, o ex-prefeito e ex-deputado estadual Juscelino Rezende, chegou a participar de uma reunião da Engefort com dirigentes da Codevasf no Maranhão.
Médico, Juscelino Filho foi indicado para o primeiro escalão de Lula pelo União Brasil, partido que tem conquistado espaços importantes no governo mediante a promessa de apoio no Congresso Nacional. O União Brasil nasceu da fusão do DEM com o PSL, sigla que em 2018 abrigou a candidatura vitoriosa de Jair Bolsonaro à Presidência.
Mais uma empresa complicada
Além da Engefort, outro assunto relacionado a mais uma empresa igualmente enrolada tem motivado gestões do ministro junto à Codevasf.
Na mesma reunião, Juscelino quis saber sobre uma espécie de auditoria que havia sido feita em obras da Construservice, uma das campeãs de contratos suspeitos na companhia, no município maranhense de Vitorino Freire, reduto político de sua família.
A atual prefeita da cidade é Luanna Bringel, irmã do ministro.
A pedido da CGU, a Codevasf havia reavaliado as obras da Construservice no município porque o fiscal do contrato era um técnico que, no ano passado, foi alvo de uma operação da Polícia Federal por suspeita de ter recebido R$ 250 mil para beneficiar a empreiteira.
Na verificação, foi descoberto que, apesar de a Construservice já ter recebido uma parte significativa do valor do contrato, as obras pouco haviam andado. No encontro, Juscelino se mostrou preocupado com a repercussão do assunto.
Também ligada a políticos do Maranhão, a Construservice tem como proprietário de fato Eduardo José Barros Costa. Conhecido como “Eduardo Imperador”, o empreiteiro é amigo de longa data do ministro Juscelino Filho.
No ano passado, ele chegou a ser preso pela PF no curso de investigações sobre desvio de recursos da Codevasf.