02/03/2023 às 06h53min - Atualizada em 02/03/2023 às 06h53min

“Mandaram matar os baianos”, diz resgatado de vinícola no RS

Em depoimento, homens resgatados de situação análoga à escravidão revelaram as condições insalubres nas quais viviam em vinícola do RS

Pedro Almeida
Metrópoles

  
Três homens resgatados de situação análoga à escravidão em vinícola no Rio Grande do Sul prestaram depoimento ao Ministério Público do Trabalho (MPT). Um deles informou ter escutado uma ordem de “matar os trabalhadores baianos”. Ele relata que, na véspera da fuga, foi encurralado por quatro seguranças, que o espancaram com cabo de vassoura, usaram spray de pimenta e o morderam.
Nos relatos, o trio também descreve agressões, refeições com aspecto estragado e jornada de trabalho exaustiva. As informações são do jornal O Globo, que teve acesso ao documento.
Empregados pela empresa Fênix Prestação de Serviços, que operava de forma terceirizada em vinícolas como Aurora, Salton e Cooperativa Garibaldi, os três homens decidiram, no dia 21 de fevereiro, enviar um vídeo no grupo de WhatsApp da empresa para denunciar as condições de trabalho. Na gravação, o trio, encharcado, revela o prato de comida que haviam recebido: arroz, feijão e frango com aspecto estragado.
No depoimento, os trabalhadores relatam mais do cotidiano vivido na vinícola. Após a colheita, eles eram recebidos no alojamento por seguranças do chefe da empresa. Agressões em formas de mordidas, choques, socos e enforcamentos era o tratamento comum dado a eles.
Vindos da Bahia, os homens chegaram a Bento Gonçalves, município do Rio Grande do Sul, para trabalhar nas vinícolas. O acordado em contrato assinado foi de que eles trabalhariam durante 45 dias, com jornada diária de 15 horas, por um valor de R$ 3 mil. O montante nunca foi pago.
O dono da empresa operava um pequeno mercado dentro da vinícola, onde vendia itens básicos aos trabalhadores. Em posse de R$ 400, dado pelo empregador, os homens poderiam comprar no local. O valor dos produtos, contudo, estava muito acima do preço normal de mercado. Para ilustrar, um pacote de biscoito de água e sal era vendido a R$ 15.
No que diz respeito à higiene, o alojamento tinha quatro privadas para mais de 200 trabalhadores. Os quartos eram compostos por beliches amontoados e não recebiam qualquer tipo de limpeza ou manutenção.
Relatos
Um dos homens, de 36 anos, conta que eles tinham de usar a própria roupa de cama e travesseiro. Como alguns não dispunham, precisavam improvisar com mochilas e outros objetos.
Outro trabalhador, de 20 anos, aponta que foi acordado com choques. Sobre o trabalho, ele diz que os equipamentos de proteção se resumiam a um par de luvas e botas. Os objetos, de baixa qualidade, rasgaram com rapidez e não foram substituídos. Ele ressalta que o contrato previa a cessão de óculos de sol e protetor solar, o que não aconteceu.
O terceiro homem, de 23 anos, completa que a marmita não vinha acompanhada de talheres. Os trabalhadores que não tivessem, tinham de usar a tampa da marmita de forma improvisada. Ele acrescenta que a água também era responsabilidade dos empregados.
Nos relatos, um deles revela ter desmaiado durante o trabalho. Um dos funcionários da empresa o levou de carro ao hospital. Na volta, ele teve de caminhar por 4 km. Outro homem alega ter visto dois trabalhadores se esfaquearem e, ainda assim, irem trabalhar no dia seguinte.
Os funcionários da empresa andavam sempre armados e ameaçavam os empregados. “Fomos agredidos com uma cadeira de ferro na cabeça e socos na cabeça e nos braços. Durante as agressões, fomos ameaçados de morte.”, revela um dos homens.
A fuga ocorreu no dia 22 de fevereiro. O grupo pulou da janela do alojamento para uma laje vizinha, que ficava a uma queda de 2 metros. Dali, foram mais 5 metros em um pulo para um jardim à altura do chão. Com um celular escondido, um dos homens pediu dinheiro à família e chamou um carro de aplicativo.
O veículo os levou até um posto de gasolina em Garibaldi, onde eles se esconderam no banheiro. Pouco tempo depois, acionaram outro carro de aplicativo até a rodoviária local e partiram para Caxias do Sul. Durante a viagem, contataram um agente da Polícia Rodoviária Federal em um posto situado na estrada.
Repúdio
Em resposta, as vinícolas repudiaram os fatos relatados pelos trabalhadores. Elas alegam ter exterminado o contrato com a empresa Fênix Prestação de Serviços e anunciaram mudanças na fiscalização para que o evento não se repita. Além disso, dizem estar colaborando com as autoridades para que o caso seja devidamente investigado.
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