O Congresso Nacional retomou, esta semana, a análise de Medidas Provisórias (MPs). No entanto, parece não haver ainda data definida para acabar o clima ruim que se estabeleceu entre Senado Federal e Câmara dos Deputados a partir da postura de seus respectivos presidentes, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e Arthur Lira (PP-AL), justamente sobre o rito de tramitação das MPs. Após dias de encontros e movimentações do Legislativo e Executivo, o impasse entre Pacheco e Lira deve continuar até o fim desta semana, pelo menos.
Apesar das alternativas apresentadas para o trâmite, o senador não irá aceitar uma resolução sem acordo com os líderes da Casa Alta. Há encontro previsto para quinta-feira (30/3), com possibilidade de antecipação para esta quarta (29/3).
Os presidentes das duas casas que compõem o Poder Legislativo se encontraram nessa terça-feira (28/3). Na oportunidade, Pacheco demonstrou insatisfação quanto à proposta apresentada por Lira, elaborada em conjunto com as lideranças da Câmara, que já aceitaram o retorno das comissões mistas. A Casa Baixa quer maior proporção no colegiado, de três deputados para cada senador.
“Eu sempre avaliei essa composição desequilibrada de mais deputados e menos senadores, numa comissão mista do Congresso Nacional, com muita reserva”, avaliou Rodrigo Pacheco.
As comissões mistas são órgãos criados para análise das Medidas Provisórias, onde precisam ser aprovadas antes de serem encaminhadas ao Plenário da Câmara dos Deputados. Atualmente, a composição é de 12 deputados e de 12 senadores, quadro que Rodrigo Pacheco quer manter.
Após o encontro com Arthur Lira, o presidente do Senado conversou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Palácio do Alvorada. “Tratamos da tramitação das medidas provisórias e disse ao presidente que estamos trabalhando no encaminhamento da busca de um consenso”, disse o parlamentar.
Após a reunião com os líderes, Pacheco voltará a se encontrar com Lula. O governo, aliás, é parte interessada diretamente na questão. Interlocutores do Planalto avaliam que o Parlamento não deve esticar muito a corda até para não dificultar o andamento de questões centrais o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida, por exemplo. Estes programas sociais foram relançados sob nova roupagem pelo petista. Ambos estão baseados, justamente, em MPs. A avaliação é que o prolongamento do impasse, em última análise, não prejudicaria só o governo Lula, mas o país.
Apesar do presidente ter interesse direto na questão e estar participando das conversas com os presidente das casas legislativas, tentando colocar água fria na fervura, a ideia é não tomar partido. Lula não tem interesse em sinalizar que concorda mais nem com Pacheco e nem com Lira.
Enquanto isso
Enquanto o impasse permanece, o presidente da Câmara dos Deputados fez um gesto ao governo e determinou a votação das MPs herdadas do governo Bolsonaro (PL), com votação simbólica. Duas matérias foram aprovadas na segunda e outras duas nessa terça. Faltam seis.
A tramitação desses textos não está sob disputa e deve ser concluída ainda esta semana. Já as MPs do governo Lula, dentre as quais está a medida que aprova a composição dos ministérios e a que recria o Bolsa Família, conforme descrito acima, seguem incertas.
Há pressa porque essas MPs “caducam”, isto é, perdem a validade, em junho. Lira afirmou que, caso o impasse persista, haverá votação das medidas mais importantes de acordo com o rito atual. O restante, diante do desacordo, pode ser reenviado pelo governo na forma de projetos de lei.
Reação
A disputa entre o Senado e a Câmara dos Deputados começou na última quinta-feira (23/3). Foi quando Rodrigo Pacheco, que acumula à presidência do Senado também a presidência do Congresso Nacional, determinou que o rito para tramitação das Medidas Provisórias retorne à regra tradicional, com necessidade das comissões mistas.
Pacheco atendeu a uma questão de ordem do senador Renan Calheiros (MDB-AL), rival de Arthur Lira no estado nordestino. Isso acontece porque, durante a pandemia de Covid-19, o Congresso aprovou uma resolução para que, durante a emergência sanitária, as MPs entrassem em votação direto no plenário da Câmara, como forma de dar celeridade às decisões do Executivo. O rito excepcional, conhecido como “rito Covid”, dava mais poder aos deputados, que não queriam o retorno das comissões.
“Temos um compromisso com o Brasil; não é um compromisso com o governo necessariamente, é um compromisso com o Brasil de que medidas provisórias sejam apreciadas sob o rito previsto na Constituição Federal, com a instituição e a instalação imediata das comissões mistas, que serão compostas por deputados federais e e senadores”, disse Pacheco ao anunciar o retorno do rito tradicional.
No mesmo dia, Arthur Lira reagiu, pois a decisão de Pacheco estabeleceu que as MPs do governo anterior seriam votados pelo “rito Covid”, enquanto as do atual governo seriam analisadas de acordo com o rito determinado pela Constituição. O deputado chamou o senador de “incoerente” pela decisão.
“Com efeito, se o fundamento do Ato de Vossa Excelência é encerramento da Emergência Sanitária de Importância Nacional (Espin) e da calamidade pública, não se mostra coerente aplicar as medidas provisórias posteriores a 22 de maio de 2022 regimes diversos. É dizer: a transição de governos não é um marco temporal coerente com os fundamentos da decisão”, disse Lira, em ofício enviado a Pacheco.
Alternativas
Na segunda-feira (27/3), Lira se reuniu com líderes das bancadas em sua residência oficial, em Brasília. O grupo, formado por parlamentares da base do governo e também da oposição, discutiu por mais de duas horas as alternativas que foram apresentadas a Rodrigo Pacheco no dia seguinte. Do encontro, saíram duas propostas para a manutenção das comissões mistas.
• A primeira é a apresentação e aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para que seja possível a definição de um prazo para funcionamento das comissões através de resolução do Congresso. Isso atenderia à demanda do Senado por mais tempo para análise das MPs.
• A segunda é a alteração, através de resolução do Congresso Nacional, da proporção de senadores e deputados nas comissões mistas. A ideia inicial é de três representantes da Câmara para cada representante do Senado, seja com 12 para 36, 10 para 30 etc. O governo Lula quer celeridade, pois precisa manter o funcionamento da máquina e dar continuidade aos seus programas sociais.
•
“O governo quer acordo. Tem duas questões que são fundamentais para o governo: negociar o acordo e votar, porque o governo não pode ser prejudicado por algo que foge da nossa responsabilidade. O esforço que eu ouvi aqui na reunião, como líder do governo com o presidente Arthur, é construir algo que seja palatável com o Senado”, disse José Guimarães, ao deixar a residência oficial do presidente da Câmara.
O deputado afirmou que, caso o impasse permaneça, o governo será obrigado a “encontrar uma alternativa”, mas não explicitou o que poderia ser feito pelo Executivo para que suas medidas provisórias não “caduquem”.
Na Câmara, após a aprovação de duas MPs do Governo Bolsonaro, Lira voltou a subir o tom ao comentar o encontro com as lideranças da Casa Baixa.
“Conversamos com quem tem interesse na resolubilidade desse impasse. Fizemos críticas porque são pertinentes a uma questão de ordem feita no plenário do Senado e atendida pelo presidente, quando ela deveria ter sido feita no Congresso”, disse Lira.