O convite do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Arthur Lira (PP-AL) e líderes do Centrão para uma comemoração, no Palácio da Alvorada, pelas aprovações da reforma tributária e do projeto de lei (PL) sobre o Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), representa mais do que um agradecimento. Junto a Lira, a foto de Lula ao lado de velhos aliados da esquerda e de possíveis novos companheiros do centro e da direita indicam outra correlação de forças partidárias na Câmara e no Poder Executivo. A imagem pode ser considerada a materialização de comentários ouvidos nos bastidores do Palácio do Planalto e do Congresso de que o Centrão está muito próximo de ocupar espaços mais generosos no primeiro escalão do governo federal.
A aprovação do retorno do voto de qualidade no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), decidida depois da reforma, é outra evidência de que Lira está disposto a ajudar o governo e entregar os votos necessários à governabilidade. Juntamente com a articulação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o peso do presidente da Câmara foi fundamental para que passasse o projeto que desempata, em favor da União, os julgamentos de contenciosos tributários.
A partir da noite de quarta-feira, o plenário da Câmara vivia um clima de tranquilidade e confiança que não se via em sessões anteriores, cujas pautas decidiam questões de importância para o Palácio do Planalto — nestas, era perceptível, entre os governistas, a tensão pela incerteza sobre os resultados da articulação política.
Após décadas parado na Câmara, o relatório sobre a reforma elaborado pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) só avançou por causa da vontade do Centrão. Desde o grupo de trabalho que estudou as mudanças no sistema tributário, comandado pelo deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), esse acerto vinha sendo construído. Como disse um parlamentar "centrista", o "pedido de casamento" do governo Lula ao grupo de Lira finalmente foi feito na tramitação da proposta de emenda constitucional.
Só que houve acenos positivos dos dois lados. Na mais evidente até agora, Lula efetivou a troca no Ministério do Turismo: sai a deputada Daniela Carneiro (RJ) e entra Celso Sabino (PA). Ambos são do União Brasil, só que ele é próximo de Lira.
Outra demonstração de que a combinação entre o Palácio do Planalto e Lira chegara a bom termo foi o discurso do presidente da Câmara antes da votação da reforma, na noite de quinta-feira. Em um gesto pouco frequente para um comandante da Casa, ele deixou a mesa diretora dos trabalhos por alguns minutos para, do parlatório, mandar um duro recado aos deputados "que se prendem ao passado" e vinham se posicionando contra a PEC. A maioria deles era de bolsonaristas, com os quais Lira se alinhara até 2022. Ele ainda fez questão de frisar que o candidato que apoiou nas eleições presidenciais, Jair Bolsonaro, perdera nas urnas e que as questões eleitorais tinham de ser superadas.
"Não nos deixemos, também, levar pelo radicalismo político. O povo brasileiro já está cansado disso. As eleições já ocorreram, os vitoriosos estão no poder — lembro a vocês que meu candidato perdeu a eleição presidencial. Deixemos as urnas de lado. Voltemos nossos olhos para o povo brasileiro", exortou Lira no discurso.
Arestas
Isso não quer dizer, porém, que o relacionamento de Lira e o Centrão com Lula e o governo será um mar de rosas. O presidente teve de resistir muito para manter Nísia Trindade à frente do Ministério da Saúde. E tem pela frente uma dura tarefa, que lhe demandará muita capacidade de negociação e convencimento: manter as pastas do Desenvolvimento Social e do Esporte com os atuais titulares. Nesse pacote de avanço sobre cargos-chaves do governo federal, o grupo de Lira quer indicar novos presidentes para a Caixa Econômica Federal, dos Correios e da Embratur.
No caso do Desenvolvimento Social, responsável nada menos pela gestão e pelo pagamento do Bolsa Família, está um aliado de primeira hora de Lula: Wellington Dias. Apesar da insistência, as chances de o senador e ex-governador do Piauí ser removido da pasta são consideradas nulas. O Ministério dos Esportes segue o mesmo modelo — continuará com a ex-jogadora de vôlei Ana Mozer, uma das principais interlocutoras do presidente em um setor no qual, nas eleições de 2022, Bolsonaro teve amplo apoio. Isso, apesar da amizade entre o presidente e o deputado Silvio Costa Filho (Republicanos-PE).
Lula também não tem qualquer disposição para remover Rita Serrano do comando da Caixa, Marcelo Freixo da Embratur e Fabiano Silva dos Correios. No caso do banco social, a atual diretoria é praticamente composta de mulheres e o presidente não quer ser contraditado em seu discurso de campanha caso a substitua por um homem — e do Centrão. Em relação à empresa de fomento ao turismo, Freixo é considerado um dos mais fortes quadros da esquerda no Rio de Janeiro — e só deve deixar a autarquia caso seja ungido pelo PT para a disputa do Palácio da Cidade, na corrida pela Prefeitura da capital fluminense. E Fabiano Silva é coordenador-adjunto do Prerrogativas, grupo que reúne advogados que apoiaram Lula na campanha presidencial.
Os nomes de eventuais substitutos, porém, se apresentam e tentam aumentar o próprio cacife. Nessa lista surgiu até mesmo o do líder do PL, Altineu Côrtes (RJ) — sobretudo depois deputados do partido, que abriga Bolsonaro e seus seguidores mais fieis, deram votos pela aprovação da reforma tributária. No primeiro turno de votação da PEC, foram 20 e, no segundo, 18.