O Senado Federal começa a discutir, nesta terça-feira (31), uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que criminaliza a posse e o porte de drogas em qualquer quantidade.
Este será o primeiro debate sobre o tema na Casa, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), em audiência pública. Se for aprovado pelo colegiado, o texto também passará por sessões de discussão no plenário.
A PEC foi apresentada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em 14 de setembro, como resposta à votação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio.
O relator da proposta na CCJ, senador Efraim Filho (União-PB), afirmou que a discussão do tema no Senado é uma forma de “reafirmar” a função do Congresso Nacional de legislar, uma vez que parte dos parlamentares entendem que o STF estaria ultrapassando esse limite.
“Tem uma enorme importância institucional, no sentido de reafirmar a atribuição constitucional de legislar sobre o tema para o Congresso Nacional", afirmou o relator.
A proposta
O texto a ser discutido insere no artigo 5º da Constituição Federal – principal ao prever os direitos e deveres da sociedade – que "a lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar".
"A saúde é direito de todos e dever do Estado, conforme dispõe o art. 196 da Constituição Federal. Nesse contexto, a prevenção e o combate ao abuso de drogas é uma política pública essencial para a preservação da saúde dos brasileiros", justificou Pacheco na apresentação da proposta.
Efraim corrobora a mesma visão do presidente do Senado e entende que é um dos fatores para parte da violência que existe no Brasil.
"O consumo de drogas ilícitas tem implicações muito graves para a piora da saúde dos brasileiros e para o aumento e fortalecimento da criminalidade que assola nosso país. As pesquisas de opinião mostram que a grande maioria da população, algo em torno de 70%, é contra a liberação de drogas", argumenta o senador.
"Não é para menos: entorpecentes têm o poder de destruir vidas, e milhares de famílias vivem esse drama todos os dias. Para além do drama familiar, o tráfico de drogas alimenta a violência social e fortalece o crime organizado”, afirma Efraim.
Audiência pública
Para debater o assunto na audiência pública desta terça-feira, foram convidados pesquisadores e especialistas na área de saúde e assistência social e representantes do Ministério Público e da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos.
Também foram convidados o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, que não confirmou presença, e a ministra da Saúde, Nísia Trindade, que enviará o secretário de Atenção Primária à Saúde (Saps), Nésio Fernandes, como representante da pasta.
Efraim afirmou que a audiência pública desta terça, a única programada até o momento, conta com a participação de diversos especialistas que possam falar sobre o impacto das drogas na vida da população. Ele não descarta realizar mais audiências públicas.
A PEC será alvo de discussões na CCJ antes de ser votada pela comissão, onde deverá ter maioria simples para ser aprovada. Então, o texto segue para o plenário do Senado, onde deverá passar por cinco sessões de discussão antes de ser votado em dois turnos.
Para ser aprovada, a PEC precisa ser aprovada com três quintos dos votos da casa, ou seja, 49 de 81 senadores. Caso obtenha a quantidade mínima, a proposta segue para a Câmara dos Deputados onde passará por uma nova discussão e terá que ser aprovada em plenário por 308 deputados antes de seguir para sanção presidencial.
Julgamento no STF
No STF, o placar está em 5 votos a 1 para que o porte de maconha, em pequena quantidade e para uso pessoal, deixe de ser crime. Um pedido de vista (mais tempo para análise do caso) foi apresentado pelo ministro André Mendonça no fim de agosto, o que interrompeu o julgamento.
O ministro Alexandre de Moraes, por exemplo, argumentou que é preciso fixar uma quantidade mínima para diferenciar o usuário do traficante, que seria de 25 a 60 gramas da droga ou seis plantas fêmeas.
Moraes reconheceu, porém, que a quantidade não pode ser o único critério para definir o porte para uso pessoal.
Em agosto, Rodrigo Pacheco avaliou que a medida proposta pelo ministro poderia favorecer o tráfico de pequenas quantidades de maconha. Outra crítica do presidente do Senado é que a origem da droga continuará sendo ilícita.
'Incompatível com a Constituição'
Simone Nascimento, da coordenação nacional do Movimento Negro Unificado (MNU), disse que a PEC é "totalmente inconstitucional" e vai na "contramão da luta contra o genocídio da população negra e do avanço feito pelo STF".
Ela pontuou que a guerra às drogas no país "fortalece o encarceramento da população negra".
Para o professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo e autor do livro "Porte de drogas para uso próprio e o STF", Pierpaolo Bottini, o projeto dos senadores é "absolutamente incompatível com o texto da Constituição, que diz que a dignidade humana e a pluralidade serão preservadas".