Dos 18 cardeais africanos eleitores que participarão do conclave, a partir de 7 de maio, dois estão nas listas dos mais cotados para ocupar o trono deixado vago por Francisco. Caso um deles seja eleito, será o primeiro papa vindo da África desde 496 d.C., quando Gelásio I, originário do norte do continente, comandou o Vaticano. O momento é favorável ao congolês Fridolin Ambongo, 65 anos, ou ao ganês Peter Turkson, 76, acreditam especialistas.
Diferentemente da Europa, que registra queda no número de católicos, na África, a religião floresce como nunca. Se, em 1910, havia menos de 1 milhão de fiéis em todo o continente, em 2022, esse contingente era de 272,4 milhões, ou quase 20% do total de seguidores da religião, de acordo com o Vaticano.
A América ainda lidera em quantidade de fiéis, com 64% dos praticantes do catolicismo. Porém, enquanto a evolução no número de católicos foi de 0,02% entre 2021 e 2022, na África, houve um crescimento significativo no período: 0,32%. Segundo o banco de dados global World Christian Database, em 2050, a participação global do continente na religião será 32%.
Não é apenas o número de fiéis que cresce, mas a participação africana no Vaticano. Hoje, há 29 cardeais do continente, sendo que 11 não votam por terem mais de 80 anos. Vinte do total foram escolhidos pelo papa Francisco. No conclave de 2013, 11 religiosos do continente estavam aptos a eleger o pontífice, contra os 18 atuais — proporcionalmente, representavam 9,6% e 13,53% dos eleitores, respectivamente. No ano da eleição de Jorge Mario Bergoglio, havia 115 votantes. Hoje, são 135 cardeais eleitores, mas dois não participarão do conclave por motivo de saúde.
Doutrina
"Se o próximo papa vier da África ou tiver uma forte ligação com o continente africano, é possível que vejamos uma ênfase maior na ortodoxia doutrinal, combinada com forte engajamento social em educação, saúde e direitos humanos básicos. Reformas estruturais e administrativas podem continuar", aposta Vicente Paulo Alves, doutor em Ciências da Religião e professor do curso de Teologia da Universidade Católica de Brasília (UCB). Alves ressalta que o continente cresce não apenas em número de fiéis, mas em "vocações sacerdotais e dinamismo social".
O especialista destaca que, em termos de moral sexual, papel da mulher na Igreja e relações inter-religiosas, muitos bispos africanos alinham-se com visões mais tradicionais. Um exemplo foi a reação à declaração Fiducia Supplicans, publicada em dezembro de 2023 pelo Dicastério para a Doutrina da Fé, sem consulta à Igreja da África. O texto estabeleceu um novo entendimento sobre o significado pastoral das bênçãos, permitindo aos padres, pela primeira vez, abençoar casais divorciados que se casaram novamente no civil e pessoas do mesmo sexo.
O episcopado africano reagiu de imediato. Uma das vozes contrárias mais retumbantes foi a do papabile Fridolin Ambongo, que se tornou cardeal em 2019. Arcebispo de Kinshasa, na República Democrática do Congo, e presidente do Simpósio das Conferências Episcopais da África e de Madagascar (Secam), Ambongo escreveu a Francisco, de quem, inclusive, era consultor. Afirmou que a comunidade religiosa africana recebeu a Fiducia Supplicans com indignação.
"Escândalos"
O arcebispo voou para o Vaticano logo em seguida e se encontrou com o pontífice. Em 11 de janeiro, a Secam publicou uma declaração de cinco páginas. "As conferências episcopais de toda a África, que reafirmaram fortemente sua comunhão com o papa Francisco, acreditam que as bênçãos extra-litúrgicas propostas na declaração Fiducia supplicans não podem ser realizadas na África sem expor a escândalos."
Primeiro cardeal de Gana e escolhido por João Paulo II, o também papável Peter Turkson é considerado conservador, mas defendeu a bênção aos casais de mesmo sexo, embora tenha afirmado, à BBC, que uniões homoafetivas são "pecaminosas". Turkson chegou a ser criticado por membros igreja em seu país ao dizer que "é hora de compreender a homossexualidade" e por considerar que as leis penais ganesas são excessivas ao punir pessoas LGBTQIAPN , que, na opinião dele, não deveriam ser criminalizadas.
Professora assistente de religião da Universidade James Madison, nos Estados Unidos, e pesquisadora do Catolicismo na África, Jennifer Aycock alerta que a polarização entre conservadores e progressistas é relativa quando se considera o contexto religioso africano. "Não devemos negligenciar nem subestimar a liderança das religiosas africanas, bem como das leigas católicas, na descrição da Igreja Católica Africana", exemplifica. "As mulheres moldam ativamente o que é o catolicismo africano por meio de suas práticas espirituais, ativismo social, defesa da saúde pública e influência sobre a posição e o tratamento das mulheres dentro e fora da Igreja."
Segundo a especialista, ao se discutir os novos rumos da Igreja Católica, "caracterizar o catolicismo africano como polarizado e conservador nos impede de reconhecer sua diversidade, bem como a liderança social e moral que as mulheres católicas africanas exercem e exercerão em questões que ameaçam o bem comum global" (leia entrevista nesta página).
Rodolfo Tamanha, professor da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (FMPB), acredita que a eleição de um papa africano seria positiva. "Representaria uma parcela grande do catolicismo e da população mundial e que, tradicionalmente, é tão alijada da participação mundial em tantas questões. Há séculos não é eleito um papa vindo da África. Então, acredito que, no século 21, seria paradigmático um papa africano."