O país que se prepara para uma invasão russa

Após a eleição de Donald Trump, poloneses comuns temem estar na mira de Moscou

04/05/2025 07h57 - Atualizado há 10 horas
O país que se prepara para uma invasão russa
O programa militar tem alta demanda, e o governo quer expandi-lo para treinar todos os homens adultos da Polônia - (crédito: BBC)

Em um campo de treinamento militar próximo à cidade de Wroclaw, cidadãos comuns poloneses fazem fila à espera de receber armas e aprender a atirar.

"Depois que o cartucho é carregado, a arma está pronta para disparar", diz em tom firme o instrutor, um soldado polonês com o rosto coberto por tinta de camuflagem.

Jovens e idosos, homens e mulheres, pais e filhos — todos estão ali por um motivo: aprender a sobreviver a um ataque armado.

Além de praticar no estande de tiro, o programa de sábado pela manhã, chamado "Treine com o Exército", também ensina aos civis combate corpo a corpo, primeiros socorros e como colocar uma máscara de gás.

"Os tempos são perigosos, precisamos estar preparados", afirma o capitão Adam Sielicki, coordenador do projeto. "Temos uma ameaça militar da Rússia, e estamos nos preparando para isso."

Segundo ele, o programa está com as vagas esgotadas, e o governo polonês já planeja expandi-lo para que todos os homens adultos do país recebam treinamento.

A Polônia, que faz fronteira com a Rússia e a Ucrânia, promete gastar quase 5% do PIB em defesa neste ano — o percentual mais alto da Otan.

Na semana passada, o primeiro-ministro Donald Tusk afirmou que a Polônia pretende construir "o exército mais forte da região".

Varsóvia vem investindo pesado na compra de aviões, navios, sistemas de artilharia e mísseis de países como Estados Unidos, Suécia e Coreia do Sul.

Dariusz, um dos participantes do curso em Wroclaw, diz que seria "o primeiro" a se voluntariar caso a Polônia fosse atacada.

"A história nos ensinou que precisamos estar preparados para nos defender sozinhos. Não podemos depender de ninguém. Hoje existem alianças, amanhã elas se rompem."

Ao retirar a máscara de gás, Bartek afirma acreditar que a maioria dos poloneses "pegaria em armas" se o país fosse invadido. "Estaríamos prontos para defendê-lo."

Agata, que participa do treinamento ao lado de uma amiga, diz que a eleição de Donald Trump aumentou a sensação de insegurança.

"Ele quer tirar os Estados Unidos da Europa. Por isso nos sentimos ainda menos protegidos. Se não estivermos preparados e a Rússia nos atacar, vamos simplesmente virar prisioneiros."

As declarações de Trump e de membros de sua administração causaram preocupação entre autoridades em Varsóvia.

Durante uma visita à capital polonesa, em fevereiro, o secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, afirmou que a Europa "não deve assumir que a presença de tropas americanas no continente será eterna".

Atualmente, cerca de 10 mil soldados dos EUA estão estacionados na Polônia, mas no mês passado Washington anunciou a retirada de uma base militar estratégica na cidade de Rzeszow, no leste do país.

As tropas seriam redistribuídas dentro do território polonês, mas a notícia gerou ainda mais apreensão.

A aparente hostilidade de Trump com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e seus elogios ao líder russo, Vladimir Putin, também aumentaram o temor em Varsóvia.

Nos próximos dias, a Polônia deve assinar um acordo de defesa com a França, e há outro em negociação com o Reino Unido — mais um sinal de que o país busca se afastar da histórica dependência militar em relação aos EUA.

Há também discussões sobre a inclusão da Polônia no "guarda-chuva nuclear" francês.

"Trump nos forçou a pensar de forma mais criativa sobre nossa segurança", afirma Tomasz Szatkowski, representante permanente da Polônia na OTAN e conselheiro de defesa do presidente.

"Acho que os EUA não podem se dar ao luxo de perder a Polônia, pois isso mostraria que eles não são confiáveis. Mas também precisamos buscar outras opções e desenvolver nossas próprias capacidades."

"Se a Rússia continuar com suas intenções agressivas em relação à Europa, seremos os primeiros — a linha de frente", diz Szatkowski. Para ele, o rápido investimento militar do país se deve "principalmente à situação geopolítica, mas também à nossa experiência histórica".

O legado doloroso da ocupação russa ainda é presente no país.

Em um asilo estatal de Varsóvia, a veterana Wanda Traczyk-Stawska, de 98 anos, relembra quando tropas soviéticas invadiram a Polônia em 1939, após o pacto entre Stalin e Hitler que dividiu o país entre a URSS e a Alemanha nazista.

"Eu tinha 12 anos em 1939. Lembro que meu pai estava muito preocupado com os russos", recorda Wanda. "Sabíamos que a Rússia nos atacara. Eles se aproveitaram do fato de que os alemães tinham nos exposto."

Na estante ao lado, há uma fotografia em que Wanda aparece empunhando uma metralhadora durante a Revolta de Varsóvia, em 1944, quando a resistência polonesa enfrentou o exército alemão entre os escombros da cidade.

Após expulsar os nazistas no fim da Segunda Guerra Mundial, a União Soviética impôs um regime pró-Moscou na Polônia, que durou até 1989.

Atualmente, as forças armadas polonesas contam com cerca de 216 mil militares. O governo quer ampliar esse número para meio milhão, incluindo os reservistas — o que faria do país o segundo maior exército da Otan, atrás apenas dos EUA.

Pergunto a Wanda se ela acha positivo o aumento do investimento militar na Polônia. "Claro que sim. A agressividade da Rússia está escrita na sua história. Não falo do povo, mas das autoridades, que são sempre assim", suspira.

"É melhor ser um país bem armado do que esperar que algo aconteça. Porque eu sou uma soldada que lembra que as armas são a coisa mais importante."

Oitenta anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, os poloneses voltam a olhar com desconfiança para seus vizinhos. Em um galpão no sul do país, uma empresa construiu um abrigo antiaéreo sob medida para atender à demanda crescente.

"Esses abrigos são projetados principalmente para proteger contra bombas nucleares, mas também contra ataques armados", explica Janusz Janczy, diretor da ShelterPro, enquanto mostra o interior do bunker de aço, equipado com beliches e sistema de ventilação.

"As pessoas estão construindo esses abrigos porque simplesmente não sabem o que esperar do amanhã."

Janusz conta que a procura disparou desde a eleição de Donald Trump. "Antes eram só alguns telefonemas por mês. Agora são dezenas por semana", afirma. "Meus clientes têm mais medo da Rússia. E acham que a Otan não viria defender a Polônia."

Mas será que os poloneses estão mesmo dispostos a defender o país? Uma pesquisa recente mostrou que apenas 10,7% dos adultos se voluntariariam para o exército em caso de guerra. Um terço afirmou que fugiria.

Numa tarde ensolarada em Wroclaw, pergunto a alguns estudantes se estariam dispostos a lutar por seu país. A maioria responde que não. "A guerra está muito próxima, mas ainda parece distante", diz o estudante de medicina Marcel. "Se a Rússia atacasse, acho que eu fugiria."

"Eu seria provavelmente o primeiro a tentar sair do país", diz Szymon, outro universitário. "Sinceramente, não vejo nada aqui que valha a pena morrer."

Com informações da BBC NEWS

 


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