"Meu filho me visitava a cada 15 dias. Sempre que chega o dia de ele vir, eu desabo. Se vejo um carro parecido com o dele na rua, sofro" Luzia de Arruda, moradora do Novo Gama
Municípios como Valparaíso, Cidade Ocidental e Novo Gama sofrem com o descaso do poder público. Nem Goiás, nem o Distrito Federal priorizam ações na região. O resultado é o medo da população, que fica refém da ação de bandidos comuns, traficantes e até do crime organizado
Por RICARDO FARIA E ROBERTA BELLYSE
ISA STACCIARINI
LUIZ CALCAGNO
Grades, câmeras, vigilância particular e medo fazem parte do cotidiano de moradores dos municípios goianos da Cidade Ocidental e de Valparaíso. A realidade violenta prova que a proximidade entre as cidades não é apenas territorial. Na segunda reportagem da série “O Cinturão do Crime”, o Correio mostra como a população dessas duas localidades, além da região do Novo Gama, lida com uma rotina que envolve roubos, tráfico de drogas e assassinatos. O número de homicídios dolosos (com intenção de matar) nas regiões, de janeiro a julho deste ano, chega a 70. Os crimes ocorrem, muitas vezes, à luz do dia, sem medo da interferência de autoridades.
Sob a ótica dos dados da Secretaria de Segurança Pública de Goiás, a situação de Valparaíso revela o clima de insegurança na região, dos 70 assassinatos, 44 ocorreram por lá. Na dor, no entanto, a situação não é diferente para moradores dos municípios vizinhos. O medo impera, bem como a revolta dos que perderam um ente querido. É o caso de Neide (nome fictício), cuja família foi destruída por duas balas perdidas. Há cerca de um mês, o marido saiu de casa com o objetivo de comprar um lanche para a mulher e as duas filhas e acabou vítima de uma disputa entre desafetos que ele nem conhecia. A família concordou em conversar com a reportagem, mas pediu sigilo absoluto de seu paradeiro, pois um dos acusados ainda está à solta.
Era o marido quem colocava dinheiro em casa. Agora, Neide precisa de ajuda de amigos para sustentar as filhas. As câmeras de segurança na área externa da residência, instaladas pelo companheiro pouco antes de morrer, mostravam a preocupação da família ante a um quadro de impotência diante do crime. “As autoridades não estão dando a mínima nas investigações. O bandido acabou com minha família. Tenho receio do que pode acontecer comigo”, disse emocionada.
No comércio, empresários de Valparaíso também se queixam. Rendido e ameaçado, Márcio (nome fictício) clama por segurança. “Fomos assaltados cinco vezes em menos de um ano, e (os policiais) não conseguiram prender os autores. Precisamos de vigilância preventiva. O crime está cada vez mais organizado”, opina.
Morto na praça
A apenas 10km dali, na Cidade Ocidental, a barbárie e o medo continuam. Josefa (nome fictício), 73 anos, nunca descobriu o motivo da morte do filho de 34 anos. Ele foi brutalmente espancado e, em seguida, assassinado a tiros em uma praça no centro da cidade. Depois do crime, a mãe passou a receber ameaças. Ela conta a história com uma fotografia da vítima na mão. “É uma dor que nunca passa. Sempre penso que ele vai voltar. Era um filho muito bom. Foi uma grande tragédia para mim. Mas o pior é ver que a Justiça não faz nada para mudar a situação, que só piora”, desabafa.
Cansada de ter a loja assaltada, Elisa (nome fictício) resolveu alterar o horário de funcionamento do comércio. “Tivemos que encontrar uma solução para amenizar a situação, já que as autoridades não resolvem. No último assalto colocaram a arma na cara do meu marido”, lembra. Ela culpa a impunidade pela violência. “Não adianta a polícia prender. A Justiça solta em pouco tempo. Isso precisa mudar”, pede.
Você sabia
Interdependência
Geógrafo e professor emérito da Universidade de Brasília (UnB), Aldo Paviani ressalta que a expressão Entorno do Distrito Federal tem sido substituída, em pesquisas e estudos, por “Anel Externo da Área Metropolitana de Brasília” ou “Periferia Geográfica da Área Metropolitana da Capital”. Isso acontece graças à proximidade e interdependência entre as regiões.
Uma pesquisa de 2013, realizada pela Codeplan, identificou que mais de 140 mil pessoas se deslocavam dos municípios goianos diariamente para trabalhar no DF. Na prática, a interdependência torna os municípios goianos mais próximos dos brasilienses que dos goianos. “A área metropolitana da capital é composta pelo DF urbano e por mais 12 municípios da periferia geográfica. É fato que o tráfico se apropria das áreas menos dosadas de vigilância, policiamento, entre outras questões. Precisamos formalizar a Área Metropolitana de Brasília para que haja a gestão de educação, trabalho e segurança. Um dos fatores que ocasionam muito a violência, por exemplo, é a falta de uma escolaridade”, destaca.
Números da violência
Cidade Ocidental
Crimes contra a pessoa
(homicídio doloso)
Mês Ocorrências
Janeiro 7
Fevereiro 4
Março 3
Abril 5
Maio 2
Junho 4
Julho 1
Total 26
Valparaíso de Goiás
Crimes contra a pessoa
(homicídio doloso)
Mês Ocorrências
Janeiro 4
Fevereiro 5
Março 11
Abril 11
Maio 4
Junho 6
Julho 3
Total 44
Precariedade e descaso do Estado
A ONG Programando o Futuro: cursos para jovens e adultos
Com poucos recursos diante dessa guerra urbana, as prefeituras de Valparaíso e Cidade Ocidental recorrem a parcerias e ampliação de horas extras para o pequeno efetivo de policiais civis e militares. É importante destacar que as ações para tentar mudar o quadro de violência ocorrem em um cenário de total falta de infraestrutura e omissão do Estado. Nenhum dos municípios possui uma secretaria municipal de Segurança. Para especialistas, por conta da posição geográfica, as regiões se tornaram “terra de ninguém” (nem do GDF nem do governo de Goiás). As localidades dependem de investimentos do estado de Goiás, em Goiânia, distante 190km, e do apoio da PM do DF, cuja atuação é limitada pela fronteira estadual.
Prefeito de Valparaíso, Pábio Mossoró (PSDB) admite que o quadro de agentes da segurança pública é “deficitário”. Segundo ele, 40 policiais militares estão passando por treinamento para ingressarem no batalhão da região. “Formamos também a primeira turma de guardas municipais em novembro. Ao todo, 77 atuarão na cidade a partir de dezembro”, adianta. A prefeitura usa a Secretaria de Cultura para atuar nas escolas com atividades no contraturno da aula a fim de manter os estudantes fora das ruas.
Guarda municipal
O prefeito da Cidade Ocidental, Fábio Correa (PRTB), também admite que “a situação não é a ideal”. Lá, o efetivo de policiais militares caiu de 130 para 60 em 10 anos. Ainda assim, segundo o gestor, os índices de violência têm caído. “Cerca de 80% da iluminação foi revitalizada. Instauramos a guarda municipal, com 26 agentes, e logo teremos mais 15”, promete. A PM conta com três carros e quatro motos para patrulhar toda a área e espera a chegada de um quarto veículo. O prefeito negocia a ampliação do atendimento da delegacia local, que funciona em horário comercial.
De acordo com o delegado da Cidade Ocidental, Frederico Gama, é comum que os policiais fiquem sobrecarregados. “Temos um número pequeno de agentes. Mesmo assim, o trabalho tem rendido bons números. A Cidade Ocidental é considerada hoje a cidade menos violenta do Entorno Sul”, afirma.
Personagem da notícia
Viva, graças a Deus
A professora Auxiliadora da Silva, 53 anos, é uma sobrevivente da violência na área rural da Cidade Ocidental. Carrega, no corpo e na alma, as marcas de uma tentativa de assalto em sua chácara, na região. Levou um tiro de espingarda calibre .12. Um ex-aluno da mulher efetuou o disparo, a uma distância de 5m. Ele não foi sequer indiciado pela tentativa de latrocínio, mas acabou preso por estrangular uma mulher em Luziânia tempos depois.
Auxiliadora sobreviveu, mas perdeu o seio esquerdo por conta dos disparos. Está viva porque usou a porta da casa para desviar parte dos projéteis. Ainda guarda, como recordação, a porta crivada pelas inúmeras bolas de chumbo lançadas pela arma.
Moradores tentam buscar soluções
Enquanto políticos adotam um discurso burocrático e, quase sempre, ineficiente, a população busca soluções cidadãs para encarar o dia a dia em meio à violência urbana. Em Valparaíso, Vilmar Simion, 37 anos, ajudou a criar a organização não governamental (ONG) Programando o Futuro, que oferece, de graça, cursos de informática, técnicas de reutilização de lixo eletrônico e ações de estímulo à cultura independente para jovens e adultos. “Nós buscamos inserir essas pessoas num contexto social em que elas possam ter uma nova perspectiva de vida”, detalha.
A instituição capacita cerca de 800 alunos por ano e muitos têm a chance de ser contratados pela própria ONG. Nascido em Valparaíso de Goiás, o jovem Natã Vieira, 23 anos, por sua vez, atua em conjunto com amigos oferecendo doações de roupa, cobertores, comida e utensílios de higiene para moradores de rua e dependentes químicos. “Se eles têm o mínimo de ajuda, não têm o por que roubar”, argumenta.
Na Cidade Ocidental, o cabeleireiro Marcelo Rodrigues, 37, ensina o ofício, gratuitamente, a quem quiser. Órfão e de família humilde, criou o projeto social Corte com Amor para ajudar “no futuro dos jovens”. “Tenho alunos de todas as idades. Três dos garotos que aprenderam comigo já estão pensando em abrir um negócio para trabalhar”, orgulha-se. Atualmente o curso conta com 62 inscritos. “Temos uma turma de 26 alunos e outros 36 na fila de espera. Todos querendo um futuro diferente”, diz.
Idealizador do projeto Vidas Sim, Drogas Não, o assistente social Wilton Monteiro também batalha para transformar a região. O projeto foi selecionado para receber verba do governo federal. “É preciso ocupar a mente dos jovens. Só assim eles não se envolverão com a criminalidade. Conseguimos o apoio que precisávamos e, em breve, ofereceremos esporte, cultura, lazer e capacitação a quem quiser uma vida diferente”, garante.
Mestre Miro:
Mestre Miro: "A capoeira transformou a minha vida"
Capoeira
Valdemir Teixeira Correa, 36 anos, mais conhecido como Mestre Miro, aposta no esporte para transformar a juventude do Novo Gama. Ele percorre vários bairros da cidade para ensinar a arte, na rua ou em escolas públicas. O nome do projeto é Incentivart, e ele conta com a ajuda de alunos mais velhos para abraçar as localidades. “Eu sei o que a capoeira pode fazer na vida da pessoa, porque transformou a minha. Nasci e cresci na periferia. Minha adolescência foi toda na malandragem e me transformei quando comecei a praticar”, conta. “No início, os jovens pensam que vão aprender a se defender. Depois veem que capoeira é vida e, então, se apaixonam. A partir daí, isso ocupa um espaço importante na vida do adolescente e ele começa a se transformar”, explica.
Everton Jhonatas Alves da Silva, 35, trabalha com igrejas evangélicas da região. Ele procura vagas em clínicas de reabilitação e recebe indicação das congregações para conversar com dependentes químicos. “Fazemos um trabalho de convencimento. É uma chance boa de a pessoa mudar. Quem aceita é levado imediatamente para a clínica, caso contrário, perdemos a oportunidade”, afirma.
Tragédias que se cruzam nas ruas
Por LUIZ CALCAGNO
ISA STACCIARINI
WALDER GALVÃO*
Vadin da Silva Dias colocou grades na distribuidora de bebidas na avenida principal do Novo Gama
As tragédias familiares são vizinhas de porta no Novo Gama (GO). E, quando não convivem lado a lado, se reconhecem na rua. A reportagem percorreu a região de 108 mil moradores, que ocupa o 20º lugar entre as cidades mais violentas do país, de acordo com o Atlas da Violência de 2017. Nos primeiros seis meses deste ano, Novo Gama registrou 27 homicídios, 26 tentativas, seis estupros e mais de 600 assaltos a pedestres. Exemplos dessa triste estatística podem ser encontrados com facilidade nas ruas. É o caso da costureira Luzia de Arruda, 63 anos, moradora do bairro Lunabel. Ela perdeu dois filhos e nunca soube o motivo das mortes.
O primeiro filho levou um tiro pelas costas, em Pedregal, bairro do Novo Gama. O corpo do caçula, o último a morrer, foi encontrado em uma localidade conhecida como Grande Vale, com um saco plástico amarrado na cabeça, em 7 de setembro de 2015. A vítima foi espancada e, na sequência, morta a tiros. “Estava sem documento, sem celular, e a caminhonete dele foi incendiada no Jardim América. Eu tive alucinações. Passei a tomar remédios. Ele me visitava a cada 15 dias. Sempre que chega o dia de ele vir, eu desabo. Se vejo um carro parecido com o dele na rua, sofro”, conta.
Acerto de contas
Segundo Luzia, os crimes nunca foram solucionados. O sofrimento maior é pela perda mais recente. “Ele teve um passado difícil, mas se recuperou. Revendia carros. Foi muita crueldade. Enfiaram uma toalha na boca dele. Cobriram a cabeça com um saco. Eu não consigo entender”, lamenta. Para a mulher, o governo é muito distante da população e não conhece as necessidades dos moradores da cidade. “Pagamos impostos e não temos nada. Ninguém nos conhece”, desabafa.
Vizinha de Luzia, Silvia (também nome fictício), 38 anos, também tem uma história de violência. Perdeu o enteado de 19 anos, em fevereiro de 2014 e, hoje, cria o filho da vítima. “Ele ia a uma sorveteria quando foi surpreendido por dois homens, cada um com duas armas. Levou, ao menos, 21 tiros. Foi acerto de contas. Mas ninguém soube quem (efetuou os disparos). O bebê, à época, tinha 2 anos. Hoje, me chama de mãe. É meu filho e tento indicar um caminho diferente na vida”, emociona-se.
A aposentada Irene Oliveira Costa e Silva, 57, moradora do Pedregal, soube da morte do filho, Wilian, 30, em 25 de dezembro de 2015. Ele estava desaparecido há 12 dias e morreu espancado, vítima de latrocínio (roubo com morte). “Três pessoas abordaram meu filho e pediram o celular, mas não gostaram. Acharam o aparelho simples. Bateram nele até matá-lo. Enfiaram pedra na boca dele, chutaram e jogaram um paralelepípedo na cabeça. O irmão dele só o reconheceu no Instituto de Medicina Legal (IML) por causa de uma tatuagem”, recorda a mulher. “À noite, às vezes, ainda abro a porta do quarto dele, para olhá-lo dormir, como se ele estivesse lá”, revela.
Dois dos criminosos fugiram. O terceiro foi pego pela população e entregue à polícia. Irene conta que os outros três filhos percorreram toda a região e diversos hospitais em busca de
Willian. “Até que o meu mais velho sonhou com ele. Ele pedia para ser encontrado e dizia que estava em um lugar frio. Ele acordou no dia seguinte e foi ao IML. Eu queria, se eu pudesse, trocar de lugar com ele”, chora.
Medo nas ruas
No comércio, o medo é regra e a sensação de segurança, exceção. Vadin da Silva Dias colocou grades na distribuidora de bebidas. A partir de 17h, só atende por trás das barras de ferro. A farmácia ao lado foi assaltada há cerca de duas semanas, e ele garante que só escapou da violência até agora “por ser muito cauteloso”. Proprietária da farmácia, Eliane (nome fictício) conta que é a quarta vez que o estabelecimento é assaltado. Ele (o criminoso) saiu da farmácia caminhando. Levou R$ 200 e deixou um trauma. Se eu não precisasse muito, não viria mais trabalhar aqui”, diz.
Bairro de Valparaíso colado ao Novo Gama, Céu Azul vive uma tensão semelhante no comércio. Na última quarta, um homem foi assassinado dentro de uma distribuidora de bebidas na região. O estabelecimento está fechado e com uma faixa preta na frente. Proprietário de uma loja de roupas nas proximidades, Marciel Lourenço, 37, conta que, em 2016, foi assaltado duas vezes pela mesma pessoa. O homem foi preso, mas já está solto e, às vezes, passa pela frente do estabelecimento. “Ele levou nossos produtos e tentou vendê-los nas proximidades. Por isso, conseguimos localizá-lo e denunciá-lo”, recorda.
De acordo com o comandante do 19ª Batalhão de Polícia Militar de Goiás (Novo Gama), tenente-coronel Daniel Santana, “a dificuldade que a PM tem é com a impunidade. A gente prende alguém, em um dia, e a pessoa é solta no outro. Isso gera sensação de insegurança”, ressalta. Com isso, o comandante afirma que as próprias vítimas deixam de ir às delegacias. “Ninguém quer ser testemunha. Temem pela própria vida.”
O delegado de homicídios e repressão a narcóticos de Novo Gama, Daniel Martins, admite que a violência na região é grande. Segundo ele, mesmo com a redução nos índices de crime, em relação ao ano passado, o número ainda está acima do que seria o ideal. “Tivemos uma melhoria em relação aos equipamentos, mas ainda enfrentamos problemas de escassez de pessoal, o ideal seria a contratação de mais policiais”, afirma.
Números do medo
Crimes entre janeiro e julho de 2017
Novo Gama
Homicídios — 27
Tentativa de homicídio — 26
Casos de roubo a
transeunte — 613
Estupros — 6
Não houve latrocínio
População estimada em
2016 pelo IBGE — 108.410 /
95.018 em 2010
Renda per capita — R$ 462,62, em 2010
Palavra de especialista
“A grande concentração de pessoas, e o crescimento rápido das cidades são motivos para o aumento da violência. O governo não está conseguindo acompanhar o ritmo. Outro problema é a má distribuição dos recursos. Apesar do bom trabalho que está sendo feito pelo governo de Goiás, ainda é necessário entender por que algumas cidades estão recebendo maior atenção, e outras, nem tanto. O Entorno é historicamente reconhecido como um local esquecido. Resta saber o que é prioridade. E, quando se trata de segurança pública, a região toda é vinculada a Luziânia. Então, é preciso dar independência a essas cidades”.
Nelson Gonçalves, professor e pesquisador em segurança pública da Universidade Católica de Brasília
Uma região esquecida
Marciel Lourenço, do Céu Azul, foi assaltado duas vezes pela mesma pessoa
Professora do Departamento de Sociologia da UnB e coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança (Nevis), Maria Stella Grossi Porto avalia que o contexto da violência no Entorno “é complexo e com diversas variáveis”. Segundo ela, além da falta generalizada de condições de vivência urbana, como acesso a equipamentos públicos, saúde, educação, lazer e segurança, há, ainda, uma indefinição em termos governamentais sobre o responsável pelos municípios. “São cidades distantes de Goiânia e pouco interessantes para o governo estadual e, por outro lado, não são, a rigor, parte do Distrito Federal. Acaba se tornando uma terra de ninguém e, nesse sentido, faltam investimentos em todas as ordens”, explica.
Para o professor emérito do Departamento de Serviço Social da UnB e docente de psicologia social da Universidade Católica de Brasília (UCB) Vicente Faleiros, uma das alternativas para a diminuição da violência é a prevenção com um trabalho de rede estruturado. “É preciso envolver centros de saúde, assistência social, escola, conselhos tutelares, a igreja e a polícia. Os militares têm um papel importantíssimo nessa etapa, porque eles podem participar de palestras educativas, mas é preciso que essa rede esteja bem organizada”, avalia.
Na avaliação do estudioso, o desemprego, as drogas, a falta de acesso a políticas públicas e a ausência de espaços culturais nas cidades influenciam a entrada ao mundo do crime. “Não podemos estigmatizar o Entorno, mas há dimensões que precisam ser consideradas, porque são cidades onde há muita juventude desempregada, que servem como acesso para a rota do tráfico de drogas em Brasília e que não oferecem espaços de lazer e cultura, nem de acesso a políticas sociais”, alerta.
Apesar disso, ele considera que o crime organizado não tem limites. Na visão do professor, esses bandidos agem conforme a demanda. “Como, por exemplo, neste ciclo do crack, que é uma droga terrível, porque, além de inserir o jovem no mundo do crime, ele destrói o usuário”, pontuou.
* Sob supervisão de José Carlos Vieira
Três perguntas para
O comandante do policiamento do Entorno Sul, tenente-coronel Marques Nunes Azevedo
De que forma a polícia tem atuado no Entorno Sul, principalmente nas regiões de Valparaíso, Cidade Ocidental e Novo Gama?
Desde o ano passado, houve um incremento no policiamento ostensivo nas cidades entre o Novo Gama e Cristalina. O resultado refletiu nas reduções dos índices de criminalidade que estão caindo há mais de cinco anos seguidos, como os casos de homicídio, furtos, roubos a pedestres, roubo a residências e de veículo. De forma geral, no Entorno Sul, os homicídios reduziram mais de 23% e os outros casos de furtos e roubos em geral caíram 40%.
Qual é o efetivo policial das cidades de Valparaíso, Cidade Ocidental e Novo Gama?
Em Valparaíso, são 102 policiais divididos em escala de 24 por 72 horas. Já na Cidade Ocidental são 68 militares nessas condições. Além disso, a Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária de Goiás (SSPAP) disponibiliza, mensalmente, R$ 120 mil para pagamento de trabalhos extras remunerados. Um policial que está de folga recebe R$ 400 pelo dia de expediente. A partir do serviço remunerado e com o policiamento reforçado, os índices de criminalidade estão caindo. Hoje quase não existe mais latrocínio na região do Entorno Sul. Em Valparaíso e na Cidade Ocidental, estamos apreendendo quantidades expressivas de drogas e realizando várias prisões. Já em Novo Gama, nosso efetivo é de 129 homens. Temos, ainda, R$ 68 mil de verba extra remunerada dividida para complementar o serviço e, como em todo o Entorno Sul, os crimes na cidade estão reduzindo desde 2013.
Por que, mesmo com os índices em queda, os crimes no Entorno continuam assustando moradores?
Eu diria o contrário. Algumas regiões de Brasília impactam na segurança do Entorno. É o caso das cidades de Santa Maria, Gama e São Sebastião. Por terem uma população maior que as cidades do Entorno, isso acaba refletindo aqui. Além disso, há todo um estigma do Entorno como uma região violenta.