Agreve dos caminhoneiros expôs a dependência quase exclusiva das rodovias. Uma das alternativas seria uma linha férrea atuando de forma efetiva no transporte de cargas e de passageiros. Dois projetos indicavam a ampliação e reestruturação das ferrovias entre Brasília, Goiânia (GO) e Luziânia (GO). Foram anos de discussão e promessas, mas o que sobrou foi apenas o silêncio: nem governo local nem federal responderam às demandas do JBr., mostrando que os projetos foram engavetados, sem qualquer previsão de serem colocados em prática.
O Governo do Distrito Federal, que chegou a fazer reuniões sobre o tema e publicizá-las à época, passou a bola: alegou que a demanda é a nível nacional e não há qualquer secretaria ou órgão local que pudesse responder. A Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco), por sua vez, apontou que os estudos do transporte de passageiros e de cargas estão sob a responsabilidade da Agência Nacional Transportes Terrestres (ANTT). Esta, por fim, não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Fontes ouvidas pelo JBr. apontaram que os dois projetos são considerados “greenfield”: investimentos que sequer saem do papel. Segundo a fonte, que não quis se identificar, ainda não foi definido como será o projeto da linha férrea de Brasília a Luziânia. Já a ferrovia que ligaria Brasília a Goiânia se trata apenas de “projeto político”. “São projetos complexos e que requerem muito investimento e vontade pública para acontecer. Demoram décadas para que comecem alguma obra”, afirmou.
O trecho ferroviário que passa atualmente por Brasília integra o corredor logístico Centro-Sudeste e liga à cidade de Alumínio (SP). A concessão é da Ferrovia Centro- Atlântica e as principais cargas que vêm para a capital são minérios, coque (obtido a partir da destilação do carvão mineral) e derivados do petróleo. Por mês, são transportadas 100 mil toneladas.
Ferrovia de Brasília-Goiânia
Conhecido como Expresso Pequi, o planejamento de um trem que ligasse Brasília a Goiânia surgiu em 2003. A expectativa era de que as obras começassem no início de 2017 e teriam um custo de até R$ 7 bilhões, conforme o Jornal de Brasília mostrou dois anos atrás.
O trajeto da linha férrea havia sido definido por órgãos do governo federal, do DF e de Goiás, com 240 quilômetros de trilho tendo a Rodoferroviária de Brasília como ponto estratégico central. O trem transportaria passageiros inicialmente e , depois, cargas.
O projeto dividia a ferrovia em dois tipos de transportes: o regional, que liga Brasília a Goiânia, e o integração ou semiurbano, que faz as linhas DF/Águas Lindas/Santo Antônio do Descoberto e Anápolis/Goiânia. O trem, entre as duas capitais e ramificações, atenderia a uma população estimada de 6,3 milhões de pessoas e a previsão era que transportasse 23,5 mil por dia e 7,3 milhões por ano. As estações seriam integradas ao metrô.
Na época, a própria ANTT afirmou que não havia data para as construções e início da operação, mas que havia “um grande desejo já demonstrado pelos governos do DF e GO para a implantação”.
Linha que ligaria Região Metropolitana
Em 2015, o governo do DF, de Goiás e Federal se reuniram alegando uma ampliação da rede de transporte por trilhos com a interligação entre Brasília e Luziânia. A previsão era de que a ferrovia tivesse 76 quilômetros de extensão, após uma reestruturação no trecho da rodovia GO-010, que atualmente já transporta carga. O intuito do projeto era de diminuir o fluxo de carros e tempo gasto da Região Metropolitana até a capital.
Os beneficiados seriam moradores de Águas Lindas, Cidade Ocidental, Luziânia, Novo Gama, Santo Antônio do Descoberto e Valparaíso. “Quinze por cento dos trabalhadores do DF residem no Entorno, e é justamente essa parcela significativa que será atendida por essas mudanças”, afirmou Rodrigo Rollemberg em 17 de agosto de 2015.
Dependência dos veículos
Para Milena Lannoy, professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Católica de Brasília, o que existe atualmente em todo o País é uma dependência dos automóveis. A realidade seria melhor se houvesse mais alternativas de transportes. “Nos países mais avançados existem diferentes formas de deslocamento, entre elas o trem. Assim, poderíamos transportar cargas, passageiros, correios. Infelizmente, no Brasil isso não é explorado”, aponta.
A visão de Milena é compartilhada pelo presidente da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos), Joubert Flores. “O Brasil tem uma deficiência no que tange ter adotado só um modal para fazer transporte de carga e passageiro. Não é modelo usado em países bem menores que a gente, quanto países do tamanho do nosso. A lógica foi invertida quando a indústria automotiva chegou e as ferrovias foram erradicadas”, alega.
A barreira para colocar em prática os dois projetos é a falta de interesse da classe política. “É um projeto caro, porque a linha férrea existente não é adaptada. Para isso, seria preciso pensar e criar o transporte olhando para frente: trens híbridos, não poluentes, refazer ferrovias adaptadas para novas tecnologias, veículos rápidos”, indica Milena. “O que trava são os interesses políticos. Eles não estão preocupados em resolver problemas, estão preocupados com a candidatura”, completa a professora.
Mônica Soares Velloso, especialista em segurança no trânsito e professora de Engenharia Civil do UniCeub, ressalta a carga que o DF recebe por meio do transporte ferroviário. Por isso, ela pondera sobre uma possível dependência rodoviária da capital. “A carga já chega aqui por uma ferrovia que a traz do litoral até o DF. Funciona. É um trecho que passa por Luziânia”, aponta.
O projeto que ligaria Brasília a Luziânia seria justamente aproveitar esse trecho para transportar passageiros e descongestionar o fluxo na Região Metropolitana. “Há uma vontade nisso, mas esse projeto que já teve boa aceitação, e de vez em quando sai do papel. Existem alguns entraves em torno da legislação. Ninguém perguntou para FCA, que tem o contrato de concessão, se eles querem transportar passageiros”, argumenta.
Divisão
Sobre o trem que vai unir Brasília à capital goiana, Mônica aponta que o governo está dividido: “Têm grupos que acham a ideia maravilhosa, e outros que não acham tão boa assim”. “Existe, de fato, uma vontade em tirar do papel. A última informação que tive era que publicaram um edital para as empresas manifestar interesse. Mas há um longo caminho. A ferrovia tem um custo mais alto de implantação do que uma rodovia”, acrescenta.
A especialista ainda questiona. “Precisa de dinheiro. Onde vão arrumar recurso? O orçamento vai vir de onde? Vem de parceria-público-privada? As empresas conseguem bancar isso? Porque são obras de bilhões”.
Benefícios
Para Mônica, caso tudo isso seja colocado em prática, há dois grandes benefícios. “Proporcionar um transporte de melhor qualidade, com mais segurança, menos poluição, menos possibilidade de acidente e diminuiria o fluxo de veículos sobre pneus. Além de que a ferrovia está ligada diretamente ao desenvolvimento da cidade. Seria uma oportunidade para as cidades do Entorno”, finaliza.
Saiba mais
Outra alternativa aos carros que está parada é o Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT). Lançado no governo Arruda em 2009, o projeto original previa que o meio de transporte passaria pela W3 Sul e Aeroporto JK. A ideia é que ficasse pronto para a Copa do Mundo de 2014, sediada pelo Brasil.
No entanto, a Justiça determinou a anulação do contrato de execução do projeto após suspeitas de irregularidades no processo de licitação. Cerca de R$ 26 milhões foram liberados pelo Ministério das Cidades para a execução, mas as obras foram paradas ainda em 2009. A única parte que saiu do papel foi o viaduto na altura do Setor Policial Sul.