É isso que revela o recém-lançado livro da repórter Andrea Dip, Em Nome de Quem? A bancada evangélica e seu projeto de poder (ed. Civilização Brasileira, 309 páginas, R$ 25,90). Nesta entrevista, a autora discute como a fé tem sido manipulada por um grupo político para impulsionar seu poderio – e quem mais se prejudica com isso.
Como mostra em seu livro, nem sempre os evangélicos apoiam as ideologias defendidas pela dita bancada evangélica. Por que isso acontece?
A maioria dos evangélicos apoia, sim, a criminalização do aborto, a “cura gay” ou ainda a proibição da adoção de crianças por casais homoafetivos. As pautas morais, em suma, tocam os direitos das mulheres e da população LGBT e têm o apoio do eleitorado. Mas grande parte dos evangélicos – não sei se a maioria – não apoia, por exemplo, a redução da maioridade penal ou a liberação do porte de armas. Ou não necessariamente se posiciona a favor do agronegócio.
Tento explicar no livro que boa parte dos evangélicos não apoia todo o pacote das pautas que chega nessa aproximação entre a igreja e a direita. A ligação BBB – “boi, bala e Bíblia” – não tem a ver com os desejos do eleitorado evangélico, mas de outro tipo de negociação e interesses políticos desses parlamentares.
O clima é favorável para um crescimento da bancada evangélica em 2018?
Desde 2015, nós estamos vendo a política mudar de forma acelerada e muitas vezes imprevisível. Não arrisco um palpite, mas podemos dizer que esse é o maior objetivo deles. Ouvi de um deputado que a meta era os evangélicos se tornarem ⅓ do Congresso.
Qual foi o maior impacto do fortalecimento da bancada evangélica sobre a vida das mulheres?
Eu acho muito grave, por exemplo, a não inclusão das discussões de gênero no Plano Nacional de Educação e nos planos estaduais e municipais de educação de todo o país, a fim de se evitar uma fantasiosa e fictícia “ideologia de gênero”. A coisa foi tão absurda na época (meados de 2015) que tiraram de planos todas as menções à palavra “gênero”, inclusive quando era relativa a “gênero alimentício”.
Isso causa um impacto gigantesco se nós pensarmos que, em vez de combater a misoginia e a homofobia na raiz, por meio da educação, estamos fazendo o caminho contrário, inclusive denunciando e criminalizando professores. Também temos projetos horrendos rolando, como o Estatuto da Família ou o Estatuto do Nascituro.
No futuro, qual você presume ser o maior risco do aumento dessa bancada, para as minorias?
O risco é assistirmos à criminalização do aborto mesmo em casos de anencefalia ou estupro, com o aumento de pena para mulheres. Outros perigos são a proibição do uso do nome social por transexuais, da união e adoção por casais homoafetivos, redução da maioridade penal, privatização dos presídios e consequentemente maior inchaço do sistema carcerário, que já está caótico, entre outros.
O caso do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, bispo licenciado da Igreja Universal, acusado de usar o cargo para beneficiar igrejas indevidamente, intriga-nos neste momento. Por um lado, a maioria dos brasileiros afirma estar farta de corrupção; por outro, alguns de seus eleitores parecem não ver mal no episódio. Por que isso acontece?
Porque há uma disputa de narrativa aí. Ele contou outra versão da história, e é muito difícil competir com um “representante de Deus” – um bispo, no caso. O Caio Fábio, um pastor polêmico por vários motivos, mas que conhece bem os bastidores do mundo evangélico, me disse uma vez em entrevista: “Em nome de Deus, a canalhice é santificada”. Isso significa que muita coisa de moral duvidosa vale se o objetivo final é “fortalecer o reino de Deus”.
Como podemos respeitar melhor a laicidade do Estado? Há alguma regra eleitoral que deveria ser criada, como a proibição de títulos religiosos nas urnas e campanhas eleitorais, por exemplo?
Não sei se criar novas leis ou regras adiantaria, porque a laicidade do Estado está na Constituição Federal, que teoricamente se sobrepõe às leis ordinárias. Se nós respeitássemos a Constituição, já seria incrível!