Uma série de coincidências envolvendo um espetáculo natalino do Serviço Social do Comércio (Sesc) de Goiás fez com que uma denúncia anônima chegasse aos ministérios públicos estadual (MPGO) e federal (MPF) em abril deste ano. Um contrato de R$ 200 mil foi assinado com a empresa do produtor Victor Hugo Igreja, cujo endereço estava registrado no nome do diretor da entidade, Leopoldo Veiga.
A peça “Natal de Encantos: o musical” foi apresentada de 9 a 22 de dezembro de 2018, em cinco cidades goianas. Foram oito encenações. O produtor também dirigiu um musical de Páscoa que teve a participação do ator Tiago Abravanel, em abril deste ano. Ao Sesc-GO, a produção custou na faixa de R$ 400 mil.
De acordo com o diretor Leopoldo Veiga, os dois são amigos, e o relacionamento é fruto da convivência no meio cultural. “O conheço, sim. Muito, muito. A gente é amigo, assim como a maioria dos artistas que se apresenta no Sesc. Todos os artistas de Goiás são amigos pessoais”, afirmou.
Victor Hugo, que atua na área artística, é, no momento, vice-presidente da Associação Comercial, Industrial e de Serviços Jovem de Goiás (Acieg Jovem), a qual já foi presidida pelo atual diretor do Sesc e do Senac do estado.
A empresa que produziu o musical de Natal, cujo nome fantasia é En’cantos, foi aberta pelo produtor em outubro de 2018, um mês antes de receber o primeiro pagamento do Sesc-GO, no valor de R$ 99.766. No mês de dezembro, uma segunda parcela no mesmo valor foi paga.
Em março de 2019, a microempresa foi fechada. No documento que atesta a baixa, fornecido pela Receita Federal, a En’cantos aparece registrada no mesmo endereço de Veiga, no bairro Setor Bueno, em Goiânia, que consta em suas contas de energia elétrica de setembro de 2018 a março de 2019.
Veiga não soube explicar ao certo o que aconteceu, mas afirmou que não mora mais no local. “Foi uma infeliz coincidência. Eu nem vi esse contrato. Não houve absolutamente nenhuma irregularidade”, garantiu.
O diretor disse, ainda, que não há margem para nenhuma irregularidade envolvendo o espetáculo natalino, que teria contado com mais de 50 artistas, além da equipe de produção.
O produtor Victor Hugo Igreja foi procurado, mas não atendeu às ligações da reportagem.
Celular do gabinete
Em busca de contato com o produtor cultural, a reportagem ligou para o número fornecido à Receita. Uma mulher atendeu. Perguntada se o telefone pertencia a Victor Hugo, ela respondeu que se tratava do gabinete do Senac.
A situação gerou estranheza até mesmo ao diretor quando foi questionado. “Não sei te falar. Realmente, isso não faz o menor sentido. Isso pode ter tido alguma má intenção de alguém”, afirmou.
Dois dias depois, em nova ligação, a mesma pessoa que atendeu da primeira vez negou que o número pertencesse à empresa do Sistema S, mas não disse quem era o responsável pela linha e desligou em seguida.
As notas fiscais emitidas pela Prefeitura de Goiânia também trazem o mesmo endereço e mesmo telefone.
Perseguição
Leopoldo Veiga afirmou que o envio de denúncias anônimas sobre o caso aos ministérios públicos faz parte de uma perseguição. “Nós descobrimos desvios em algumas unidades e fizemos demissões”, explicou. “Alguém quer criar um desgaste de gestão. O que não vai conseguir, porque não há absolutamente nada”, afirmou.
O processo de licitação, que poderia atestar as informações sobre a contratação, não está disponível no site do Sesc, ao contrário de outros realizados em datas posteriores e anteriores. Segundo Leopoldo, ele apenas cumpre o procedimento adotado pela entidade.
“Nós temos um prazo para colocar. A gente não coloca nada até o final da auditoria do conselho fiscal e aprovação, mas tudo será colocado no portal da transparência. Não temos a opção de não colocar”, disse.
Questionado sobre a possibilidade de direcionamento da licitação, ele negou: “Isso não existe em nenhuma hipótese”.
De acordo com o diretor, o contrato passou pelo crivo do Conselho Fiscal na última semana e não foi encontrada nenhuma inconsistência.
O Conselho Fiscal do Sesc informou apenas que realiza auditorias sistemáticas e rotineiras em todos os departamentos regionais. “Por se tratar de um órgão interno de governança, a divulgação de seu calendário de auditorias é restrita às áreas internas de interesse”, diz a nota enviada ao Metrópoles.
Tanto o Ministério Público Estadual de Goiás quanto o Ministério Público Federal em Goiás receberam a denúncia anônima sobre a situação. As informações estão sendo analisadas e não houve abertura de inquérito até o momento.
Diretoria de compliance
O advogado e diretor de compliance do Sesc e do Senac de Goiás, Alexandre Abreu, entrou em contato com a reportagem nesse sábado (11/05/2019) para dar a sua versão sobre os eventos culturais.
De acordo com ele, em conformidade com o regulamento interno da instituição, houve licitação na modalidade “inexigibilidade” para a contratação da En’cantos, do produtor Victor Hugo, que realizou o espetáculo natalino. Na prática, isso significa que não houve concorrência.
O diretor de compliance informou que 47 artistas participaram das apresentações, recebendo em média R$ 530. Outros custos não foram especificados.
Abreu disse que o diretor regional do Sesc e do Senac, Leopoldo Veiga, não reside no endereço tido como sede da empresa En’cantos e que não há qualquer telefone do Senac nos cadastros da empresa junto à Receita Federal.
Sobre o evento de Páscoa, o advogado disse que houve licitação e que a empresa de Victor Hugo não foi a vencedora. O produtor, no entanto, foi contratado como diretor musical. O nome da empresa ganhadora do certame não foi informado. Questionado, Abreu disse que Victor Hugo não está no quadro societário.
“Queremos repudiar as denúncias que temos recebido. Assumimos compromisso com a transparência e absoluta conformidade em nossos processos”, finalizou.