Em discursos, deputados cobram explicações de Cristiano Araújo por conversas interceptadas em escutas ambientais e prestam solidariedade a Vigilante, alvo de Celina Leão. Investigados não apareceram no retorno pós-carnaval.
Os cinco deputados investigados pela Operação Drácon não compareceram ontem à sessão da Câmara
Depois de três semanas de discussões sobre a formação das comissões permanentes, a Câmara Legislativa iniciou ontem os trabalhos de 2017 em crise por causa da divulgação de gravações de conversas de deputados em seus gabinetes. O conteúdo dos áudios captados nos gabinetes dos distritais Celina Leão (PPS) e Cristiano Araújo (PSD), durante os 10 dias subsequentes à Operação Drácon, e revelado pelo Correio durante o carnaval, foi tema de debates no plenário. Trechos dos diálogos provocaram um grande mal-estar.
Deputados subiram à tribuna para manifestar repúdio ao conteúdo das conversas contidas no material. Fora do plenário, entidades iniciaram a mobilização para cobrar da Mesa Diretora o andamento dos processos por quebra de decoro parlamentar contra os envolvidos no UTIgate e denunciados por corrupção pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) no ano passado.
A frase “Vamos ser sinceros: ninguém aqui é virgem”, dita por Cristiano Araújo em referência às investigações da Drácon no Legislativo local, provocou muitas reações. “Se a Casa se calar, fica parecendo que somos um covil de bandidos. Isso não podemos aceitar”, argumentou Chico Vigilante (PT). Em relação ao mesmo áudio, o petista também atacou: “Não me bota no balaio dos estupradores da sociedade e dos gastadores de dinheiro alheio”. Wasny de Roure (PT) concordou: “Essa alegação banaliza nosso trabalho”.
O presidente da Comissão de Ética e Decoro Parlamentar, Ricardo Vale (PT), pediu que as representações por quebra de decoro contra os investigados saiam das gavetas da Mesa Diretora. “Os deputados reclamam da forma de ação do Ministério Público, do Tribunal de Justiça e da imprensa, mas se recusam a utilizar as ferramentas que a Câmara tem para avançar na solução das investigações”, reclamou Vale. E acrescentou: “Vamos tensionar para que os processos tramitem. Até porque, se o fizermos, teremos acesso aos áudios, por exemplo. E, então, veremos se tudo isso é uma peça de ficção ou um caso real e grave”, apontou.
O bloco Sustentabilidade e Trabalho, integrado pelo presidente da Casa, Joe Valle (PDT), informou que aguarda explicações de Cristiano Araújo. “Entendemos que a Câmara deve trabalhar com o máximo de transparência, o que implica não segurar processos. Mas é importante ouvir os dois lados. É um princípio da Constituição”, apontou Cláudio Abrantes (Rede), líder do bloco de Joe. “Seria incoerente denominar-se Casa de Leis e não deixar que as pessoas se expliquem. Depois disso, com as instâncias próprias, a Câmara decidirá as medidas a serem tomadas”, ponderou Abrantes.
Nenhum dos investigados — Bispo Renato Andrade (PR), Julio Cesar (PRB), Raimundo Ribeiro (PPS), Celina Leão e Cristiano Araújo — compareceu à sessão na tarde de ontem. Ela foi encerrada por falta de quórum. Apenas 10 deputados estiveram no plenário.
Decoro
A despeito dos atos da Mesa Diretora, a ONG Adote um Distrital, do Instituto de Fiscalização e Controle (IFC), já estuda protocolar um novo processo por quebra de decoro parlamentar. A bancada do PT na Câmara também analisará a possibilidade. Em nota, a cúpula do Legislativo informou que, após a próxima reunião, prevista para segunda-feira, comunicará, de forma oficial, os procedimentos frente às representações. “O compromisso com a democracia e com a lei faz com que a Casa tenha o cuidado de não emitir opiniões ou manifestar pareceres prévios sem o devido embasamento de provas ou do contraditório”, destacou a Mesa Diretora, em nota.
Joe, que teve Celina Leão e Cristiano Araújo como aliados na disputa à Presidência da Casa, em dezembro, tem se mantido neutro, preferindo não comentar o conteúdo dos diálogos divulgados.
Revolta
Outro trecho das escutas ambientais pedidas pelo MPDFT e autorizadas pelao Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT) causou desconforto entre os parlamentares. Nele, Celina Leão e interlocutores cogitam mirar a família de Vigilante a fim de criar uma cortina de fumaça que chamasse a atenção pública e encobrisse as denúncias contra a distrital do PPS, logo depois da deflagração da Operação Drácon.
Nos áudios, os servidores mostram-se interessados em buscar informações sobre o filho do petista. Um deles, inclusive, cita a importância de descobrir onde o rapaz mora, para “começar a incomodar” Chico. O parlamentar do PT é responsável por denúncia cujo teor aponta que servidores ligados a Celina supostamente ocultaram evidências antes da deflagração da primeira etapa da Drácon, com o objetivo de obstruir as investigações.
Em um discurso de quase 10 minutos, Vigilante demonstrou indignação. “Eu não admito ataques à minha família. A minha família é sagrada.” Em seguida, acrescentou: “Vou repetir uma frase que eu disse: há uma quadrilha dentro da Câmara Legislativa. Não citei nomes de deputados. Agora, pergunto a qualquer um dos senhores: mais de um investigando a vida de outra pessoa, de maneira clandestina, é ou não é quadrilha? Não tem outro nome. É quadrilha!”
A expressão “formação de quadrilha” havia sido utilizada pelo petista em uma nota de repúdio ao conteúdo das escutas ambientais. Vigilante alegou que, com os grampos, demonstrava-se “a falta absoluta de escrúpulos e o descaramento em querer atingi-lo de qualquer forma e percebia-se a comprovação do que falava dia e noite no parlamento: a Câmara Legislativa estava nas mãos de uma chefe de quadrilha”.
Frente à situação, o Sustentabilidade e Trabalho requereu esclarecimentos. Em um memorando, Chico descreveu respostas aos questionamentos do grupo. Ontem, em plenário, Claudio Abrantes declarou que o grupo se deu por “satisfeito com as explanações”.
Após o discurso de Vigilante, parlamentares prestaram solidariedade. “Família é sagrada”, disse Luzia de Paula (PSB). Rodrigo Delmasso (Podemos) afirmou que fazia das palavras de Chico as dele. Além disso, sindicalistas da Central Única dos Trabalhadores (CUT) compareceram ao Legislativo local para entregar uma carta de apoio ao distrital do PT. “Chico tem sofrido perseguição devido a seus méritos e engajamento político, enquanto a deputada Celina Leão tenta descaracterizar a denúncia que a envolve e intimidar quem lhe faz oposição consistente e destemida”, descreve um trecho. A correligionária e deputada federal Erika Kokay (PT) também esteve na Câmara para prestar solidariedade.
"Os deputados reclamam da forma de ação do Ministério Público, do Tribunal de Justiça e da imprensa, mas se recusam a utilizar as ferramentas que a Câmara tem para avançar na solução das investigações" Ricardo Vale (PT)
"Agora, pergunto a qualquer um dos senhores: mais de um investigando a vida de outra pessoa, de maneira clandestina, é ou não é quadrilha? Não tem outro nome. É quadrilha!" Chico Vigilante (PT)
Conversas interceptadas
Confira os principais trechos dos áudios captados, com autorização judicial, nos gabinetes dos distritais Cristiano Araújo e Celina Leão
Cristiano Araújo
Possível cassação
“Politicamente, aqui, é aquele negócio. Pô, bicho, falando sério, ninguém aqui é virgem. Entendeu? Vocês vão querer me passar porque um terceiro falou o meu nome? Disse que eu trouxe o negócio? Que eu apresentei um grupo? Se eu nunca apresentei ninguém pra ninguém... Quem disse que tem dinheiro? Onde está esse dinheiro? Venhamos e convenhamos, isso não é motivo para... Vamos ser sinceros? Ninguém aqui é virgem.”
Interlocutor: “Isso é fichinha, meu amigo!”
Esquema inicial
“Eu não fiz o negócio. Eu levei o assunto, cara. Eu não pedi nada pra ninguém, tanto é que viajei. Agora, os bispos (distritais Renato Andrade e Julio Cesar) vão ficar mentindo até a última hora. Aí, fui falar: ‘Porra, fala se vocês foram ou não foram’; ‘Ah, a gente foi lá mesmo. Tivemos a conversa’. Mas eu não tive conversa com empresário (Afonso Assad), cara.”
Relacionamento com o governador
“O momento é de precaução. Nesse ambiente, com o governador puto, ele deve estar colocando a Polícia Civil toda de olho na gente. E não tenha dúvidas de que você tá no gancho... Foi coordenador da minha campanha. Tá fodido, velho. Se pisar fora...”
Interlocutor: “Ele tá monitorando sempre”
“E aí tem que ter cuidado: vai eu e você preso. Se der uma merda, dança nós dois.”
Celina Leão
Cortina de fumaça
“Vai vir uma matéria muito pesada contra o governador. Muito, mas muito mesmo. Só que isso aí é o bolo. Você vai recheando e trazendo mais novidades. Pega tudo isso que você tem, que você tentou guardar aqui. (Inaudível) Porque ele (Rollemberg) é pior que o Agnelo. O Rodrigo continua tudo que o Agnelo fez.”
Interlocutor no gabinete de Celina Leão
Repercussão da Drácon
“Hoje, o nosso problema é muito mais moral, que é o julgamento moral da sociedade, do que jurídico. A merda grande é a opinião pública. Essa é foda reverter. Vai ter que trabalhar muito... E só tem um jeito de reverter: explodindo um deputado que possa ser pior que a gente, porque, na Justiça, está tranquilo até o momento.
”