12/09/2019 às 21h07min - Atualizada em 12/09/2019 às 21h07min

LUÍS MIRANDA – O inferno astral do deputado federal guaraense

Grande surpresa das eleições de 2018, o morador do Guará há mais de 30 anos foi destaque em reportagem do Fantástico por acusações de estelionato

Jornal do Guará

Eleito como a grande surpresa das eleições de 2018 no Distrito Federal com ais de 65 mil votos, o deputado Luís Miranda (DEM), morador do Guará, foi do céu ao inferno em menos de um ano. Auto declarado amigo próximo do presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia, Miranda conquistou espaço importante no meio dos deputados federais, inclusive como um dos principais defensores da Reforma Tributária, mas sua casa começou a cair após a reportagem do Fantástico, da Rede Globo, do domingo passado, 8 de setembro, em que 25 pessoas o acusam de estelionato, e ele passou a ser o assunto preferido das rodinhas de conversa pelo país inteiro. Antes, na mesma semana, ele foi pivô da prisão de um israelense que tentou extorqui-lo em R$ 760 mil para evitar a reportagem da Rede Globo e a disseminação de denúncias contra ele nas redes sociais.

Após a reportagem do Fantástico, a situação de Luis Miranda piorou ainda mais com uma enxurrada de denúncias contra ele, que até então não tinham sido divulgadas, uma delas de ameaça de morte contra um denunciante, publicada pelo Jornal de Brasília, nesta quarta-feira, 11 de setembro. Morador do Guará há mais de 30 anos dos seus 37 de idade (foi criado na QI 3 do Guará I), o deputado federal é também acusado de tentar dar um golpe numa líder comunitária da cidade antes de mudar-se para os Estados Unidos, há cinco anos. Segundo a líder comunitária, em relato num grupo de WhatsApp do Guará, Miranda e a mulher teriam simulado a compra da casa dela na QE 19 para instalar a sede da clínica de rejuvenescimento Fit Corpus com um cheque de entrada de R$ 10 mil, mas sob condição da documentação ficar pronta em 30 dias, ou ter a devolução da entrada em dobro, de acordo coma “Lei de Arras”, que penaliza quem desistir de negócio imobiliário com a perda da entrada ou a devolução dobrada do valor pago . “Ele só não contava que eu conseguiria resolver tudo dentro do prazo. Mas quando vi que era golpe, desisti do negócio”, conta ela.

Além dessas acusações, Luis Miranda teve as contas da campanha reprovadas pelo Tribunal Regional Eleitoral. Ele recorre da decisão de que exerceu abuso de poder econômico e compra de votos. O deputado também enfrenta processo de cassação na Justiça Eleitoral e foi obrigado a entregar o passaporte para a Polícia Federal devido outro processo, sobre indenização. Ele também recorreu, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou o pedido.

Após a repercussão das denúncias, o presidente do partido Democratas (DEM), Antonio Carlos Magalhães Neto, atual prefeito de Salvador (BA), exigiu que Miranda apresentasse sua defesa à Executiva Nacional do partido para que fosse analisada sua conduta, que pode resultar em pena de advertência e até de expulsão. A defesa foi entregue pelo deputado nesta quinta-feira, 11 de setembro.

As acusações

Na reportagem do Fantástico, Luis Miranda é acusado de aplicar uma série de golpes para lesar investidores. A denúncia do programa mostrou uma série de vídeos em que o deputado federal, que era empresário e morava em Miami (EUA) na época da campanha de 2018, prometia rendimentos astronômicos, sem esforço, a seus seguidores nas redes sociais.

Nos vídeos, testemunhas contaram, ter perdido muito dinheiro com as promessas de ganho fácil e rápido.  A equipe de reportagem do Fantástico conversou com 25 pessoas. Um dos entrevistados contou ter perdido  R$ 150 mil, fruto da venda de imóveis e carros para fazer a aplicação. Uma das aplicações dadas como certas por Luis Miranda em vídeos no YouTube era no sistema de Tax Lien, uma espécie de certificado de penhor em condados dos Estados Unidos.

Em outros vídeos, ele pedia para que investidores sejam sócios dele em fundos de investimentos e negócios de compra e venda de carros. Ele ainda vendia cursos on-line para ensinar as pessoas a ganharem dinheiro.

Nas gravações, ele dizia que um investimento de US$ 5 mil poderia ter rendimentos entre 18% e 24%, dependendo da região, ou até mesmo resultar na aquisição de um imóvel. Há, ainda, postagens nas quais ele apresenta maneiras de lucrar 100% “sem sair de casa”: “Isso, sim, é negócio, gente”, gabava-se o suposto investir de sucesso.

Um ex-funcionário de Luis Miranda o acusou, na reportagem do Fantástico, de ter maquiado números para lesar investidores. Segundo o acusador, Miranda ficava com o dinheiro alheio para bancar um estilo de “vida luxuoso”.

Deputado garante que não é estelionatário

Luis Miranda se diz vítima de perseguição e negou ter lesado os investidores. Ele conta que mantinha um negócio de locação de veículos nos Estados Unidos e os denunciantes querem prejudicá-lo. Em um dos casos, afirmou a denunciante “locou um carro por um mês, mas como a família queria voltar ao Brasil, generosamente cancelei o aluguel sem multa e devolvi o dinheiro”.

Sobre o ex-funcionário que também o denunciou, o deputado alega que se trata de uma tentativa de ferir sua imagem. Segundo Luís Miranda, ele realizou um boletim de ocorrência contra o rapaz pelo furto de US$ 300 mil da empresa do parlamentar nos Estados Unidos “no momento em que somente ele tinha a chave e eu já estava aqui no Brasil”.

Após a repercussão, o deputado guaraense gravou um vídeo em sua casa, na QE 36, pedindo ajuda e compreensão dos brasileiros e garantindo que vai honrar com todas as dívidas a ele atribuídas. Inicialmente abatido mas depois com tom de voz alterado e falando palavrões, ele afirmou que iria vender a própria casa e se desfazer de todo o seu patrimônio para pagar o que deve e o restante seria pago com a renda dos negócios que continua nos Estados Unidos – de acordo com levantamentos da imprensa e da polícia, o deputado deve cerca de R$ 9 milhões a investidores.

Como Luis Miranda foi eleito

Famoso por dar dicas na internet de como empreender nos Estados Unidos, o youtuber guaraense conseguiu se eleger deputado federal com 65.107 votos, em 6º lugar entre os oito deputados eleitos do Distrito Federal, tornando-se a grande surpresa das eleições porque ele não era conhecido fora do meio virtual, nem mesmo no Guará, onde morou por mais de 30 anos antes de mudar-se para os Estados Unidos, com exceção de amigos e clientes da época.

Luís Miranda afirmou após a eleição que resolveu mudar-se para Miami em 2014, antes da Copa do Mundo, depois de perceber que o governo local tinha colocado um “elefante branco” no centro de Brasília, no caso o estádio Mané Garrincha ao custo de R$ 1,7 milhão, e que ele não conseguiu ficar no país vendo os gastos com o Mundial “enquanto a população sofria”.

Durante quatro anos em solo americano, Luís Miranda trabalhou com compra e venda de imóveis e de carros. Nesse período, gravou vídeos para as redes sociais mostrando, por exemplo, formas de empreender e conseguir o visto de permanência nos Estados Unidos.

As publicações renderam ao youtuber a marca de 700 mil pessoas inscritas no canal dele. Com a repercussão, Miranda decidiu voltar para o Brasil na tentativa de “trazer propostas do presidente dos EUA, Donald Trump, para o DF e o resto do país”. Durante o horário eleitoral gratuito, ele posava ao lado de uma bandeira americana. “O que fez a diferença na minha vida lá foi a reforma tributária que o Donald Trump aplicou. Não fiz nada de especial e o meu patrimônio aumentou de 1,5 milhão para 7,5 milhões de dólares.”

Mesmo exaltando os “benefícios” de morar nos EUA, Luís Miranda não abriu mão da casa que deixou no Guará, por isso conseguiu provar domicílio eleitoral no DF para ter a candidatura aceita pela Justiça Eleitoral. Nas ruas do DF ele fez campanha por apenas um mês, depois de desembarcar em Brasília no dia 12 de setembro.

O Ministério Público chegou a questionar a candidatura de Luís Miranda argumentando que ele tinha sido condenado por crime contra a administração. O Tribunal Regional Eleitoral do DF (TRE), no entanto, aprovou que ele concorresse.

Entrevista ao Jornal do Guará

Logo após a eleição, Luis Miranda veio à sede do Jornal do Guará, onde concedeu uma entrevista coletiva aos órgãos de imprensa da cidade – além do JG, Jornal Guará Hoje e rádio Guará FM.

Na entrevista, Miranda se disse parcialmente decepcionado com a votação que recebeu, porque esperava pelo menos o dobro, que era entre 120 mil a 150 mil votos. Ele atribuiu o “baixo desempenho” ao fato de o Facebook – uma de suas maiores plataformas – ter bloqueado o impulsionamento dos posts durante 15 dias. “O Facebook parou de enviar as minhas publicações. Tive que trabalhar 20 horas por dia. Estava dormindo somente por duas horas para conseguir me apresentar aos eleitores do DF.”, recorda-se.

Propostas
Com mais de 4 milhões de seguidores na internet, dos quais 80 mil só em Brasília, ele alinhavou 25 propostas que pretendia levar adiante na Câmara dos Deputados. Uma delas, é a implementação do projeto Cidade Digital, engavetado por governos anteriores. Disse que já contava com o aval do governador eleito Ibaneis Rocha. Especialista em marketing digital, com o projeto Cidade Digital destravado, afirmou que iria lutar por uma reforma tributária abrangente e justa, “que atraia empresas como Facebook, Tesla e outras do Vale do Silício (EUA) gerando empregos e renda”.

Corrupção como crime hediondo
Luis Miranda contou que pretendia também enquadrar à Lei 8072- 92 o crime de corrupção como sendo de “natureza hedionda”. A redução de impostos seria resumida a um imposto único em todas as esferas: federal, estadual e municipal.
O 25º projeto elencado por Miranda está relacionado à Teoria do Dano. Ao contrário do que ocorre hoje, em que a população carcerária tem mais benefícios do que deveres, pretendia inverter a lógica: em vez de defender tão somente quem comete crime a nova lógica viria em defesa do cidadão e não do Estado, que se proclama como vítima. “O presidiário terá de arcar pelo seu crime e trabalhar para ressarcir a vítima e para se manter como cidadão que é. Se não aceitar é porque não está arrependido de seu ato e, portanto, sua ressocialização fica bastante comprometida”, concluiu.


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